Registro: 2017.0000861407
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº
0212994-29.2007.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são
apelantes/apelados ERICSSON TELECOMUNICAÇÕES S.A. e SONY ERICSSON MOBILE COMMUNICATIONS
DO BRASIL LTDA., são apelados/apelantes CITATEL INDÚSTRIA COMÉRCIO E PRESTAÇÃO
DE SERVIÇOS EM TELECOMUNICAÇÕES LTDA. e LUNE PROJETOS ESPECIAIS EM
TELECOMUNICAÇÕES COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA..
ACORDAM, em 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: "Deram parcial provimento aos recursos
interpostos pela corré Citatel Indústria e Comércio e Prestação de Serviços em
Telecomunicações Ltda e pelas autoras e negaram provimento ao recurso
interposto pela corré Lune Projetos Especiais em Telecomunicações Comércio e
Indústria Ltda. Sustentou oralmente o advogado Dr. Rodrigo Souto Maior.",
de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores VITO
GUGLIELMI (Presidente), PERCIVAL NOGUEIRA E PAULO ALCIDES.
São Paulo, 9 de novembro de 2017
VITO GUGLIELMI
RELATOR
Assinatura Eletrônica
VOTO Nº 39.062
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0212994-29.2007.8.26.0100
RELATOR: DESEMBARGADOR VITO GUGLIELMI APELANTES : ERICSSON TELECOMUNICAÇÕES S/A e OUTRA
CITATEL INDÚSTRIA, COMÉRCIO E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EM TELECOMUNICAÇÕES
LTDA. e
LUNE PROJETOS ESPECIAIS EM TELECOMUNICAÇÕES, COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA.
APELADAS : AS MESMAS
COMARCA : SÃO PAULO 23ª VARA CÍVEL
PERITO JUDICIAL. SUSPEIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PERITO EX-EMPREGADO DA
EMPRESA AUTORA. HIPÓTESE QUE NÃO SE INSERE NO ROL DE CAUSAS DE SUSPEIÇÃO
ESTABELECIDO PELO ART. 235 DO CPC/1973, VIGENTE À ÉPOCA. LAUDO BEM FUNDAMENTADO
E EMBASADO EM ELEMENTOS TÉCNICOS. AUSÊNCIA DE QUALQUER INDÍCIO DE
IMPARCIALIDADE DO AUXILIAR DO JUÍZO. MATÉRIA REJEITADA.
ILEGITIMIDADE PASSIVA. PARCIAL OCORRÊNCIA. CORRÉ CITATEL QUE FORA
CESSIONÁRIA DOS DIREITOS DE EXPLORAÇÃO DO INVENTO PATENTEADO. CONTRATO DE
CESSÃO, PORÉM, ENCERRADO AO TEMPO DA PROPOSITURA DA AÇÃO. ILEGITIMIDADE DA
CITATEL QUANTO À TUTELA COMINATÓRIA DE SE EXIMIR DE OBSTAR A UTILIZAÇÃO DO
INVENTO PELAS AUTORAS. LEGITIMIDADE, PORÉM, MANTIDA QUANTO AO PLEITO
DECLARATÓRIO E INDENIZATÓRIO, REFERENTES A PERÍODO EM QUE AINDA VIGENTE O
CONTRATO. CONDIÇÕES DA AÇÃO ANALISADAS EM ESTADO DE ASSERÇÃO. MATÉRIA
PARCIALMENTE ACOLHIDA.
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. SISTEMA IDENTIFICADOR DE CHAMADAS. INVENTO DA
CORRÉ LUNE, OBJETO DE PATENTE REGISTRADA PERANTE O INPI. LAUDO PERICIAL QUE
CONCLUIU PELA INEXISTÊNCIA DE INFRAÇÃO A SEUS PRIVILÉGIOS DE EXCLUSIVIDADE
PELAS AUTORAS, CUJO SISTEMA DE IDENTIFICAÇÃO UTILIZARIA TECNOLOGIA DIVERSA.
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DECLARATÓRIO DE INEXISTÊNCIA DE INFRAÇÃO À PATENTE, BEM
COMO DO PLEITO COMINATÓRIO PARA CONDENAR A RÉ À OBRIGAÇÃO DE NÃO OBSTAR A
UTILIZAÇÃO DO SISTEMA DE
IDENTIFICAÇÃO
COMERCIALIZADO PELAS AUTORAS. REPARAÇÃO CIVIL. DANOS MORAIS. INADMISSIBILIDADE.
PROPOSITURA DE AÇÕES PELA RÉ QUE CONSTITUI EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO.
INEXISTÊNCIA DE ILICITUDE EM SEU COMPORTAMENTO. MATÉRIA DE FATO CONTROVERTIDA.
INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS POR EQUIDADE EM R$ 6.200,00.
VALOR DA CAUSA DE R$ 100.000,00. MAJORAÇÃO. POSSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DOS
CRITÉRIOS ESTABELECIDOS PELO ART. 20, § 3º DO CPC/73, VIGENTE À ÉPOCA. RECURSO
DA CORRÉ CITATEL PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DA CORRÉ LUNE IMPROVIDO. RECURSO
DAS AUTORAS PARCIALMENTE PROVIDO.
1.
Trata-se de recursos de apelação,
tempestivos e bem processados, interpostos contra sentença que julgou
parcialmente procedente a ação declaratória de não infração de patente cumulada
com obrigação de fazer e indenizatória por danos morais relativa à Patente PI
9202624-9 proposta por Ericsson Telecomunicações S.A. e Sony Ericsson Mobile
Communications do Brasil Ltda em face de Citatel Indústria Comércio e Prestação
de Serviços em Telecomunicações Ltda e Lune Projetos Especiais em Telecomunicações
Comércio e Indústria Ltda.
O MM. Juízo (fls. 2.676/2.683) ponderou, em suma, inexistir qualquer
relação entre os sistemas de identificação de chamadas utilizados nas centrais
telefônicas e linhas celulares comercializados pelas autoras e o invento objeto
da patente PI 9202624-9, de titularidade da corré Lune. Apontou que a patente
foi registrada com relação a sistema utilizado em telefonia fixa, sendo
impossível, para as autoras, sua utilização na telefonia móvel, conforme
conclusão não apenas do laudo pericial, mas de todos os pareceres técnicos de
renomadas universidades brasileiras colacionados aos autos. Declarou, assim, a
inexistência de infração aos privilégios de exclusividade concernentes à
patente em comento, determinando, por conseguinte, que as rés se abstivessem de
praticar qualquer ato no sentido de impedir ou dificultar a livre e normal
fabricação, importação e comercialização dos produtos fornecidos pelas autoras.
Indeferiu, por outro lado, o pleito indenizatório, observando não ter havido,
em qualquer momento, prova de que as autoras houvessem sofrido situações que
ensejassem tal condenação. Condenou as rés, por haverem as autoras sucumbido em
parcela mínima do pedido, a arcarem com a integralidade das custas e despesas
processuais, inclusive honorários advocatícios sucumbenciais arbitrados, por
equidade, em R$ 6.200,00.
Opostos embargos de declaração pelas rés (fls.2.685/2.693), foram eles
rejeitados (fl. 2.694).
Inconformados, apelam todos.
As autoras apelam (fls. 2.698/2.705) pleiteando a reforma da sentença
no capítulo concernente à indenização por perdas e danos. Aduzem que diversas
operadoras de telefonia, suas clientes, tornaram-se rés em ações movidas pela
Lune em que se pleiteavam indenizações milionárias por suposta violação à
patente em tela. Dizem que a propositura de tais ações abala sua credibilidade
perante seus clientes. Por fim, pretendem a reforma da sentença no capítulo
relativo aos honorários advocatícios sucumbenciais, ponderando que, como o
valor da causa corresponde a R$ 100.000,00, o montante fixado por equidade
seria inferior ao patamar mínimo de 10% do valor da causa. Salientam o inegável
grau de zelo dos patronos das apelantes e o tempo de trabalho exigidos para sua
atuação, destacando que, desde a propositura da ação até a prolação da
sentença, houve interstício de sete anos, realizando-se robusto e detalhado
exame pericial.
Apela, outrossim, a corré Citatel Indústria, Comércio e Prestação de
Serviços em Telecomuinicações Ltda (fls. 2.713/2.722), argumentando, em suma,
que nunca ajuizou qualquer ação ou notificou os clientes das autoras, ou mesmo
demonstrou qualquer interesse sobre o uso da referida patente, visto que os
direitos de uso que sobre ela detinha encerraram-se quando do ajuizamento da
ação. Diz, assim, que a ação deve ser julgada improcedente com relação a ela.
Recorre, por fim, a corré Lune Projetos Especiais em Telecomunicações,
Comércio e Indústria Ltda (fls. 2.728/2.764), arguindo a falta de interesse de
agir das autoras. Diz que as próprias autoras não sofreram qualquer dano ou
restrição a sua atividade, limitando-se a divagar sobre situações hipotéticas
que poderiam vir a ocorrer. Ainda preliminarmente, argui a suspeição do perito,
que teria relação pessoal com as autoras. Afirma que o Sr. Perito foi empregado
da coautora Ericsson por anos, sendo que foi ele, inclusive, responsável por
postular em nome de sua ex-empregadora um pedido de registro de patente sobre
invenção análoga à da patente em tela, que foi recusado pelo INPI. Alega que, em
outra demanda, em que se questionava a validade do registro de patente das
autoras, outro perito, imparcial, apontou que, no caso, estariam presentes os
requisitos da novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, sendo
descabidas as conclusões periciais no sentido de que a invenção em tela não
atenderia aos requisitos legais para o registro da patente. Diz que, nesse
mesmo feito, referido perito haveria apontado a possibilidade da tecnologia ser
utilizada em telefonia celular. Pede, assim, a anulação dos atos processuais
posteriores à realização da perícia, retornando os autos à instância originária
para a feitura de nova prova pericial. Alega que a sentença foi omissa ao
deixar de considerar a existência de contrato de parceria celebrado pela autora,
em que ela confessa utilizar a PI9202624-9, questão de crucial importância para
o deslinde do feito. Aponta, ademais, que o magistrado se haveria firmado em
fundamento falso, qual seja, o de que as autoras apenas comercializariam
telefones móveis, o que não é verdade. Esclarece que a autora fabrica centrais
para telefonia fixa. Aponta que a Anatel, intervindo no Processo n.
2001.1.51.1.108596-4, que tramitou perante o Juízo da 2ª Vara Cível de Brasília,
afirmou, no bojo daqueles autos, que “a
patente em questão foi adotada como padrão pela Telebrás por meio da Prática
Telebrás 220-250-713, cujas especificações foram adotadas pela Anatel na
definição dos serviços de telecomunicações”, concluindo que “todo equipamento ou processo que atenda às
especificações Telebrás, recepcionadas pela Anatel, violam a patente.”
Assevera que a observação da PI9202624-9 é obrigatória, pois é ela que baseia o
padrão brasileiro de telefonia. Assim, diz que, se as autoras estão obedecendo
às cogentes regulações da Anatel, sequer haveria necessidade de perícia para se
aferir a utilização da PI92502624-9 nas centrais e aparelhos telefônicos por
elas fabricados. Diz que, em 09.02.1997, concedeu licença para exploração da
tecnologia da PI9202624-9 à empresa Intelcom Telecomunicações Ltda, a qual
passou a contratar com as operadoras e fabricantes para negociar a permissão de
sua utilização. Narra que, em 28.02.1997, a Intelcom firmou com a autora um
contrato de parceria para comercialização pela Intelcom do “Serviço de
Identificação de Chamadas Telefônicas” utilizada pela coautora Ericsson com
base na patente em exame.
Processados os recursos (fls. 2.711, 2.771 e 2.823), vieram aos autos
as contrarrazões (fls. 2.775/2.793, 2.818/2.821, 2.826/2.837).
É o relatório.
2. Preliminarmente, rejeita-se a alegação de suspeição do perito judicial nomeado pelo MM. Juízo.
Isso porque, a uma, a hipótese de ser o perito ex- empregado de
qualquer das partes não está prevista como causa de suspeição, seja no artigo
145 do Novo Código de Processo Civil, seja no artigo 135 do Código de Processo
Civil de 1973, vigente à época da feitura do laudo.
Nem se perca que o reconhecimento da suspeição, de toda sorte, depende
da verificação de efetivo prejuízo à imparcialidade do perito, o que não se
verifica na espécie.
Assim, eventual fato de haver o perito judicial trabalhado para a
empresa autora não retira sua imparcialidade para funcionar no feito como
auxiliar do Juízo. Note-se que o laudo pericial foi muito bem fundamentado,
embasando-se em sólidos critérios técnicos.
Já se decidiu:
“PROVA - Perito - Arguição de suspeição - Recusa ou substituição do
perito, em razão de suspeição (CPC, art. 423), somente pode se dar nas
hipóteses taxativas constantes do art. 135, do CPC (CPC, art. 138, III), sendo
necessária prova concreta de que haverá comprometimento de sua atuação nos
autos em que foi nomeado - Na espécie, a arguição de suspeição do perito
nomeado nos autos, lastreada na alegação de que é ex-empregado do banco-réu,
ora agravado, e que elabora laudos, utilizando método diverso daquele que a
agravante entende ser o correto, não merece prosperar, porquanto: (a) referida
hipótese não se subsume a alguma daquelas dispostas no art. 135, do CPC e (b) a
mera condição de ex-empregado da ré e da elaboração de laudo em entendimento
divergente ao da agravante, em causa diversa, patrocinada pelos advogados da
agravante, não autorizam o reconhecimento de que o perito nomeado esteja
interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes Manutenção da r.
decisão agravada que rejeitou a arguição de suspeição do perito Recurso
desprovido.” (TJSP Agravo de instrumento n.
2015006-62.2013.8.26.0000 Rel. Des. Rebello Pinho 20ª Câmara de Direito Privado
Taquaritinga j. em 07.10.2013)
“ACÓRDÃO - PERITO - Suspeição - Nenhuma das causas de suspeição legalmente
previstas (cf. CPC, 135) está presente – Decisão mantida-Agravo desprovido. Vistos,
relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 1.188.965-5, da Comarca
de SÃO CAETANO DO SUL, sendo agravantes JOSÉ MARIA DA SILVA E SUA MULHER e
agravados GENERAL MOTORS DO BRASIL LTDA. e ACE SEGURADORA S.A.. ACORDAM, em
Décima Primeira Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, por votação
unânime, negar provimento ao recurso. Cuida- se de agravo respondido por meio
do qual querem ver os agravantes reformada a r. decisão de primeiro grau que
rejeitou sua exceção de suspeição ofertada contra o perito judicial. Sustentam
ser ele suspeito eis que ex- empregado de uma das rés (General Motors), tendo
ainda traduzido sua parcialidade nos dizeres de seu laudo. É o relatório. O
recurso não comporta provimento. Há de se fazer, primeiramente, um
esclarecimento processual. A exceção de suspeição contra perito está, sim,
sujeita &o contraditório pelo que a parte contrária no processo pode e deve
ser ouvida. Daí a correção da intimação das agravadas para responderem ao
recurso. Passa-se ao mérito recursal. Nenhuma das causas de suspeição
legalmente previstas (cf. CPC, 135) está presente. A circunstância de ter sido
o perito oficial empregado de uma das co- réus não o desqualifica para a
função, nem mesmo a atenção calorosa que deu e recebeu ao ingressar nas
instalações da ex-empregadora.” (TJSP Agravo de instrumento n.
0022725-81.2003.8.26.0000 Rel. Des. Silveira Paulilo 11ª Câmara (extinto 1º
TAC) j. em 06.06.2003).
Matéria rejeitada, pois.
Com relação à corré Citatel, deve-se reconhecer sua ilegitimidade
passiva com relação ao pedido cominatório consistente na obrigação de se abster
de impedir a utilização do sistema identificador de chamadas por parte das autoras.
Ora bem, tendo em vista que o contrato de cessão de direitos de
utilização do invento objeto da patente, celebrado pela Citatel com a Lune, já
se extinguira ao tempo da propositura da demanda como, inclusive, informado
pelas próprias autoras em sua petição inicial -, não tem a corré Citatel, com
efeito, legitimidade para figurar no polo passivo da relação processual nesse
tocante.
Porquanto, se não tem ela mais qualquer relação contratual com a corré,
não poderia, sequer em tese, exigir a cessação de eventual infração à patente
em comento.
Rememore-se, a esse respeito, a lição de Cândido Rangel Dinamarco (in Instituições de Direito Processual Civil,
v. 2, 6ª ed., Malheiros, São Paulo, p. 313): “Legitimidade ad causam é
qualidade para estar em juízo, como demandante ou demandado, em relação a
determinado conflito trazido ao exame do juiz. Ela depende sempre de uma
necessária relação entre o sujeito e a causa e traduz-se na relevância que o
resultado desta virá a ter sobre sua esfera de direitos, seja para favorecê-la
ou para restringi-la. Sempre que a procedência de uma demanda seja apta a
melhorar o patrimônio ou a vida do autor, ele será parte legítima; sempre que
ela for apta a atuar sobre a vida ou o patrimônio do réu, também esse será
parte legítima.”
Mais. Nesse tópico, não teriam as autoras interesse de agir com relação
à corré na modalidade necessidade, uma vez que a prestação jurisdicional por
ela perseguida se mostraria absolutamente inócua. Por outro lado, no que concerne
à tutela declaratória e à condenatória em indenização por perdas e danos, não
há se cogitar de ilegitimidade passiva da corré Citatel, seja para que se
consigne que a utilização da patente pelas autoras face à corré foi lícita solucionando-se
a lide nesse tocante seja para que se analise a matéria relativa à eventual
indenização devida às autoras em virtude das alegadas ações movidas pela corré
em face de seus clientes.
No mérito, trata-se de ação declaratória de inexistência de infração
aos direitos de exclusividade reconhecidos à autora Lune em virtude do invento
do sistema de identificação de chamadas objeto da patente n. PI9202624-9.
Como consabido, a invenção concede a seu inventor diversos direitos
patrimoniais relativos a seu invento, que perduram até que se extinga a
patente.
Tais direitos incluem o de impedir terceiro, sem o seu consentimento,
de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar o produto objeto da
patente ou o processo obtido diretamente por processo patenteado (artigo 42 da
Lei n. 9.279/1996), bem como o de obter indenização pela exploração indevida de
seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da
publicação do pedido e da concessão da patente (artigo 44 da citada lei).
De acordo com JOÃO DA GAMA CERQUEIRA (in Tratado de Propriedade Industrial, v. II, t. I, Lumen Juris
Editora, Rio de Janeiro, 2010, p. 159):
“A
propriedade assegurada ao inventor compreende, em seu aspecto positivo, as
faculdades de usar, gozar e dispor da invenção. No seu aspecto negativo importa
a exclusão de qualquer pessoa, pois todo o direito, como poder de ação, no
dizer de Clóvis Bevilacqua, é exclusivo dentro de sua esfera. O Código, porém,
acertadamente pôs em relevo o conteúdo negativo do direito do inventor,
declarando garantir também o uso exclusivo da invenção.”
E arremata o autor (ob. cit,
p. 169);
“O direito de
explorar a invenção compreende a fabricação do objeto patenteado, a sua venda e
exposição à venda ou o seu uso industrial. (...) O direito de explorar a
patente compreende a faculdade de dispor livremente dela, cedendo-a, total ou
parcialmente, ou conceder licença para o uso ou exploração do invento
patenteado. O direito de impedir que terceiros explorem a invenção privilegiada
traduz-se no direito de ação contra os infratores do privilégio.”
No caso em comento, não se debate o fato de ser a corré Lune Projetos
Especiais em Telecomunicações Comércio e Indústria Ltda a titular dos direitos
de propriedade sobre a invenção objeto da patente registrada perante o INPI sob
n. 9202624-9 (fl. 90).
Cumpre verificar, no caso presente, se o sistema identificador de
chamadas utilizado pelas autoras na comercialização de centrais telefônicas e
de telefones móveis utiliza-se indevidamente da tecnologia objeto da patente em
tela.
Para tanto, sobrelevam as conclusões do laudo técnico pericial
produzido nos autos.
De início, esclarece o perito judicial:
“A patente PI 9202624-9 protege
uma invenção de autoria do Sr. Nélio José Nicolai, intitulada Equipamento
Controlador de Chamadas Entrantes e do Terminal Telefônico do Usuário, expedida pelo INPI em 30/09/1997, que
descreve equipamentos, adaptações e processos para possibilitar, na fase de
estabelecimento de uma chamada telefônica, o envio das informações de número e
de chamada telefônica, o envio das informações de número e de categoria do
assinante chamador para uma unidade remota, acoplada ao terminal telefônico do
assinante chamado, a partir de informações de sinalização da chamada
encaminhada através de uma central telefônica local, com tecnologia de
comutação eletromecânica.” (fl. 1.527)
Adiante, ressalta o laudo pericial no tocante aos telefones móveis da Ericsson (fl. 1.609):
“Fica evidenciado que a
tecnologia protegida pela patente número PI9202624-9 jamais foi utilizada pela
Ericsson. A tecnologia de tecnologia móvel foi concebida de forma a implementar
diversos serviços suplementares, entre eles, o serviço de identificação do
assinante chamador (CLIP). Isto se deve ao fato de grande parte de seus
protocolos e normas serem baseados nas especificações definidas para a “Rede
Digital de Serviços Integrados” (ISDN CCITT) de forma completamente
diferenciada da PI9202624-9 e publicada anos antes de seu depósito.”
E acrescenta (fls. 1.708/1.709):
“Os processos para identificação
do chamador nos equipamentos Ericsson AXE para as redes de telefonia móvel são
totalmente distintos daqueles reivindicados pela PI9202624-9.”
Diz ainda (fls. 1.681/1.682):
“Na interpretação da perícia, um
equipamento que realize o envio de sinais DTMF conforme descrito na Prática
Telebrás 220-250-713 ou no art. 64 do Anexo à Resolução 473 da ANATEL não
necessariamente infringe as reivindicações da PI9202624-9.”
Por fim, conclui (fl. 1.696):
“As centrais telefônicas e os
telefones móveis celulares fabricados pelas requerentes não infringem nenhuma
das seis reivindicações da PI 9202624-9.”
Destarte, não restam dúvidas de que a invenção protegida por meio da
patente em comento não se confunde com os processos de identificação de
chamadas utilizados nas centrais telefônicas e nos telefones móveis fabricados
pelas autoras.
Nesse sentido, acertada a decisão que declarou a inexistência de
qualquer infração à patente em apreço nos sistemas de identificador de chamadas
empregados pelas autoras nas centrais telefônicas e telefones móveis por elas
comercializadas.
De se manter, assim, a sentença no que concerne à tutela declaratória,
bem assim no que diz respeito à tutela condenatória, consistente na abstenção
da corré Lune de impedir ou obstar a utilização do sistema de identificação de
chamadas utilizado pelas requerentes.
Deve-se fazer a ressalva de que essa obrigação de abstenção não se
confunde com proibição ao exercício de ação por parte das rés, embora, no que
concerne à licitude da utilização do sistema de identificação de chamadas pelas
autoras, a própria sentença declaratória, com seu trânsito em julgado,
pacifique qualquer dúvida a respeito.
Por fim, no que tange ao pedido de indenização pelos eventuais danos
morais sofridos pelas autoras em virtude das ações indenizatórias promovidas
pelas rés, a ação havia de ser julgada improcedente.
É que em se tratando de pretensão indenizatória por danos morais
fundados na responsabilidade civil comum extracontratual e assim também no que
respeita aos danos materiais -, necessária, para o surgimento do dever de
indenizar, a presença cumulativa de três pressupostos, quais sejam: a prova da
ilicitude no comportamento dos agentes, a ocorrência de um dano extrapatrimonial
e, bem, a existência de um nexo de causalidade entre esses elementos.
É o que entende HUMBERTO
THEODORO JÚNIOR (Dano Moral, 4ª
edição, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2001, p. 31) ao ponderar que “mais do que qualquer outro tipo de
indenização, a reparação do dano moral há de ser imposta a partir do fundamento
mesmo da responsabilidade civil, que não visa a criar fonte injustificada de
lucros e vantagens sem causa”. Daí a necessidade de avaliação dos três
requisitos mencionados.
Nessa perspectiva, de início, não há mesmo que se falar em ilicitude no
comportamento das rés.
A simples propositura de ação judicial, posto que improcedente, desde
que não esteja fundada em má-fé processual, não gera obrigação indenizatória.
Em outras palavras, consistindo o acesso ao Poder Judiciário em
exercício regular de direito, a ilicitude do comportamento da ré apenas se
faria presente caso houvesse má-fé de sua parte, o que não se verifica na
hipótese presente, em que a matéria debatida nos autos era mesmo controvertida
e poderia fazer as rés buscar tutela jurisdicional para a defesa de seu direito
de propriedade industrial.
De má-fé, aliás, se poderia cogitar apenas se algum elemento, ainda que
indiciário, houvesse.
Daí que, no caso dos autos, falecendo o pressuposto básico da
responsabilidade civil, consistente na ilicitude no comportamento da ré, o
afastamento do dever de indenizar era mesmo de rigor. Nesse sentido, bem
explica CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA (Instituições de Direito Civil, Vol. II,
8ª Ed., Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 228):
“O
fundamento primário da reparação está, como visto, no erro da conduta do
agente, no seu procedimento contrário à predeterminação da norma, que
condiz com a própria noção de culpa ou dolo. Se o agente procede em termos
contrários ao direito, desfere o primeiro impulso, no rumo do estabelecimento
do dever de reparar...” (grifos meus)
Por fim, quanto ao valor dos honorários advocatícios, devem eles ser,
com efeito, majorados, uma vez que, fixados na quantia de R$ 6.200,00, não
remuneram condignamente o trabalho dos patronos das partes.
Embora não se olvide que tais honorários foram fixados sob a vigência
do Código de Processo Civil de 1973, em que eram mais amplas as hipóteses de
fixação equitativas da verba honorária pelo magistrado, fato é que, tendo-se
atribuído à causa o valor de R$ 100.000,00; arrastando-se o feito desde 2007;
havendo-se produzido prova pericial acerca de complexa matéria de fato; e, bem,
tendo em conta todo o zelo profissional e o trabalho dos patronos envolvidos no
processo, razoável é que, observando-se os parâmetros do artigo 20, § 3º do
CPC/73, sejam os honorários sucumbenciais majorados para 10% do valor da causa.
Em suma, extingue-se o feito sem julgamento de mérito relativamente à corré Citatel no que concerne ao pedido de obrigação de não fazer, nos termos do artigo 485, IV do Novo Código de Processo Civil. No mais, mantém-se a sentença tal qual lançada, majorando-se, tão somente, os honorários advocatícios sucumbenciais.
Com o resultado, e em virtude da sucumbência, deverão as partes inclusive a Citatel - arcar com metade das custas e despesas processuais, inclusive com honorários advocatícios sucumbenciais devidos aos patronos da parte adversa, ora majorados para 11% do valor da causa, observados os parâmetros do artigo 85, § 11 do NCPC.
3.
Nestes termos, dá-se parcial
provimento aos recursos interpostos pela corré Citatel Indústria Comércio e
Prestação de Serviços em Telecomunicações Ltda e pelas autoras e se nega
provimento àquele interposto pela corré Lune Projetos Especiais em
Telecomunicações Comércio e Indústria Ltda.
Vito Guglielmi
Relator