Neelima Bogadhi

Como artesãos usam a PI para proteger a fabricação de instrumentos musicais tradicionais na Índia

Neelima Bogadhi, professora e pesquisadora de PI, Índia

24 de Julho de 2025

Partilhar

As ricas tradições culturais da Índia deram origem a muitas formas de música e a muitos instrumentos musicais. Tradicionalmente esculpida a partir de uma única peça de madeira de jaqueira, a vina de Bobbili é um grande instrumento de cordas que foi fabricado pela primeira vez no século 17, na cidade de Bobbili, sul da Índia.

Em 2012, o governo da Índia emitiu um certificado de indicação geográfica para a vina de Bobbili. Certificados como esse são utilizados em produtos, inclusive agrícolas, que têm uma origem geográfica específica e apresentam uma reputação, qualidades e outras características diretamente associadas ao lugar em que são produzidos. É o caso do queijo italiano Grana Padano, da Tequila mexicana e do chá Darjeeling, para citar apenas alguns exemplos.

Podem também obter indicações geográficas objetos que são fabricados manualmente com recursos naturais, e pertencem às tradições de comunidades locais.

A indicação geográfica referente à vina de Bobbili protege a cultura dos artesãos locais que a manufaturam, o que por um lado aumenta o valor de mercado do instrumento, e por outro estimula a economia local.

A arte da vina de Bobbili

A música na Índia, bem mais que simples entretenimento, é um meio de se alcançar a espiritualidade. Isso é possível graças aos sons que emanam dos instrumentos tradicionais indianos.

Artesão esculpindo uma vina de Bobbili em miniatura com lápis, em madeira sem acabamento.
Neelima Bogadhi

Existem muitos tipos de vina. Este termo genérico é utilizado para designar vários instrumentos musicais de corda do subcontinente indiano. As raízes da vina de Bobbili estão relacionadas com um mecenas real de Bobbili, hoje uma pequena cidade situada no atual estado de Andhra Pradesh. O reino de Bobbili foi fundado pelo Rei Pedarayudu no século 17. Pedarayudu, que era um grande apreciador da música, encomendou a fabricação de uma série de vinas para que fossem tocadas na corte. Os artesãos da época, ancestrais daqueles dos dias atuais, migraram desde Vizianagaram, fixando residência em Bobbili. A arte deles foi transmitida ao longo de sucessivas gerações de artesãos, moradores do povoado vizinho de Gollapalli.

Como é fabricada a vina

A matéria-prima essencial utilizada na fabricação da vina de Bobbili é a madeira da jaqueira, espécie vegetal endêmica da Índia. Primeiro vem o "kunda", ou bojo, que, depois de oco, é coberto com uma placa de madeira. Em seguida, vem o "dandi", ou braço, que costuma ter 130 cm de comprimento e é esculpido no mesmo tronco de madeira. São instaladas sete cordas antes da aplicação das incrustações decorativas. Trata-se de um processo que requer habilidade e paciência: a fabricação de uma vina de Bobbili pode levar até 25 dias.

Artesão trabalhando em seu ateliê, esculpindo uma vina de Bobbili em miniatura, com, em primeiro plano, outra vina de Bobbili já acabada.
Neelima Bogadhi

Gollapalli é um pequeno povoado com serviços mínimos, baixos níveis de alfabetização e poucas oportunidades econômicas. A vina de Bobbili é parte integral da música carnática, uma forma de música clássica indiana associada ao sul do país. No entanto, com o advento da música contemporânea, houve uma queda na procura por instrumentos musicais tradicionais, e entre eles a vina de Bobbili. A queda na procura por esse instrumento magnífico forçou muitos artesãos a procurarem outro ofício, muitos até chegaram a deixar a região.

Para reavivar essa arte, os artesãos mais experientes estão conscientizando o público para a importância de se dar continuidade às tradições familiares, com vistas a preservar o patrimônio cultural e a promover o bem-estar econômico. Após fundarem a Sarada Veena Workers Cottage Industrial Cooperative Society, na década de 1950, os artesãos começaram a fabricar vinas em miniatura, para serem vendidas como souvenirs. Feitas também de madeira de jaqueira, essas miniaturas geraram uma demanda própria.

Miniaturas de vinas de Bobbili em madeira clara sem acabamento dispostas no chão, ainda numa fase inicial de fabricação.
Neelima Bogadhi

A emissão de um certificado de indicação geográfica na Índia

Empenhada, na década de 1990, em proteger internacionalmente produtos como o arroz Basmati, a Índia introduziu a Lei relativa às Indicações Geográficas de Produtos (Registro e Proteção), em 1999. Essa lei aplica as disposições do Acordo sobre Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (o Acordo TRIPS), da Organização Mundial do Comércio (OMC), que contém uma seção sobre as indicações geográficas.

Na Índia, a Controladoria Geral de Patentes, Desenhos Industriais e Marcas supervisa a Secretaria do Registro de Indicações Geográficas. O processo de registro propriamente dito é rigoroso e um dos requisitos consiste em comprovar e corroborar a origem do produto em questão com dados históricos, unidade local e coordenação.

As associações de artesanato e as autoridades governamentais muitas vezes ajudam as comunidades locais a registrarem indicações geográficas. No caso da vina de Bobbili, o pedido inicial foi feito por intermédio da Corporação do Desenvolvimento do Artesanato de Andhra Pradesh (Handicrafts Development Corporation – APHDC), que identificou o instrumento como sendo um produto daquele Estado, com potencial para merecer uma indicação geográfica. Mais tarde, a APHDC e o Centro de Desenvolvimento e Promoção de Tecnologia de Andhra Pradesh criou no povoado um centro de desenvolvimento de artesanato, e ajudou os artesãos a comercializarem seus produtos. Em 2012, foi concedida uma indicação geográfica para a vina de Bobbili, na classe de instrumentos musicais, e uma para as vinas em miniatura, na classe de artesanato.

O selo da indicação geográfica deu nova vida à reputação do instrumento, especialmente entre as gerações mais jovens. A Índia também lançou iniciativas para promovê-lo melhor: os artesãos foram honrados com prêmios reconhecendo suas habilidades; plantaram-se jaqueiras para melhorar o suprimento de madeira de lei; e a vina de Bobbili foi associada ao programa "Uma Aldeia, Um Produto" (One Village One Product – OVOP).

Contudo, o sucesso não depende só dos artesãos e das políticas – o público também tem de fazer a sua parte, conscientizando-se e gerando uma procura por instrumentos de fabricação artesanal sustentável.

Sobre o autor

Neelima Bogadhi obteve o título de doutora pela Universidade de Andhra, na Índia, tendo defendido uma tese sobre o direito indiano e as indicações geográficas. É editora assistente do Journal of the Academy of Juridical Studies e da revista on-line Bonafide Voices, e membro da Faculdade Nacional de Direito Damodaram Sanjivayya, em Andhra Pradesh. Neelima classificou-se em segundo lugar no Concurso de Vídeos de Jovens da OMPIde 2023.

Este artigo foi inicialmente publicado na Edição Especial Música da Revista da OMPI . A revista está disponível na íntegra para download em formato PDF.