Registro:
2020.0000763866
ACÓRDÃO
Vistos,
relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº
0018679-76.2013.8.26.0007, da Comarca de São Paulo, em que é apelante IVAN
SILVA CEDRAZ, é apelado JOILSON SILVA JESUS (JUSTIÇA GRATUITA).
ACORDAM, em
10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a
seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O
julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JOÃO CARLOS SALETTI
(Presidente), J.B. PAULA LIMA E ELCIO TRUJILLO.
São
Paulo, 17 de dezembro de 2019.
JOÃO
CARLOS SALETTI PRESIDENTE E RELATOR
Assinatura
Eletrônica
APELAÇÃO
CÍVEL nº 0018679-76.2013.8.26.0007
COMARCA - SÃO PAULO FORO REGIONAL ITAQUERA
4º Ofício, Processo nº
0018679-76.2013 APELANTE
- IVAN SILVA CEDRAZ APELADO - JOILSON SILVA JESUS
V
O T O Nº 31.153
DIREITO
AUTORAL Indenização por danos morais Plágio de obra musical e utilização em
campanha política Prova documental e testemunhal Réu que confessou ter se
utilizado da obra para fins eleitorais Dever de indenizar configurado Sentença
mantida.
DANO
MORAL Reparação A indenização por dano moral deve reparar o sofrimento da
vítima e, ao mesmo tempo, desestimular a prática do fato, pelo ofensor, devendo
o Juiz estabelecê-lo com critérios de proporcionalidade e razoabilidade, sem
deixar de atender a esses objetivos, todavia evitando o enriquecimento sem
causa do ofendido, ou provocando injusto desfalque do patrimônio do ofensor
Fixação da indenização, no caso, em R$ 10.000,00, mantida.
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ Alteração da verdade
dos fatos pelo réu Configuração Negativa inicial do réu de utilização para
posteriormente confirmar a utilização de idêntico refrão da composição do autor
em sua campanha eleitoral Condenação mantida.
Apelação
não provida.
A
r. sentença de fls. 196/202 julgou parcialmente procedente a ação, condenando o
réu a pagar ao autor indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 com
atualização pela tabela do Tribunal de Justiça a partir da data do julgamento,
com juros de um por cento ao mês a partir de citação.
Apela
o réu (fls. 219/228). Alega: a) o
apelado, diante da impugnação aos documentos, inclusive às mídias juntadas, ao
invés de requerer a produção da prova adequada (prova pericial), limitou-se a
juntar aos autos degravação da mídia impugnada (fls. 113/136); b) assim, não se desincumbiu o autor do
ônus probatório; c) a conclusão do
Juízo de que “na hipótese dos autos, o
refrão da letra original da canção foi utilizado de modo a atrair eleitores
para a campanha do réu à Prefeitura” é errônea; d) a expressão “um piseiro só”
é de domínio comum; ademais, se o próprio apelado promove movimentos políticos
utilizando-se da referida expressão, irrogando-se fundador do “movimento político foi um piseiro só”, é
evidente que não pode censurar a utilização da expressão, divulgada pública e
irrestritamente pelo próprio autor em redes sociais, justamente por ser de
domínio público; e) outros
compositores também se utilizaram da mesma expressão “foi um piseiro só”; f) a
versão apresentada pelas testemunhas é inverossímil, pois não souberam precisar
o candidato, nem tampouco o município onde teria ocorrido a suposta utilização,
sendo demais condená-lo com base em probabilidades, ainda mais quando está
proclamada a utilização maciça da música, divulgado pelo próprio apelado como
sendo um “movimento político”; g) não
houve comprovação dos danos morais alegados; h) o autor é artista local que faz shows em pequenos bares, de modo
que o arbitramento é desproporcional, devendo ser reduzido;
i) o apelante agiu nos autos com
lealdade processual, não havendo motivo para ser condenado por litigância de má-fé.
Pede,
portanto, o provimento do recurso para julgar a ação improcedente ou,
sucessivamente, reduzir a condenação por danos morais para metade do valor
arbitrado e, cumulativamente, extirpando-se da sentença a condenação a título
de litigância de má-fé.
Resposta
às fls. 272/275.
É
o relatório.
1.
Trata-se
de ação indenizatória por danos materiais e morais em razão de uso não
autorizado de composição musical do autor durante campanha eleitoral do réu em
Piritiba-BA, denominada “foi um piseiro só”, composição registrada no ECAD
(fls. 28) e na Fundação Biblioteca Nacional do Ministério da Cultura (fls. 33).
Referida
composição encontra-se gravada no CD do autor “O Baianinho bom do forró” lançado no ano de 2003, pela produtora
Chanson Produções Artísticas Ltda., tendo certamente ajudado o Prefeito, ora
apelante, a se eleger em Piritiba-BA, em 2012, sustentou o autor.
A
prova produzida dá sustentação ao decidido em primeiro grau. Segundo afirmou a
testemunha Erinaldo (fls. 187), “... conhece o autor de shows de forró que faz
na região de Guaianases. Pelo que sabe muitos se utilizam das composições do
autor sem sua autorização. Soube que na Bahia, também houve utilização
indevida, desconhecendo os pormenores”.
A
testemunha Cristiano (fls. 188), por sua vez, relatou:
“...
conhece o autor de shows de forró que faz na região de Guaianases e Itaquera. O
autor é compositor, sendo sua música mais famosa intitulada “Piseiro”. Soube
que essa música mencionada foi copiada por vários prefeitos da Bahia, não
sabendo precisar os municípios para utilização em campanha eleitoral. O autor
soube do uso indevido por vídeos na internet. Soube que o autor manteve contato
com esses prefeitos, não tendo tido retorno” (...). “... o depoente visualizou
alguns vídeos na internet, em que a música era muito semelhante àquela do
autor, tanto o ritmo, quanto as palavras”.
Analisada
a letra original às fls. 41 e a transcrição dos vídeos tirados da internet
(fls. 115/142), há semelhanças entre a música original do autor e a utilizada,
e com repetição do refrão, que contém a expressão “um piseiro só”. A testemunha
Cristiano (fls. 188) afirmou categoricamente a semelhança do ritmo da música em
vários vídeos tirados da internet, utilizados em campanhas eleitorais na Bahia.
Contudo, o próprio réu, ora apelante, confirmou ter-se utilizado da expressão
“um piseiro só” em suas músicas de campanha, o que certamente torna verossímil
a afirmação do autor, confirmada pela testemunha mencionada, de que realmente a
música foi plagiada e utilizada por várias pessoas, dentre elas, o réu.
Não
sem razão, bem discorreu o Juízo na r. sentença:
“Em sua contestação, o réu
alegou que nas mídias e documentos
juntados pelo autor o material sonoro foi inserido ou manipulado pelo autor ou
terceiros sem vinculação com o réu (fls. 77). Contudo, no decorrer da
instrução processual, veio a alterar a defesa, justificando que o único trecho que tem pertinência com a
letra que o autor diz ser de sua autoria é o refrão “é um piseiro só” e “foi um piseiro só” (fls. 154). Ora, num
primeiro momento, o réu negou os fatos, aduzindo ter havido adulteração das
provas trazidas pelo autor, ao passo que, posteriormente, limitou-se a negar o
vínculo de seu jingle de campanha
eleitoral com a música do autor, exceto pela palavra piseiro.
“No
entanto, na hipótese dos autos, o refrão da letra original da canção foi
utilizado de modo a atrair eleitores para a campanha do réu à Prefeitura.
“Evidente,
pois, a utilização não autorizada, visto que o réu valeu-se do refrão da
composição musical do autor, adaptando-o em seu próprio proveito eleitoral, o
que se comprova pelo folheto da campanha (fls. 44), o DVD trazido aos autos de
comícios eleitorais (fls. 43) com a devida transcrição (fls. 115/142) e pela
oitiva da testemunha (fls. 188), que confirmou a semelhança do jingle de campanha tanto na letra,
quanto na música com a composição do requerente. Não poderia o réu utilizar a
música ou variações dela, sem autorização do autor, em sua campanha eleitoral
em evidente violação aos direitos desse, que goza de proteção em todo o
território nacional.
(...)
“No
entanto, o próprio requerente trouxe aos autos contrato de edição e aquisição
de direitos patrimoniais de autor (fls. 34/38), segundo a qual a terceira
Chanson Produções Artísticas Ltda. passou a ser titular, sem quais quer
restrições ou limitações, de todos os direitos ou faculdades que constituam o
direito autoral do autor sobre a obra por ele criada (cláusula 3 fls. 34). Logo,
o requerente é apenas titular dos direitos morais de autor, já que aqueles
patrimoniais foram cedidos à empresa, fazendo jus à indenização apenas daquela natureza.
“Com
efeito, o fato de o réu ter se utilizado de jingle
político baseado em música composta pelo autor sem autorização ou indicação
da autora da composição musical, por si só, causa prejuízos de ordem moral ao
autor”.
2.
Confirmada
a utilização indevida da obra, a indenização era, como é, de rigor.
Reclama
o apelante do valor, que entende excessivo. Sem razão.
O
valor da indenização deve guardar respeito aos princípios da proporcionalidade
e da razoabilidade.
Conferido
ao Poder Judiciário dizer qual a indenização cabível no caso concreto,
atendidas as peculiaridades do caso, especialmente as circunstâncias acima
apontadas, a indenização, na hipótese, deve recompor quanto possível o dano e
constituir estímulo ao aprimoramento do pessoal e do serviço prestado, aliás como
dita v. acórdão relatado pelo então Desembargador desta Corte, hoje Ministro
CEZAR PELUSO: “estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a
quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o
autor da ofensa” (RT 706/76).
A
orientação do Colendo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que “Certamente
que “a indenização por dano moral é arbitrável mediante estimativa prudencial
que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e
dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa” (R.J.T.J.E.S.P.
156/94), não se desprezando consideração atinente à capacidade econômica de
quem deve indenizar (R.S.T.J. 112/216, 121/409, R.T. 775/211), sintonizada,
ainda, com o padrão socioeconômico do ofendido (R.S.T.J. 112/216, 133/260;
J.T.J. 196/91); tudo, porém, sem descambar para o exagero, num ou noutro
sentido, que possa redundar em inexpressividade ou em provocação de
enriquecimento sem causa.” (REsp 731.689/RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves,
Quarta Turma, DJ de 13.6.2005).
Acertada
a r. sentença:
“A
extensão dos danos é auferida, à míngua de outros critérios, pela quantidade de
utilização da obra reproduzida sem autorização, ou seja, em pelo menos seis
comícios eleitorais (fls. 115/120, 121/124, 125/128, 129/133, 134/138 e
139/142).
“Se
o réu não atuou com dolo, fê-lo pelo menos com culpa grave, pois tinha
consciência de que se tratava de alteração de música de terceiro, não tendo
requerido autorização para sua utilização.
“Em
relação à capacidade econômica das partes, o autor é pessoa humilde, tanto que
litiga sob os auspícios da justiça gratuita, ao passo que o réu exerce cargo
público de Prefeito de Município do interior baiano.
“Pelos
dados apontados, considerando ainda a dupla função da indenização dos danos
morais, qual seja, reparação do dano e punição e tendo em vista que a
indenização não pode levar o lesado a um enriquecimento indevido e nem o
ofensor á ruína, arbitro-a no equivalente a R$10.000,00.
“Tal
fixação da indenização proporcionará satisfação em justo montante ao autor, sem
propiciar-lhe enriquecimento para que não mais cometa violações dessa natureza”.
Não
há motivo algum para reduzir o valor arbitrado modicamente e com atenção aos
princípios apontados.
3.
Por
fim, a penalidade por litigância de má-fé deve ser mantida.
A r. sentença bem enfatizou que,
de início, o réu havia afirmado não ter- se utilizado de “nenhuma obra musical do autor e que os documentos juntados pelo autor e
o material sonoro foram inseridos ou manipulados pelo autor (fls. 76/77).
Posteriormente, alterou a versão dos fatos, admitindo parcialmente a utilização
de idêntico refrão da composição do autor em sua campanha eleitoral. Ora, o
direito de defesa não autoriza a extrapolação dele para negação de fato
incontroverso ou alteração da verdade dos fatos, o que implica o reconhecimento
de litigância de má-fé verdade pelo ordenamento processual civil. Destarte,
urge condena-lo no pagamento de indenização à parte contrária, a fim de serem
coibidas tais condutas, que representam verdadeiro menoscabo à função
jurisdicional do Estado”.
Logo,
evidente a alteração da verdade dos fatos, segundo reza o artigo 17, II, do
Código de Processo Civil de 1973, aplicado na hipótese, motivo pelo qual resta
mantida a penalidade de multa de 1% e indenização à parte contrária no valor de
5%, ambos do valor da causa atualizado.
Assinalo,
ainda, que na hipótese de oferta de embargos de declaração, o julgamento se
dará virtualmente, salvo oposição expressa das partes em cinco dias contados da
intimação do acórdão.
4.
Ante
o exposto, nego provimento ao recurso.
É
meu voto.
JOÃO
CARLOS SALETTI
Relator
assinado
digitalmente