Getty Images/konglinguang

A proteção dos direitos de autor na indústria da música na China

  Qinqing Xu, Professora de Direito da Propriedade Intelectual, Universidade de Manchester

24 de Abril de 2025

Partilhar

Desde 1991, a China vem dando grandes passos em matéria de proteção dos direitos de autor musicais. Em um mundo em que a digitalização e a IA ocupam cada vez mais espaço, como plataformas, OGC e novos regulamentos estão moldando o futuro da indústria?

O mercado da música na China, em franca expansão, ocupa a quinta posição entre os 10 maiores do mundo. Como Estado membro da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), a China, nas últimas décadas, tem-se empenhado com afinco para proteger os direitos de autor musicais. Foi em 1991 que entrou em vigor a primeira lei do direito de autor do país, e desde então, os regulamentos são atualizados constantemente.

As mudanças contínuas na indústria da música seguem apresentando desafios. Assim como outras jurisdições, entre as quais o Reino Unido e a União Europeia, a China enfrenta o problema da baixa remuneração para os criadores de música, juntamente com outras questões advindas da digitalização e da inteligência artificial (IA). Além disso, o mercado chinês tem também seus próprios desafios.

A Sociedade dos Direitos de Autor Musicais da China (MCSC) é uma organização de gestão coletiva para obras musicais da China continental. Fundada em 1992, a MCSC tinha 14.064 associados no momento da redação deste artigo, um número baixo quando se tem em conta a dimensão do mercado da música no país. A natureza operacional da Sociedade e a questão do envolvimento dos artistas são detalhadamente examinados em uma recente análise comparativa da gestão dos direitos de autor musicais em China, Austrália e Estados Unidos.

Atualmente, as agências administrativas que tratam dos direitos de autor na China estão atuando em conjunto para abordar os desafios do mercado da música moderno.

Histórico da regulamentação e planos governamentais

A Lei do Direito de Autor foi alterada três vezes: em 2001, 2010 e 2020. Em 2021, o governo lançou também o Esquema para a Construção de uma Potente Nação de Propriedade Intelectual, no qual apresentou suas metas para a proteção da propriedade intelectual (PI), inclusive o direito de autor, até 2035.  A Administração Nacional do Direito de Autor da República Popular da China (NCAC) planeja lançar seu plano de cinco anos sobre o direito de autor em 2026. Em 2023, algumas questões relacionadas com a gestão coletiva foram debatidas na nona Expo Internacional dos Direitos de Autor da China.

A evolução para a música digital licenciada consolidou o poder nas mãos das plataformas de streaming e das empresas de música

Em 2005, com o florescer do mercado da música digital, a NCAC juntou-se à Administração do Ciberespaço da China, ao Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação e ao Ministério da Segurança Pública, para lançar a campanha “Jianwang” (Rede de Espadas) , visando combater a violação dos direitos de autor e a pirataria on-line. Emitiu, ao mesmo tempo, um aviso destinado aos fornecedores de serviços musicais on-line para que interrompessem a distribuição não autorizada de obras musicais.

A campanha permitiu avanços significativos nos esforços para combater a pirataria on-line, mas a evolução para a música digital licenciada consolidou o poder nas mãos das plataformas de streaming e das empresas de música. Por esse motivo, em 2017, a NCAC fez um apelo para que grandes empresas de música nacionais e internacionais, incluindo Universal Music Group, Warner Music Group e Sony Music, garantissem que os regimes de licenciamento de música fossem justos, e desaconselhou o licenciamento exclusivo dos direitos de autor.

Fotografia da escultura Fearless Girl em frente ao prédio da Bolsa de Valores de Nova York, no dia 12 de dezembro de 2018, com uma grande baixa da Tencent Music Entertainment exibida para marcar o primeiro dia de cotação da empresa. O prédio está decorado de grinaldas natalinas e bandeiras americanas.
Alamy Stock Photo/Richard Levine
A Tencent Music Entertainment comemora sua entrada na Bolsa de Valores de Nova York em 12 de dezembro de 2018.

Dinâmica de mercado em um mundo digital

Por outro lado, o esforço para regulamentar o licenciamento exclusivo dos direitos de autor na música fortaleceu, de maneira inadvertida, a dominação das plataformas relacionadas com música. Os músicos muitas vezes transferiam seus direitos para as gravadoras, que então negociavam contratos de licenciamento com serviços de streaming como o Tencent Music Entertainment (TME), que é a maior empresa de música da China e a detentora de quatro grandes plataformas de streaming: QQ Music, Kugou Music, Kuwo Music e WeSing.

Empresas como a TME não apenas desempenham o papel de empresários e distribuidores de obras musicais, como podem também deter uma participação sobre os direitos de autor. Por exemplo, a TME e seus co-investidores adquiriram uma participação societária de 20% do Universal Music Group em 2020 e 2021, reforçando seu domínio de ativos musicais mundiais. A TME declarou uma receita de 7,02 bilhões de iuanes (aproximadamente US$1 bilhão) no terceiro trimestre de 2024, mas não se sabe que parcela desses lucros foi revertida para os músicos. Vale salientar que em 2021, a Administração do Estado para o Regulamento do Mercado alegadamente multou a TME por violação da lei do país contra a concorrência desleal.

Muitos músicos chineses mantêm-se relevantes por meio de aparições em reality shows e programas de variedade

Outro importante ator da indústria é a Mango TV, que se apoiou em seus programas musicais exclusivos para ampliar sua influência no mercado. Ao contrário da TME, a Mango TV oferece um vasto leque de programas de variedade, filmes e conteúdos de entretenimento. Seus programas musicais, de popularidade crescente, apresentam com frequência os principais artistas chineses, grupos de ídolos e estrelas em ascensão. Seu portfólio inclui nove temporadas de Singer , de 2013 a 2024, Infinity and Beyond e Time Concert. Na China, os fãs de música precisam pagar para ter acesso a esses programas exclusivos da Mango TV. Com o lançamento de Singer 2024, o preço da ação da Mango Super Media, a empresa detentora da Mango TV, aumentou 12%.

A ascensão de novos músicos na China

Antes do sucesso dos reality shows musicais, o mercado de música chinês concentrava-se à volta dos cantores famosos, da mídia tradicional e canais offline, e dos álbuns. A proliferação dos programas musicais conduziu à fama pessoas até então desconhecidas. Mao Buyi, ex-estudante de enfermagem, apareceu na TV pela primeira vez como participante do programa The Coming One , em 2017. Mao Buyi foi venceu a competição e, com isso, atraiu a atenção do país inteiro. Em seguida, gravou músicas originais que se tornaram sucessos imediatos, como “Xiao Chou” e “People Like Me” – esta última foi tocada mais de 10 milhões de vezes nas 24 horas seguintes ao seu lançamento.

Além do lançamento de álbuns tradicionais, muitos músicos chineses mantêm-se relevantes por meio de aparições em reality shows e programas de variedade. Um excelente exemplo disso foi o ressurgimento de um grupo de participantes que fizeram sua primeira aparição no concurso televisivo Happy Boy , em 2007. Em 2022, Chen Chusheng, Wang Zhengliang, Lu Hu, Wang Yuexin, Su Xing e Zhang Yuan se reencontraram em outro reality show, Welcome to the Mushroom House, com o nome 0713, que fazia referência às classificações que obtiveram no concurso de 2007, quando ficaram entre os 13 melhores. A amizade entre eles, o humor e o carisma atraíram grandes públicos, o que os levou a atuar no programa de variedades da Mango TV chamado Go for Happiness . Surfando na onda dessa popularidade renovada, o 0713 lançou músicas novas, atraindo os fãs nostálgicos, mas também um público novo. O sucesso do grupo levou-o a novas participações em reality shows, campanhas de endosso de marca e turnês, fazendo deles um caso de volta notável na recente história da indústria da música chinesa.

Perspectivas futuras

Em novembro de 2024, a Oitava Conferência Nacional sobre a Proteção e o Desenvolvimento do Direito de Autor no Ambiente Digital, que ocorreu em Guiyang, abordou as preocupações emergentes na área do direito de autor, inclusive o impacto da IA. A conferência concluiu-se por um apelo pelo desenvolvimento de uma indústria da música digital de alta qualidade. Durante o evento, a Associação de Editoras Audiovisuais e Digitais da China (CADPA), a Sociedade do Direito de Autor da China (CSC), empresas, plataformas de música digital e músicos independentes lançaram, numa ação conjunta, a Convenção Autodisciplinar da Indústria para a Concorrência Leal no Mercado dos Direitos de Autor da Música Digital. Essa iniciativa reforça o compromisso de manter uma concorrência leal no mercado da música digital, evitar contratos de licenciamento de direitos de autor exclusivos, estabelecer taxas de licenciamento de direitos de autor justas e melhorar as operações das OGC.

O crescimento e a prosperidade do mercado de música chinês não dependem unicamente da produção criativa dos músicos, mas também de fatores como o papel dos serviços de streaming, a influência das plataformas de TV e um trabalho contínuo para atualizar os regulamentos da indústria. Será crucial para todos o desenvolvimento de um regime mais justo para os músicos e de um ambiente de maior cooperação entre as empresas interessadas e as OGC.

Sobre a autora

A Dra. Qinqing Xu é professora adjunta de direito da propriedade intelectual na Universidade de Manchester, Reino Unido. Seus interesses de pesquisa concentram-se em torno do direito de autor, incluindo a gestão coletiva das obras musicais, e abrangem um vasto leque de outros assuntos, como a PI e os videogames. Sua monografia, Collective Management of Music Copyright: A Comparative Analysis of China, the United States and Australia(A Gestão Coletiva dos Direitos de Autor Musicais: Uma Análise Comparativa de China, Estados Unidos e Austrália), foi publicada em 2023.