O mercado da música na China, em franca expansão, ocupa a quinta posição entre os 10 maiores do mundo. Como Estado membro da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), a China, nas últimas décadas, tem-se empenhado com afinco para proteger os direitos de autor musicais. Foi em 1991 que entrou em vigor a primeira lei do direito de autor do país, e desde então, os regulamentos são atualizados constantemente.
As mudanças contínuas na indústria da música seguem apresentando desafios. Assim como outras jurisdições, entre as quais o Reino Unido e a União Europeia, a China enfrenta o problema da baixa remuneração para os criadores de música, juntamente com outras questões advindas da digitalização e da inteligência artificial (IA). Além disso, o mercado chinês tem também seus próprios desafios.
A Sociedade dos Direitos de Autor Musicais da China (MCSC) é uma organização de gestão coletiva para obras musicais da China continental. Fundada em 1992, a MCSC tinha 14.064 associados no momento da redação deste artigo, um número baixo quando se tem em conta a dimensão do mercado da música no país. A natureza operacional da Sociedade e a questão do envolvimento dos artistas são detalhadamente examinados em uma recente análise comparativa da gestão dos direitos de autor musicais em China, Austrália e Estados Unidos.
Atualmente, as agências administrativas que tratam dos direitos de autor na China estão atuando em conjunto para abordar os desafios do mercado da música moderno.
Histórico da regulamentação e planos governamentais
A Lei do Direito de Autor foi alterada três vezes: em 2001, 2010 e 2020. Em 2021, o governo lançou também o Esquema para a Construção de uma Potente Nação de Propriedade Intelectual, no qual apresentou suas metas para a proteção da propriedade intelectual (PI), inclusive o direito de autor, até 2035. A Administração Nacional do Direito de Autor da República Popular da China (NCAC) planeja lançar seu plano de cinco anos sobre o direito de autor em 2026. Em 2023, algumas questões relacionadas com a gestão coletiva foram debatidas na nona Expo Internacional dos Direitos de Autor da China.
A evolução para a música digital licenciada consolidou o poder nas mãos das plataformas de streaming e das empresas de música
Em 2005, com o florescer do mercado da música digital, a NCAC juntou-se à Administração do Ciberespaço da China, ao Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação e ao Ministério da Segurança Pública, para lançar a campanha “Jianwang” (Rede de Espadas) , visando combater a violação dos direitos de autor e a pirataria on-line. Emitiu, ao mesmo tempo, um aviso destinado aos fornecedores de serviços musicais on-line para que interrompessem a distribuição não autorizada de obras musicais.
A campanha permitiu avanços significativos nos esforços para combater a pirataria on-line, mas a evolução para a música digital licenciada consolidou o poder nas mãos das plataformas de streaming e das empresas de música. Por esse motivo, em 2017, a NCAC fez um apelo para que grandes empresas de música nacionais e internacionais, incluindo Universal Music Group, Warner Music Group e Sony Music, garantissem que os regimes de licenciamento de música fossem justos, e desaconselhou o licenciamento exclusivo dos direitos de autor.
Dinâmica de mercado em um mundo digital
Por outro lado, o esforço para regulamentar o licenciamento exclusivo dos direitos de autor na música fortaleceu, de maneira inadvertida, a dominação das plataformas relacionadas com música. Os músicos muitas vezes transferiam seus direitos para as gravadoras, que então negociavam contratos de licenciamento com serviços de streaming como o Tencent Music Entertainment (TME), que é a maior empresa de música da China e a detentora de quatro grandes plataformas de streaming: QQ Music, Kugou Music, Kuwo Music e WeSing.
Empresas como a TME não apenas desempenham o papel de empresários e distribuidores de obras musicais, como podem também deter uma participação sobre os direitos de autor. Por exemplo, a TME e seus co-investidores adquiriram uma participação societária de 20% do Universal Music Group em 2020 e 2021, reforçando seu domínio de ativos musicais mundiais. A TME declarou uma receita de 7,02 bilhões de iuanes (aproximadamente US$1 bilhão) no terceiro trimestre de 2024, mas não se sabe que parcela desses lucros foi revertida para os músicos. Vale salientar que em 2021, a Administração do Estado para o Regulamento do Mercado alegadamente multou a TME por violação da lei do país contra a concorrência desleal.
Muitos músicos chineses mantêm-se relevantes por meio de aparições em reality shows e programas de variedade
Outro importante ator da indústria é a Mango TV, que se apoiou em seus programas musicais exclusivos para ampliar sua influência no mercado. Ao contrário da TME, a Mango TV oferece um vasto leque de programas de variedade, filmes e conteúdos de entretenimento. Seus programas musicais, de popularidade crescente, apresentam com frequência os principais artistas chineses, grupos de ídolos e estrelas em ascensão. Seu portfólio inclui nove temporadas de Singer , de 2013 a 2024, Infinity and Beyond e Time Concert. Na China, os fãs de música precisam pagar para ter acesso a esses programas exclusivos da Mango TV. Com o lançamento de Singer 2024, o preço da ação da Mango Super Media, a empresa detentora da Mango TV, aumentou 12%.
A ascensão de novos músicos na China
Antes do sucesso dos reality shows musicais, o mercado de música chinês concentrava-se à volta dos cantores famosos, da mídia tradicional e canais offline, e dos álbuns. A proliferação dos programas musicais conduziu à fama pessoas até então desconhecidas. Mao Buyi, ex-estudante de enfermagem, apareceu na TV pela primeira vez como participante do programa The Coming One , em 2017. Mao Buyi foi venceu a competição e, com isso, atraiu a atenção do país inteiro. Em seguida, gravou músicas originais que se tornaram sucessos imediatos, como “Xiao Chou” e “People Like Me” – esta última foi tocada mais de 10 milhões de vezes nas 24 horas seguintes ao seu lançamento.
Além do lançamento de álbuns tradicionais, muitos músicos chineses mantêm-se relevantes por meio de aparições em reality shows e programas de variedade. Um excelente exemplo disso foi o ressurgimento de um grupo de participantes que fizeram sua primeira aparição no concurso televisivo Happy Boy , em 2007. Em 2022, Chen Chusheng, Wang Zhengliang, Lu Hu, Wang Yuexin, Su Xing e Zhang Yuan se reencontraram em outro reality show, Welcome to the Mushroom House, com o nome 0713, que fazia referência às classificações que obtiveram no concurso de 2007, quando ficaram entre os 13 melhores. A amizade entre eles, o humor e o carisma atraíram grandes públicos, o que os levou a atuar no programa de variedades da Mango TV chamado Go for Happiness . Surfando na onda dessa popularidade renovada, o 0713 lançou músicas novas, atraindo os fãs nostálgicos, mas também um público novo. O sucesso do grupo levou-o a novas participações em reality shows, campanhas de endosso de marca e turnês, fazendo deles um caso de volta notável na recente história da indústria da música chinesa.
Perspectivas futuras
Em novembro de 2024, a Oitava Conferência Nacional sobre a Proteção e o Desenvolvimento do Direito de Autor no Ambiente Digital, que ocorreu em Guiyang, abordou as preocupações emergentes na área do direito de autor, inclusive o impacto da IA. A conferência concluiu-se por um apelo pelo desenvolvimento de uma indústria da música digital de alta qualidade. Durante o evento, a Associação de Editoras Audiovisuais e Digitais da China (CADPA), a Sociedade do Direito de Autor da China (CSC), empresas, plataformas de música digital e músicos independentes lançaram, numa ação conjunta, a Convenção Autodisciplinar da Indústria para a Concorrência Leal no Mercado dos Direitos de Autor da Música Digital. Essa iniciativa reforça o compromisso de manter uma concorrência leal no mercado da música digital, evitar contratos de licenciamento de direitos de autor exclusivos, estabelecer taxas de licenciamento de direitos de autor justas e melhorar as operações das OGC.
O crescimento e a prosperidade do mercado de música chinês não dependem unicamente da produção criativa dos músicos, mas também de fatores como o papel dos serviços de streaming, a influência das plataformas de TV e um trabalho contínuo para atualizar os regulamentos da indústria. Será crucial para todos o desenvolvimento de um regime mais justo para os músicos e de um ambiente de maior cooperação entre as empresas interessadas e as OGC.
Sobre a autora
A Dra. Qinqing Xu é professora adjunta de direito da propriedade intelectual na Universidade de Manchester, Reino Unido. Seus interesses de pesquisa concentram-se em torno do direito de autor, incluindo a gestão coletiva das obras musicais, e abrangem um vasto leque de outros assuntos, como a PI e os videogames. Sua monografia, Collective Management of Music Copyright: A Comparative Analysis of China, the United States and Australia(A Gestão Coletiva dos Direitos de Autor Musicais: Uma Análise Comparativa de China, Estados Unidos e Austrália), foi publicada em 2023.