RECURSO
ESPECIAL Nº 1.610.728 - RS (2016/0171099-9)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE
SERTÃO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SANTIAGO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE
PASSO FUNDO
RECORRENTE
: FEDERACAO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA NO RIO GRANDE DO SUL
ADVOGADOS
: DENIS BORGES BARBOSA E OUTRO(S) - RJ023865
NERI PERIN E OUTRO(S) - RS025883
JANE LÚCIA WILHELM BERWANGER -
RS046917 RAUL MURAD RIBEIRO DE CASTRO - RJ162384 LIVIA BARBOZA MAIA E OUTRO(S)
- RJ182505 FERNANDA FERNANDES DA SILVA - RJ195640
RECORRIDO
: MONSANTO CO
ADVOGADOS
: GOMERCINDO LINS COITINHO E OUTRO(S) - RS002743 ROBERTO FERREIRA ROSAS E
OUTRO(S) - DF000848 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ
HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759
RECORRIDO
: MONSANTO DO BRASIL LTDA
ADVOGADOS
: ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848
MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E
OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759 CARINE PIGATTO
TERMIGNONI - RS048110
IVO GABRIEL CORRÊA DA CUNHA E
OUTRO(S) - RS003999 RAMIRO CORRÊA DA CUNHA - RS062264
BIBIANA DA SILVA OLIVEIRA BOTTIN
CAYE - RS078887
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE GIRUÁ ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE ARVOREZINHA ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE JATAÍ
ADVOGADO
: JOÃO RAFAEL DAL MOLIM E OUTRO(S) - RS050489 INTERES. : ASSOCIAÇÃO DOS
AGRICULTORES DE DOM PEDRITO ADVOGADO : ANDERSON RICARDO LEVANDOWSKI BELLOLI -
RS081110
INTERES.
: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS - ABRASEM ADVOGADOS : DANIEL
USTÁRROZ E OUTRO(S) - RS051548
ANTONIO JANYR DALL AGNOL JUNIOR
E OUTRO(S) - RS005693 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - DF022224
INTERES.
: AGROBIO - ASSOCIAÇÃO DE EMP BIOTECNOLOGIA AGRICULTURA AGROINDÚSTRIA
ADVOGADOS
: ADMA PEDRO DIAMENTI - SP329928
PATRICIA FUKUMA JANNINI E
OUTRO(S) - SP107635
FLAVIA DANIELA TOLEDO ANTONANZAS
- SP273821
INTERES.
: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MUTUÁRIOS E CONSUMIDORES - ABMC
ADVOGADO
: ROBERTO SOLIGO - MS002464
INTERES.
: INSTITUTO BRASILEIRO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL ADVOGADOS : NEWTON SILVEIRA E
OUTRO(S) - SP015842
WILSON SILVEIRA E OUTRO(S) -
SP024798
INTERES.
: ABPI ASSOCIACAO BRASILEIRA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL - "AMICUS
CURIAE"
ADVOGADOS
: LUIZ EDGARD MONTAURY PIMENTA - RJ046214
RODRIGO
AFFONSO DE OURO PRETO SANTOS - RJ079659 INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL
EMENTA
INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE
COMPETÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INTELECTUAL. AÇÃO COLETIVA. SOJA ROUNDUP READY. TRANSGENIA. LEI DE PROPRIEDADE
INDUSTRIAL. LEI DE PROTEÇÃO DE CULTIVARES. ART. 10. INOPONIBILIDADE AO TITULAR
DE PROTEÇÃO PATENTÁRIA. DUPLA PROTEÇÃO. INOCORRÊNCIA. SISTEMAS PROTETIVOS
DISTINTOS. PRINCÍPIO DA EXAUSTÃO. CIRCUNSTÂNCIA ESPECÍFICA QUE FOGE À REGRA
GERAL. PREVISÃO LEGAL EXPRESSA.
1.
O
propósito recursal é definir se produtores de soja podem, sem que haja violação
dos direitos de propriedade intelectual das recorridas, reservar livremente o
produto da soja transgênica Roundup Ready
(soja RR) para replantio em seus campos de cultivo, vender a produção desse
cultivo como alimento ou matéria-prima e, com relação apenas a pequenos
produtores, doar a outros pequenos produtores rurais ou com eles trocar as
sementes reservadas.
2.
A
Lei de Propriedade Industrial – em consonância com as diretrizes traçadas no
plano internacional e na esteira do dever imposto pela norma do art. 5º, XXIX,
da Constituição de 1988 – autoriza o patenteamento de micro-organismos
transgênicos, a fim de garantir, ao autor do invento, privilégio temporário para
sua utilização.
3.
Patentes
e proteção de cultivares são diferentes espécies de direitos de propriedade
intelectual, que objetivam proteger bens intangíveis distintos. Não há
incompatibilidade entre os estatutos legais que os disciplinam, tampouco
prevalência de um sobre o outro, pois se trata de regimes jurídicos diversos e
complementares, em cujos sistemas normativos inexistem proposições
contraditórias a qualificar uma mesma conduta.
4.
A
marcante distinção existente entre o regime da LPI e o da LPC compreende, dente
outros, o objeto protegido, o alcance da proteção, as exceções e limitações
oponíveis aos titulares dos respectivos direitos, os requisitos necessários à
outorga da tutela jurídica, o órgão responsável pela análise e emissão do
título protetivo e o prazo de duração do privilégio.
5.
O
âmbito de proteção a que está submetida a tecnologia desenvolvida pelas
recorridas não se confunde com o objeto da proteção prevista na Lei de
Cultivares: as patentes não protegem a variedade vegetal, mas o processo de
inserção e o próprio gene por elas inoculado nas sementes de soja RR. A
proteção da propriedade intelectual na forma de cultivares abrange o material
de reprodução ou multiplicação vegetativa da planta inteira, enquanto o sistema
de patentes protege, especificamente, o processo inventivo ou o material
geneticamente modificado.
6.
Ainda
que a LPI veicule o princípio da exaustão como norma geral aplicável a produtos
patenteados, há de se destacar que seu art. 43, VI, parte final, prevê
expressamente que não haverá exaustão na hipótese de tais produtos serem
utilizados para “multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em
causa”.
7.
A
toda evidência, a opção legislativa foi a de deixar claro que a exaustão,
quando se cuida de patentes relacionadas à matéria viva, atinge apenas a
circulação daqueles produtos que possam ser enquadrados na categoria de matéria
viva não reprodutível, circunstância que não coincide com o objeto da pretensão
dos recorrentes.
8.
Diante
disso, a tese firmada, para efeito do art. 947 do CPC/15, é a seguinte: as limitações ao direito de propriedade
intelectual constantes do art. 10 da Lei 9.456/97 – aplicáveis tão somente aos
titulares de Certificados de Proteção de Cultivares – não são oponíveis aos
detentores de patentes de produto e/ou processo relacionados à transgenia cuja
tecnologia esteja presente no material reprodutivo de variedades vegetais.
RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos
estes autos, acordam os Ministros do Superior Tribunal de Justiça, na
conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos,
prosseguindo o julgamento, após o voto-vista antecipado do Sr. Ministro Marco
Buzzi acompanhando a Sra. Ministra Relatora, a Seção, por unanimidade, negou
provimento ao recurso especial , nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Para os efeitos do art. 947 do
CPC/15, foi firmada a seguinte tese: as limitações ao direito de propriedade
intelectual constantes do art. 10 da Lei 9.456/97 – aplicáveis tão somente aos
titulares de Certificados de Proteção de Cultivares – não são oponíveis aos
detentores de patentes de produto e/ou processo relacionados à transgenia cuja
tecnologia esteja presente no material reprodutivo de variedades vegetais. Os
Srs. Ministros Marco Buzzi (voto-vista), Luis Felipe Salomão, Raul Araújo,
Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva, Marco
Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Presidiu
o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
Brasília (DF), 09 de outubro de
2019(Data do Julgamento).
MINISTRO PAULO DE TARSO
SANSEVERINO
Presidente
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
RECURSO ESPECIAL Nº 1.610.728 - RS
(2016/0171099-9) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SERTÃO
RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SANTIAGO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE PASSO
FUNDO
RECORRENTE
: FEDERACAO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA NO RIO GRANDE DO SUL
ADVOGADOS
: DENIS BORGES BARBOSA E OUTRO(S) - RJ023865
NERI PERIN E OUTRO(S) - RS025883
JANE LÚCIA WILHELM BERWANGER -
RS046917 RAUL MURAD RIBEIRO DE CASTRO - RJ162384 LIVIA BARBOZA MAIA E OUTRO(S)
- RJ182505 FERNANDA FERNANDES DA SILVA - RJ195640
RECORRIDO
: MONSANTO CO
ADVOGADOS
: GOMERCINDO LINS COITINHO E OUTRO(S) - RS002743 ROBERTO FERREIRA ROSAS E
OUTRO(S) - DF000848 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ
HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759
RECORRIDO
: MONSANTO DO BRASIL LTDA
ADVOGADOS
: ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848
MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E
OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759 CARINE PIGATTO
TERMIGNONI - RS048110
IVO GABRIEL CORRÊA DA CUNHA E
OUTRO(S) - RS003999 RAMIRO CORRÊA DA CUNHA - RS062264
BIBIANA DA SILVA OLIVEIRA BOTTIN
CAYE - RS078887
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE GIRUÁ ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE ARVOREZINHA ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE JATAÍ
ADVOGADO
: JOÃO RAFAEL DAL MOLIM E OUTRO(S) - RS050489 INTERES. : ASSOCIAÇÃO DOS AGRICULTORES
DE DOM PEDRITO ADVOGADO : ANDERSON RICARDO LEVANDOWSKI BELLOLI - RS081110
INTERES.
: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS - ABRASEM ADVOGADOS : DANIEL
USTÁRROZ E OUTRO(S) - RS051548
ANTONIO JANYR DALL AGNOL JUNIOR
E OUTRO(S) - RS005693 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - DF022224
INTERES.
: AGROBIO - ASSOCIAÇÃO DE EMP BIOTECNOLOGIA AGRICULTURA AGROINDÚSTRIA
ADVOGADOS
: ADMA PEDRO DIAMENTI - SP329928
PATRICIA FUKUMA JANNINI E
OUTRO(S) - SP107635 FLAVIA DANIELA TOLEDO ANTONANZAS - SP273821
INTERES.
: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MUTUÁRIOS E CONSUMIDORES - ABMC
ADVOGADO
: ROBERTO SOLIGO - MS002464
INTERES.
: INSTITUTO BRASILEIRO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL ADVOGADOS : NEWTON SILVEIRA E
OUTRO(S) - SP015842
WILSON SILVEIRA E OUTRO(S) -
SP024798
INTERES.
: ABPI ASSOCIACAO BRASILEIRA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL - "AMICUS
CURIAE"
ADVOGADOS
: LUIZ EDGARD MONTAURY PIMENTA - RJ046214
RODRIGO
AFFONSO DE OURO PRETO SANTOS - RJ079659 INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL
RELATÓRIO
A
EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto
por SINDICATO RURAL DE PASSO FUNDO e OUTROS, com fundamento na alínea “a” do
permissivo constitucional.
Ação:
coletiva, ajuizada pelos sindicatos recorrentes
em face de MONSANTO DO BRASIL LTDA e MONSANTO TECHNOLOGY LLC, com o objetivo de
ver reconhecidos os direitos dos sojicultores brasileiros, sem pagamento de royalties, taxa tecnológica ou
indenização, de reservar sementes transgênicas da soja Roundup Ready (soja RR) para replantio, de vender a produção como
alimento ou como matéria-prima e, quanto aos pequenos produtores rurais, de
doar ou trocar as sementes reservadas.
Sentença:
julgou parcialmente procedentes os pedidos,
para declarar o direito dos sojicultores brasileiros de: (i) “reservar o produto cultivares de soja transgênica, para
replantio em seus campos de cultivo e o direito de vender essa produção como
alimento ou matéria-prima, sem nada mais pagar a título de royalties, taxa tecnológica ou indenização, nos termos do art. 10,
incisos I e II, da Lei nº 9.456/97, a contar do dia 01.09.2010”; (ii) “doar ou trocar sementes reservadas
a outros pequenos produtores rurais, nos termos do art. 10, inciso IV, § 3º e
incisos, da Lei nº 9.456/97, a contar do dia 01.09.2010”. Condenou as
recorridas a: (i) se absterem “de
cobrar royalties, taxa tecnológica ou
indenização, sobre a comercialização da produção da soja transgênica produzida
no Brasil, a contar da safra 2003/2004”; (ii)
devolverem “os valores cobrados sobre a produção da soja transgênica a
partir da safra 2003/2004, corrigida pelo IGPM e acrescida de juros de 1% ao
mês, a contar da safra 2033/2004, tudo a ser apurado em liquidação de
sentença”. Concedeu, ainda, medida liminar de ofício para “determinar a
imediata suspensão na cobrança de royalties,
taxa tecnológica ou indenização, sobre a comercialização da produção da soja
transgênica produzida no Brasil, sob pena de multa diára no valor de
1.000.000,00 (um milhão de reais)”. (e-STJ 3.367/3.416).
Embargos
de declaração: opostos pelos recorrentes, foram acolhidos
apenas para corrigir erro material relativo à safra mencionada no dispositivo
(safra 2003/2004 e não safra 2033/2004) e para alterar o valor devido a título
de honorários advocatícios.
Acórdão:
desacolheu os agravos retidos, afastou as
preliminares e, por maioria, deu provimento à apelação interposta pelas
recorridas, para julgar improcedentes os pedidos deduzidos na inicial.
Embargos
de declaração: opostos
pelos recorrentes, foram rejeitados.
Embargos infringentes:
opostos pelos recorrentes,
foram rejeitados, nos termos da seguinte ementa:
EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO
COLETIVA. DIREITO À PROPRIEDADE INTELECTUAL. SOJA TRANSGENCIA. LEI DE PATENTES
E LEI DE PROTEÇÃO DE CULTIVARES. PRELIMINARES AFASTADAS.
1.
Ainda
que a Lei de Patentes não permita a proteção decorrente de patentes para o todo
ou partes de seres vivos, houve expressa exclusão desta proibição em relação
aos microorganismos transgênicos (art. 18, inc. III, da Lei de Patentes), justamente
porque resultantes de um produto de intervenção cultural, por meio do invento.
Possível a extensão dos efeitos da propriedade intelectual sobre
microorganismos transgênicos desde que atendam os critérios próprios à situação
jurídica de patenteabilidade - no caso, a novidade, a atividade inventiva e a
aplicabilidade à atividade industrial. Circunstância expressamente reconhecida,
por certificados próprios, em relação ao produto ora discutido em juízo.
2.
Não
há como excluir dos efeitos de proteção desta o produto do objeto de patente,
por força da proteção conferida pelo art. 42 da Lei nº 9.279/96. A doutrina, na
interpretação mais correta da Lei de Patentes, acerca de casos de propriedade
intelectual, esclarece que o art. 42 da Lei 9.279/96, por meio de seus incisos,
protege tanto o produto que é objeto direto da patente, como o processo ou o
produto obtido diretamente pelo processo, caso seja este patenteado.
3.
Descabe
excluir-se o direito de patentes sobre o produto de uma intervenção humana por
técnica de transgenia - e que abranja todas as características próprias à
proteção -, inclusive quando isto ocorra sobre uma cultivar. E isto, porque
ambas as Leis mencionadas são omissas na hipótese de sobreposição de situações.
Quando uma variedade é desenvolvida pela técnica da transgenia - podendo,
portanto, receber a proteção da Lei de Patentes – e sofre, posteriormente, uma
melhora por via biológica, recebendo o certificado de cultivares, em tese,
tem-se situação de duplicidade de proteção, algo que estaria vedado pelas
disposições da UPOV referente à Convenção de 1978. Tal conflito, para a
doutrina mais recente, enquanto inexistente uma definição legal especifica,
poderia sofrer solução suficiente por meio do instituto da "patente
dependente", previsto na disciplina da Lei de Patentes.
4.
Não
se trata, portanto, de hipótese de aplicação de lei mais específica para a
resolução do conflito de regras. Aqui, tem-se leis que disciplinam objetos de
tutela diversos. A própria Exposição de Motivos da cartilha elaborada à Lei nº
9.456/97 deixa clara tal situação quando justifica a criação da Lei de Proteção
de Cultivares como 'mecanismo distinto de proteção à propriedade
intelectual."
5.
Não
há como fazer subsistir o argumento de que o licenciamento concedido para a
pesquisa sobre o produto e para o desenvolvimento de técnica de aperfeiçoamento
afaste o direito originário sobre patentes. O que pode é o titular de patente
celebrar contrato de licença para exploração e investir o licenciado nos
poderes para agir em defesa da patente (art. 61 da Lei de Patentes). Tal não
afasta os direitos de exercício desta titularidade, seja pelo proprietário do
invento, seja pelo licenciado, ressalvada apenas a hipótese de análise do
aperfeiçoamento introduzido em patente licenciada (art. 63 da Lei de Patentes).
6.
O
debate proposto é referente ao produto da soja transgênica, para a qual é
identificada a situação de proteção específica e comprovada - ao menos até
31.08.2010 - por meio de carta de patente. Não há, portanto, como se pretender
a aplicação de disposições normativas da Lei de Proteção de Cultivares para o
caso em comento, na medida em que diversa é a proteção jurídica identificada.
7.
Reconhece-se
causa legítima à cobrança - a descaracterizar hipótese de ilicitude para os
fins do art. 187 do CC brasileiro -, por força de aplicação da Lei de Patentes
na hipótese, não afastada a cobrança por situação diversa de proteção do
produto pela Lei de Cultivares, como na hipótese das exceções do art. 10 da Lei
referida.
8.
Com
relação ao percentual de royalties estabelecido, a desproporção é apontada
ainda na inicial, por meio de pedido alternativo no sentido de que "seja
judicialmente estabelecido percentual não abusivo para adequadamente indenizar
as demandadas, em índices que variam entre 0,06% a 0,10% sobre o valor da soja
transgênica comercializada, preferindo o menor índice pelas razões
anotadas" (fl. 31 dos autos). Nesse ponto, há que se observar os limites
estabelecidos em Lei e mesmo a partir de acordos mais amplos, realizados entre os
envolvidos, por meio de suas entidades representativas. Não há que se falar em
abusividade quando negociados entre entidades representantes de ambas as partes
royalties em percentual (2%) proporcional à prática de mercado internacional,
sem que demonstrada efetiva abusividade de cobrança.
Rejeitadas as preliminares, à
unanimidade. EMBARGOS DESACOLHIDOS POR MAIORIA.
Embargos
de declaração: opostos pelos recorrentes, foram acolhidos
em parte, apenas para afastar a condenação em honorários, ante a ausência de má-fé
dos autores no ajuizamento da ação coletiva.
Recurso
especial: aponta, além de divergência
jurisprudencial, violação dos arts. 2º, 7º e 10 da Lei 9.456/97 (Lei de
Proteção de Cultivares); do art. 2.1 da UPOV/78 (União para a Proteção das
Obtenções Vegetais), promulgado pelo Decreto 3.109/99; e dos arts. 18, III,
parágrafo único, e 42 da Lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial). Entende
que as recorridas não podem cobrar royalties
por condutas que são explicitamente qualificadas pelo ordenamento jurídico
como de uso livre, ressaltando que a única forma de obstar tal liberdade de
utilização seria mediante eventual autorização contida na Lei de Proteção de
Cultivares, uma vez que há vedação legal à dupla proteção. Defende que a
existência de patentes produziria efeitos apenas num primeiro momento, para
impedir que terceiros reproduzam o processo de transgenia e para fundamentar a
cobrança de royalties para a venda da
primeira semente. Posteriormente, seria aplicado o regime da LPC. Argumenta que
a Lei de Propriedade Industrial, sendo lei anterior e geral, não pode suplantar
a Lei de Proteção de Cultivares, lei posterior e especial. Aponta que há
barreiras que impedem a aplicação do artigo 42, II, da LPI, como a vedação para
o patenteamento de produtos vivos, estabelecida no art. 18, III, da mesma lei.
Ressalta que, de acordo com as Diretrizes de Exame de Patente do INPI, nem a
semente transgênica e nem o gene se qualificam juridicamente como
microrganismo. Alega que as recorridas buscam a reiteração da cobrança de royalties para produtos em relação aos
quais já ocorreu a exaustão dos direitos de propriedade industrial. Cita
julgado de Corte argentina que também reconhece a impossibilidade de cumulação
das tutelas de patente com cultivar, enfatizando o caráter internacionalizado
do direito da propriedade intelectual, que tem por resultado uma aproximação
das legislações nacionais quanto ao tema.
Juízo
de admissibilidade: O
Tribunal de origem admitiu o recurso
especial.
Redistribuição:
os autos foram inicialmente
distribuídos ao
eminente Min. Marco Buzzi, que declinou
da competência, determinando a redistribuição a um dos Ministros integrantes da
Terceira Turma.
Os recorrentes interpuseram agravo
regimental quanto à determinação de livre distribuição na Terceira Turma, o
qual não foi conhecido.
Incidente
de assunção de competência: a Segunda Seção
admitiu o incidente de assunção de competência, destacando o seguinte tema:
"definir se é possível conferir proteção simultânea - pelos institutos da
patente de invenção (Lei 9.279/96) e da proteção de cultivares (Lei 9.456/97) -
a sementes de soja Roundup Ready,
obtidas mediante a técnica da transgenia, e, como corolário, se é ou não
facultado aos produtores rurais o direito de reservar o produto de seu cultivo
para replantio e comercialização como alimento ou matéria prima, bem como o
direito de pequenos agricultores de doar ou trocar sementes reservadas no
contexto de programas oficiais específicos” (e-STJ 5.900/5.918).
Parecer
do Ministério Público Federal: pelo provimento do recurso especial (e-STJ fls. 6005/6016).
Pareceres:
foram apresentados pareceres elaborados por
Paulo Brossard de Souza Pinto (e-STJ fls. 1213/1232), Célio Borja (e-STJ fls.
1234/1254), Ruy Rosado de Aguiar Júnior (e-STJ fls. 3136/3180), Denis Borges
Barbosa (e-STJ fls. 4646/4685), Charlene de Ávila (e-STJ fls. 4744/4846),
Patricia Carvalho da Rocha Porto (e-STJ fls. 4846/4936), Maria Margarida
Rodrigues Mittlebach (e-STJ fls. 5025/5057).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.610.728 - RS
(2016/0171099-9) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SERTÃO
RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SANTIAGO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE PASSO
FUNDO
RECORRENTE
: FEDERACAO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA NO RIO GRANDE DO SUL
ADVOGADOS
: DENIS BORGES BARBOSA E OUTRO(S) - RJ023865
NERI PERIN E OUTRO(S) - RS025883
JANE LÚCIA WILHELM BERWANGER -
RS046917 RAUL MURAD RIBEIRO DE CASTRO - RJ162384 LIVIA BARBOZA MAIA E OUTRO(S)
- RJ182505 FERNANDA FERNANDES DA SILVA - RJ195640
RECORRIDO
: MONSANTO CO
ADVOGADOS
: GOMERCINDO LINS COITINHO E OUTRO(S) - RS002743 ROBERTO FERREIRA ROSAS E
OUTRO(S) - DF000848 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ
HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759
RECORRIDO
: MONSANTO DO BRASIL LTDA
ADVOGADOS
: ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848
MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E
OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759 CARINE PIGATTO
TERMIGNONI - RS048110
IVO GABRIEL CORRÊA DA CUNHA E
OUTRO(S) - RS003999 RAMIRO CORRÊA DA CUNHA - RS062264
BIBIANA DA SILVA OLIVEIRA BOTTIN
CAYE - RS078887
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE GIRUÁ ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE ARVOREZINHA ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE JATAÍ
ADVOGADO
: JOÃO RAFAEL DAL MOLIM E OUTRO(S) - RS050489 INTERES. : ASSOCIAÇÃO DOS
AGRICULTORES DE DOM PEDRITO ADVOGADO : ANDERSON RICARDO LEVANDOWSKI BELLOLI -
RS081110
INTERES.
: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS - ABRASEM ADVOGADOS : DANIEL
USTÁRROZ E OUTRO(S) - RS051548
ANTONIO JANYR DALL AGNOL JUNIOR
E OUTRO(S) - RS005693 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - DF022224
INTERES.
: AGROBIO - ASSOCIAÇÃO DE EMP BIOTECNOLOGIA AGRICULTURA AGROINDÚSTRIA
ADVOGADOS
: ADMA PEDRO DIAMENTI - SP329928
PATRICIA FUKUMA JANNINI E
OUTRO(S) - SP107635 FLAVIA DANIELA TOLEDO ANTONANZAS - SP273821
INTERES.
: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MUTUÁRIOS E CONSUMIDORES - ABMC
ADVOGADO
: ROBERTO SOLIGO - MS002464
INTERES.
: INSTITUTO BRASILEIRO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL ADVOGADOS : NEWTON SILVEIRA E
OUTRO(S) - SP015842
WILSON SILVEIRA E OUTRO(S) -
SP024798
INTERES.
: ABPI ASSOCIACAO BRASILEIRA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL - "AMICUS
CURIAE"
ADVOGADOS
: LUIZ EDGARD MONTAURY PIMENTA - RJ046214
RODRIGO
AFFONSO DE OURO PRETO SANTOS - RJ079659 INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL
EMENTA
INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE
COMPETÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INTELECTUAL. AÇÃO COLETIVA. SOJA ROUNDUP READY. TRANSGENIA. LEI DE
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. LEI DE PROTEÇÃO DE CULTIVARES. ART. 10. INOPONIBILIDADE
AO TITULAR DE PROTEÇÃO PATENTÁRIA. DUPLA PROTEÇÃO. INOCORRÊNCIA. SISTEMAS
PROTETIVOS DISTINTOS. PRINCÍPIO DA EXAUSTÃO. CIRCUNSTÂNCIA ESPECÍFICA QUE FOGE
À REGRA GERAL. PREVISÃO LEGAL EXPRESSA.
1.
O
propósito recursal é definir se produtores de soja podem, sem que haja violação
dos direitos de propriedade intelectual das recorridas, reservar livremente o
produto da soja transgênica Roundup Ready
(soja RR) para replantio em seus campos de cultivo, vender a produção desse
cultivo como alimento ou matéria-prima e, com relação apenas a pequenos
produtores, doar a outros pequenos produtores rurais ou com eles trocar as
sementes reservadas.
2.
A
Lei de Propriedade Industrial – em consonância com as diretrizes traçadas no plano
internacional e na esteira do dever imposto pela norma do art. 5º, XXIX, da
Constituição de 1988 – autoriza o patenteamento de micro-organismos
transgênicos, a fim de garantir, ao autor do invento, privilégio temporário
para sua utilização.
3.
Patentes
e proteção de cultivares são diferentes espécies de direitos de propriedade
intelectual, que objetivam proteger bens intangíveis distintos. Não há
incompatibilidade entre os estatutos legais que os disciplinam, tampouco
prevalência de um sobre o outro, pois se trata de regimes jurídicos diversos e
complementares, em cujos sistemas normativos inexistem proposições
contraditórias a qualificar uma mesma conduta.
4.
A
marcante distinção existente entre o regime da LPI e o da LPC compreende, dente
outros, o objeto protegido, o alcance da proteção, as exceções e limitações
oponíveis aos titulares dos respectivos direitos, os requisitos necessários à
outorga da tutela jurídica, o órgão responsável pela análise e emissão do
título protetivo e o prazo de duração do privilégio.
5.
O
âmbito de proteção a que está submetida a tecnologia desenvolvida pelas
recorridas não se confunde com o objeto da proteção prevista na Lei de
Cultivares: as patentes não protegem a variedade vegetal, mas o processo de
inserção e o próprio gene por elas inoculado nas sementes de soja RR. A
proteção da propriedade intelectual na forma de cultivares abrange o material
de reprodução ou multiplicação vegetativa da planta inteira, enquanto o sistema
de patentes protege, especificamente, o processo inventivo ou o material
geneticamente modificado.
6.
Ainda
que a LPI veicule o princípio da exaustão como norma geral aplicável a produtos
patenteados, há de se destacar que seu art. 43, VI, parte final, prevê
expressamente que não haverá exaustão na hipótese de tais produtos serem
utilizados para “multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em
causa”.
7.
A
toda evidência, a opção legislativa foi a de deixar claro que a exaustão,
quando se cuida de patentes relacionadas à matéria viva, atinge apenas a circulação
daqueles produtos que possam ser enquadrados na categoria de matéria viva não
reprodutível, circunstância que não coincide com o objeto da pretensão dos
recorrentes.
8.
Diante
disso, a tese firmada, para efeito do art. 947 do CPC/15, é a seguinte: as limitações ao direito de propriedade
intelectual constantes do art. 10 da Lei 9.456/97 – aplicáveis tão somente aos
titulares de Certificados de Proteção de Cultivares – não são oponíveis aos
detentores de patentes de produto e/ou processo relacionados à transgenia cuja
tecnologia esteja presente no material reprodutivo de variedades vegetais.
RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.610.728 - RS
(2016/0171099-9) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SERTÃO
RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SANTIAGO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE PASSO
FUNDO
RECORRENTE
: FEDERACAO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA NO RIO GRANDE DO SUL
ADVOGADOS
: DENIS BORGES BARBOSA E OUTRO(S) - RJ023865
NERI PERIN E OUTRO(S) - RS025883
JANE LÚCIA WILHELM BERWANGER -
RS046917 RAUL MURAD RIBEIRO DE CASTRO - RJ162384 LIVIA BARBOZA MAIA E OUTRO(S)
- RJ182505 FERNANDA FERNANDES DA SILVA - RJ195640
RECORRIDO
: MONSANTO CO
ADVOGADOS
: GOMERCINDO LINS COITINHO E OUTRO(S) - RS002743 ROBERTO FERREIRA ROSAS E
OUTRO(S) - DF000848 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ
HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759
RECORRIDO
: MONSANTO DO BRASIL LTDA
ADVOGADOS
: ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848
MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E
OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759 CARINE PIGATTO
TERMIGNONI - RS048110
IVO GABRIEL CORRÊA DA CUNHA E
OUTRO(S) - RS003999 RAMIRO CORRÊA DA CUNHA - RS062264
BIBIANA DA SILVA OLIVEIRA BOTTIN
CAYE - RS078887
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE GIRUÁ ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE ARVOREZINHA ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE JATAÍ
ADVOGADO
: JOÃO RAFAEL DAL MOLIM E OUTRO(S) - RS050489 INTERES. : ASSOCIAÇÃO DOS
AGRICULTORES DE DOM PEDRITO ADVOGADO : ANDERSON RICARDO LEVANDOWSKI BELLOLI -
RS081110
INTERES.
: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS - ABRASEM ADVOGADOS : DANIEL
USTÁRROZ E OUTRO(S) - RS051548
ANTONIO JANYR DALL AGNOL JUNIOR
E OUTRO(S) - RS005693 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - DF022224
INTERES.
: AGROBIO - ASSOCIAÇÃO DE EMP BIOTECNOLOGIA AGRICULTURA AGROINDÚSTRIA
ADVOGADOS
: ADMA PEDRO DIAMENTI - SP329928
PATRICIA FUKUMA JANNINI E
OUTRO(S) - SP107635 FLAVIA DANIELA TOLEDO ANTONANZAS - SP273821
INTERES.
: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MUTUÁRIOS E CONSUMIDORES - ABMC
ADVOGADO
: ROBERTO SOLIGO - MS002464
INTERES.
: INSTITUTO BRASILEIRO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL ADVOGADOS : NEWTON SILVEIRA E
OUTRO(S) - SP015842
WILSON SILVEIRA E OUTRO(S) -
SP024798
INTERES.
: ABPI ASSOCIACAO BRASILEIRA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL - "AMICUS
CURIAE"
ADVOGADOS
: LUIZ EDGARD MONTAURY PIMENTA - RJ046214
RODRIGO
AFFONSO DE OURO PRETO SANTOS - RJ079659 INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL
VOTO
A
EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
O propósito recursal é definir se
produtores de soja podem, sem que haja violação dos direitos de propriedade
intelectual das recorridas, reservar livremente o produto da soja transgênica Roundup Ready (soja RR) para replantio
em seus campos de cultivo, vender a produção desse cultivo como alimento ou
matéria-prima e, com relação apenas a pequenos produtores, doar a outros
pequenos produtores rurais ou com eles trocar as sementes reservadas.
1.
DELIMITAÇÃO DA
CONTROVÉRSIA.
Os recorrentes alegam que a Lei de
Proteção de Cultivares autoriza os agricultores por eles representados a
reservar o produto da soja transgênica Roundup
Ready para replantio em seus campos de cultivo, a vender a produção desse
cultivo como alimento ou matéria-prima e, com relação a pequenos produtores, a
doar a outros pequenos produtores rurais, ou com eles trocar, sementes
reservadas para tal finalidade.
Entendem que a prática dessas condutas
independe do pagamento de qualquer valor a título de royalties, taxas tecnológicas ou indenização, à vista da incidência
do chamado “privilégio do agricultor”.
Assim, os direitos de propriedade
intelectual das recorridas, segundo argumentam, não teriam o alcance
pretendido, pois o ordenamento jurídico confere liberdade à prática das
atividades retro mencionadas.
As recorridas, por sua vez, alegam que a
cobrança desses valores não se fundamenta no direito de proteção de cultivares,
mas, sim, no sistema de patentes, uma vez que são titulares, devidamente
reconhecidas pelo Estado, dos direitos sobre as invenções inseridas na soja Roundup Ready.
As patentes concedidas lhes garantiriam
o direito exclusivo de exploração dessas tecnologias, não havendo que se
cogitar da aplicação do “privilégio do agricultor”, porquanto as limitações aos
direitos de patente, exclusivamente previstas na Lei de Propriedade Industrial,
não abrangeriam as atividades cuja prática é reivindicada pelos recorrentes.
Para o Tribunal de origem, todavia, não
há como se pretender a aplicação de disposições normativas contidas na Lei de
Proteção de Cultivares (Lei 9.456/97) à hipótese concreta, pois o produto da
soja RR está protegido, específica e comprovadamente, por meio de patentes
devidamente expedidas pelo INPI, devendo, assim, ser respeitados os direitos de
seus titulares previstos na lei de regência.
Neste momento, é oportuno consignar que
o prazo de vigência da proteção legal das recorridas (especificamente da
patente n. PI1100008-2) constitui objeto do Recurso Extraordinário 797.449/RJ,
cuja tramitação foi sobrestada pelo e. Relator em razão da controvérsia
instaurada por ocasião do ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
n. 4.234/DF.
Não se pode, portanto, sustentar a
ocorrência de eventual perda do objeto deste recurso.
A corroborar tal conclusão, constata-se
que os recorrentes deduziram, na inicial, pedidos de declaração de nulidade de
valores cobrados a título de royalties e
de repetição de indébito de montante já pago, a revelar que o julgamento da
presente irresignação não está prejudicado.
Todavia, ainda que assim não fosse, os
relevantes efeitos nas esferas jurídica e econômica decorrentes do resultado do
presente julgamento, a revelar o interesse público subjacente, justificam o
enfrentamento das questões de direito que ora se examina.
2.
TUTELA JURÍDICA DA PROPRIEDADE
INTELECTUAL. PATENTES E CULTIVARES: LINHAS GERAIS.
O atual sistema brasileiro de proteção à
propriedade intelectual deriva, em grande parte, de compromissos assumidos pelo
país no plano internacional, sobretudo junto à Organização Mundial do Comércio
(OMC) – mediante a assinatura do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de
Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo TRIPs) –, à União de
Paris para Proteção da Propriedade Industrial (CUP, revisão de 1967) e à União
Internacional para Proteção das Obtenções Vegetais (Convenção UPOV, revisão de
1978).
De se destacar que, tratando
especificamente de patentes, o Brasil se obrigou a proteger os respectivos
titulares conferindo-lhes “os seguintes direitos exclusivos” (Acordo TRIPs,
art. 28, 1):
a)
quando
o objeto da patente for um produto, o de evitar que terceiros sem seu
consentimento produzam usem, coloquem a venda, vendam, ou importem com esses
propósitos aqueles bens;
b)
quando
o objeto da patente for um processo, o de evitar que terceiros sem seu
consentimento usem o processo, usem, coloquem a venda, vendam, ou importem com
esses propósitos pelo menos o produto obtido diretamente por aquele processo.
No plano interno, a Constituição de 1988
estabelece, no título destinado à proteção dos direitos e garantias
fundamentais, que a lei assegurará aos autores de inventos industriais
privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações
industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos
distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico
e econômico do país (art. 5º, XXIX).
O estímulo à formação e ao
fortalecimento da inovação e de ambientes que a promovam, bem como à criação, à
absorção, à difusão e à transferência de tecnologia também constitui dever
imposto ao Estado pela Carta Constitucional (arts. 218 a 219-B).
No que concerne a patentes relacionadas
com matéria viva e à proteção de cultivares, a tutela jurídica conferida pelo
ordenamento pátrio está esquematizada, respectivamente, nas Leis 9.279/96 (Lei
da Propriedade Industrial
– LPI) e 9.456/97 (Lei de Proteção aos
Cultivares – LPC), editadas com base nas premissas delineadas a partir das
diretrizes internacionais contidas nos diplomas antes referidos.
Quanto ao ponto, o art. 27, 1, do Acordo
TRIPs dispõe que “qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os
setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo
inventivo e seja passível de aplicação industrial”, não sendo admitida, quanto
à disponibilidade e à fruição dos direitos patentários, “discriminação quanto
ao local de invenção, quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato de os
bens serem importados ou produzidos localmente”.
Mais adiante, no item 3, 'b', do mesmo
artigo, o Acordo impõe aos membros da OMC que concedam “proteção a variedades
vegetais, seja por meio de patentes, seja por meio de um sistema sui generis eficaz, seja por uma
combinação de ambos”.
A forma escolhida pelo Brasil para
proteção de novas variedades vegetais resultou de intenso debate travado nas
casas legislativas, envolvendo os mais diversos atores sociais.
Como corolário desse debate, ficou
positivada na LPI (art. 18, III) a patenteabilidade de microrganismos
transgênicos, o que permitiu que processos e produtos alimentícios,
farmacêuticos e químicos passassem a ser tutelados por esse diploma legal.
Frise-se que o patenteamento de microrganismos encontrados na natureza e de
outros seres vivos (plantas e animais, no todo ou em parte) é expressamente
vedado pelo próprio dispositivo em questão.
Por outro lado, a proteção da
propriedade intelectual sobre variedades vegetais (cultivares) passou a ser
regulada por lei específica (Lei 9.456/97), que veio a complementar, nesse
aspecto, a LPI, como forma de atender ao compromisso firmado pelo país quando
da assinatura do Acordo TRIPs (art. 27, 3, 'b').
A LPC, vale ressaltar, estabeleceu o que
o Acordo retro citado denominou de sistema protetivo sui generis, mediante o qual a tutela do obtentor de novas
variedades vegetais é levada a efeito de forma distinta daquela prevista no
sistema de patentes.
3.
DO SISTEMA JURÍDICO DE
PROTEÇÃO DE VARIEDADES VEGETAIS E DO PRIVILÉGIO DO AGRICULTOR.
A questão central a ser examinada neste
julgamento consiste em definir se aos recorrentes deve ser assegurado o que
usualmente se denomina de “privilégio do agricultor”.
Trata-se de verdadeira limitação aos
direitos de propriedade intelectual relacionados a variedades vegetais, estes
definidos, como já visto, na Lei de Proteção de Cultivares.
De se gizar que o estabelecimento de um
sistema de proteção aos direitos daqueles que contribuem para a obtenção e o
melhoramento de plantas (obtentor/melhorista) constituiu condição a ser
obedecida para adesão do Brasil à UPOV (União para a Proteção das Obtenções
Vegetais), organização internacional da qual o país se tornou membro em 1999,
tendo se comprometido com a internalização das diretrizes estabelecidas na Ata
da respectiva convenção revisada em 1978 (promulgada pelo Decreto 3.109/99).
Em linhas gerais, segundo a LPC,
cumpridos determinados pressupostos relativos sobretudo à distinguibilidade, à
homogeneidade e à estabilidade da variedade vegetal, o órgão competente está
autorizado a outorgar ao requerente Certificado de Proteção de Cultivar, que
garante ao titular os direitos sobre o material de reprodução ou multiplicação
vegetativa da planta, em prazo que pode se estender por até 18 anos.
Durante esse prazo, a produção com
finalidade comercial, o oferecimento à venda ou a comercialização do material
de propagação da cultivar (tais como sementes, mudas, tubérculos, estacas,
brotos) dependem de autorização prévia do titular do certificado.
Além dos requisitos retro mencionados,
necessários para concessão da proteção a novas variedades vegetais, a Lei em
questão estabelece todo um procedimento especial a ser seguido para obtenção da
tutela legal junto ao Serviço Nacional de Proteção de Cultivares – SNPC, órgão
integrante do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, criado pela
Lei 9.456/97 com a incumbência de ser o responsável pela análise dos
requerimentos formulados pelo respectivo obtentor ou cessionário do direito
sobre a cultivar.
Após o cumprimento de todas as etapas do
procedimento administrativo, o SNPC emite, finalmente, o Certificado de
Proteção de Cultivar, que confere a seu titular o direito à exclusividade de
reprodução comercial da variedade vegetal protegida.
Por outro lado, a Lei em questão também
prevê situações em que, como forma de conferir equilíbrio à exclusividade
outorgada pelo Certificado de Proteção de Cultivar, são impostas certas
limitações à proteção dos direitos do melhorista. É o caso do chamado
“privilégio do agricultor”.
Trata-se de exceção que confere aos
agricultores o direito de livre acesso, em determinadas circunstâncias que não
configurem exploração comercial, à variedade vegetal protegida.
Isso decorre do fato de que, no que
concerne ao “privilégio do agricultor”, as disposições da Ata UPOV de 1978 – à
qual o Brasil aderiu – conferem proteção apenas quanto ao aspecto comercial da
variedade vegetal, autorizando, assim, a conclusão de que usos de natureza
diversa, tais como a troca ou o uso de sementes para replantio, não exigem
autorização do titular do direito tutelado.
Quanto ao ponto, esclarece a doutrina
especializada:
A ata de 1978 deixa um espaço
aberto, de maneira tácita, para que se permita, em nível nacional, proteger os
direitos e privilégios do agricultor sobre o uso de sementes e material de
propagação em suas próprias colheitas. A ata menciona que a proteção conferida
aos obtentores se refere à obrigação de terceiros solicitar o consentimento do
titular para produzir com fins comerciais, colocar a venda ou comercializar
material de reprodução ou de multiplicação vegetal da variedade protegida. Ou
seja, os agricultores podem, a princípio, guardar o material de reprodução ou
multiplicação vegetativa de uma variedade protegida e utilizá-la em suas
colheitas posteriores em sua propriedade, desde que o resultado não seja a
venda ou comercialização deste material.
(GARCIA, Selemara B. F. A
Proteção jurídica das cultivares no Brasil. Curitiba: Juruá, 2004,
p. 59)
Vale ressaltar que o aprimoramento das
discussões travadas no âmbito da UPOV, como se observa das mudanças havidas a
partir da assinatura da Ata de 1991, denotam que o sistema protetivo
internacional de variedades vegetais vem limitando as hipóteses de exceção aos
direitos do melhorista, sinalizando, cada vez mais, sua aproximação ao sistema
de patentes.
Todavia, o compromisso firmado pelo
Brasil, como já visto, cingiu-se a respeitar os termos específicos da Ata UPOV
de 1978, de modo que a opção legislativa positivada foi a de garantir aos
agricultores os privilégios listados no art.
10 da Lei 9.456/97. Assim, não fere o
direito de propriedade sobre a nova variedade vegetal aquele que:
I
-
reserva e planta sementes para uso próprio, em seu estabelecimento ou em
estabelecimento de terceiros cuja posse detenha;
II
-
usa ou vende como alimento ou matéria-prima o produto obtido do seu plantio,
exceto para fins reprodutivos;
III
-
utiliza a cultivar como fonte de variação no melhoramento genético ou na
pesquisa científica;
IV
-
sendo pequeno produtor rural, multiplica sementes, para doação ou troca,
exclusivamente para outros pequenos produtores rurais, no âmbito de programas
de financiamento ou de apoio a pequenos produtores rurais, conduzidos por
órgãos públicos ou organizações não-governamentais, autorizados pelo Poder
Público.
V
-
multiplica, distribui, troca ou comercializa sementes, mudas e outros materiais
propagativos no âmbito do disposto no art. 19 da Lei nº 10.696, de 2 de julho
de 2003, na qualidade de agricultores familiares ou por empreendimentos
familiares que se enquadrem nos critérios da Lei nº 11.326, de 24 de julho de
2006.
É, pois, com base nessa limitação aos
direitos do titular de Certificado de Proteção de Cultivar que os recorrentes
postulam, nas situações listadas na inicial, o não pagamento de royalties, taxa tecnológica ou
indenização às empresas recorridas.
4.
DO SISTEMA JURÍDICO DE
PATENTES: PROTEÇÃO À ATIVIDADE INVENTIVA.
No particular, todavia, verifica-se que,
para além de se discutir o âmbito de proteção – e suas respectivas exceções –
conferido pelo ordenamento às variedades vegetais, é necessário não perder de
vista que as recorridas ostentam a condição de titulares dos direitos
decorrentes do patenteamento de um processo
específico de transgenia e do produto
respectivo (relativo ao gene CP4 EPSPS), o qual, inserido em certas
espécies vegetais, lhes confere resistência ao herbicida glifosato.
De se destacar que os royalties cujo pagamento os recorrentes
pretendem ver afastados com o ajuizamento da presente ação referem-se ao uso
reprodutivo de sementes que contém a tecnologia patenteada, de modo que, para
solução da controvérsia, afigura-se imprescindível analisar não somente os
ditames da Lei de Proteção de Cultivares, mas também as disposições da Lei de
Propriedade Industrial, bem como eventuais interconexões entre elas.
É importante lembrar que a higidez dos
atos administrativos que concederam as patentes às recorridas não constitui
objeto deste recurso, de modo que não se pode desviar da premissa de que os
registros patentários por elas titulados são válidos, circunstância que exige a
observância dos efeitos que deles decorrem.
O art. 8º da LPI veicula regra geral do
sistema de patentes, que considera patenteável toda invenção que atenda aos
requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.
Já o art. 10 desse mesmo diploma legal
estabelece o que, para seus fins, não é considerado invenção. Dentre seus
incisos, merece destaque, por pertinente à espécie, o seguinte:
Art. 10. Não se considera
invenção nem modelo de utilidade: [...]
IX - o todo ou parte de seres
vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza ou ainda que dela
isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os
processos biológicos naturais.
O art. 18 da LPI, por sua vez, elenca as
situações que, ainda que se trate de inventos, não poderão ser objeto de
patente. No que importa à hipótese, dispõe seu inciso III:
Art. 18. Não são patenteáveis:
[...]
III
-
o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que
atendam aos três requisitos de patenteabilidade – novidade, atividade inventiva
e aplicação industrial – previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta.
[...]
Os direitos titulados pelas recorridas,
portanto, decorrem desse permissivo legal.
Os pedidos de patente, é cediço, seguem
um procedimento específico junto ao Instituto Nacional de Propriedade
Industrial – INPI, autarquia federal vinculada ao Ministério da Economia
responsável pela análise e concessão dos requerimentos a ela dirigidos.
Como é sabido, as patentes conferem aos
seus titulares o direito de impedir que terceiros produzam, usem, coloquem à
venda, vendam ou importem os produtos objeto de patente, bem como o processo ou
produtos obtidos diretamente por processo patenteado (art. 42, I e II, da LPI).
É também assegurado ao proprietário o direito de obstar que terceiros
contribuam para que outros pratiquem tais atos (§ 1º do artigo precitado).
Assim é que, sob a perspectiva das
recorridas, a utilização de sementes de soja contendo a tecnologia protegida
pelas patentes, sem sua autorização, configura infração a seus direitos de
propriedade intelectual.
5.
DA DUPLA PROTEÇÃO.
REGIMES JURÍDICOS DISTINTOS.
Um dos argumentos defendidos pelos
recorrentes é o de que a Lei 9.456/97 veda, em seu art. 2º, a dupla proteção.
As variedades vegetais, segundo argumentam, apenas podem ser protegidas pelas
diretrizes nela contidas, excluída a incidência de qualquer outro instrumento
legal.
Asseveram, nesse passo, que a aplicação
desse diploma deve prevalecer sobre os ditames da Lei de Propriedade
Industrial, o que garantiria aos sojicultores brasileiros, segundo o art. 10 da
LPC, o direito de reservar sementes para replantio e comercialização como
alimentos ou matéria-prima, ao mesmo tempo em que aos pequenos produtores
rurais também seria permitido doar e trocar sementes dentro de programas
oficiais específicos.
Importante consignar que as situações
previstas no precitado artigo não têm correspondência no atual regime de
proteção patentária instituído pela Lei 9.279/96.
É dizer, tais limitações, impostas ao
direito do titular do Certificado de Proteção de Cultivar, por não estarem
elencadas na LPI, não podem, automaticamente, ser aplicadas ao detentor de
patentes, sob pena de restringir indevidamente os direitos que a lei lhe
confere.
Deve-se notar que, tratando-se de
controvérsia acerca do alcance de direitos de propriedade intelectual, é
essencial haver, de fato, um direito devidamente reconhecido como tal pela
autoridade competente, a fim de que se possa determinar o alcance de sua
proteção.
No que concerne a variedades vegetais,
conforme assentado linhas atrás, os direitos de proteção se efetivam mediante a
concessão de Certificado de Proteção de Cultivar, expedido pelo Serviço
Nacional de Proteção de Cultivares.
Assim, a primeira conclusão a que se
poderia chegar é que, ausente notícia acerca da existência de tal certificado
em favor das recorridas, não haveria sequer viabilidade jurídica de se analisar
a questão sob a ótica da tutela de cultivares, uma vez que não cabe ao Poder
Judiciário decidir, em abstrato, pela aplicação de um ou de outro diploma
legal.
Consequentemente, as exceções previstas
na lei específica, incluindo aquelas alegadas pelos recorrentes e conhecidas
como “privilégio do agricultor”, não haveriam de irradiar seus efeitos na
hipótese.
De todo modo, ainda que se reconhecesse
a existência de direitos de propriedade intelectual sobre a soja Roundup Ready derivados também da Lei
9.456/97 (LPC), os argumentos dos recorrentes acerca da incidência exclusiva
desse diploma legal à espécie não devem prosperar.
Patentes e proteção
de cultivares, como visto, são diferentes espécies de direitos de propriedade
intelectual, que objetivam proteger bens intangíveis distintos. Não há, por
isso, incompatibilidade entre os estatutos legais que os disciplinam, tampouco
prevalência de um sobre o outro, pois se trata de regimes jurídicos diversos e
complementares, em cujos sistemas normativos inexistem proposições
contraditórias a qualificar uma mesma conduta.
A marcante distinção existente entre um
regime e outro compreende desde o objeto protegido – novas cultivares, pela
LPC; processos e produtos biotecnológicos (microrganismos transgênicos), pela
LPI – passando pelo alcance da proteção, pelas exceções oponíveis aos titulares
dos direitos, pelos requisitos necessários à outorga da tutela jurídica, pelo
órgão responsável pela análise e emissão do título protetivo, pelo prazo de
duração do privilégio, dentre outros.
Não se pode negar, entretanto, que o
art. 2º da LPC impede o que se convencionou chamar de dupla proteção. Segundo
esse dispositivo, “a proteção dos direitos relativos à propriedade intelectual
referente a cultivar se efetua mediante a concessão de Certificado de Proteção
de Cultivar, considerado bem móvel para todos os efeitos legais e única forma
de proteção de cultivares e de direito que poderá obstar a livre utilização de
plantas ou de suas partes de reprodução ou de multiplicação vegetativa, no
País”.
A existência dessa norma, como já
delineado anteriormente, decorre diretamente da obrigação internacional
assumida pelo Brasil ao ratificar a Ata de 1978 da União para a Proteção das
Obtenções Vegetais, que proíbe os países membros de lhes conferir dupla
proteção.
Isso quer dizer que uma mesma variedade
vegetal não pode ser protegida simultaneamente por uma patente e por um direito
sui generis, tal qual o direito de
proteção de cultivares. De acordo com o art. 2, 1, da Convenção UPOV 1978, cada
Estado da União pode reconhecer o direito do obtentor mediante a outorga de um
título especial de proteção ou de uma patente. Porém, caso a legislação
nacional admita a proteção em ambas as formas, deverá aplicar apenas uma delas
a um mesmo gênero ou a uma mesma espécie botânica.
É exatamente esse o escopo da norma do
art. 2º da LPC. Conforme explica DENIS BORGES BARBOSA, “a proteção de uma
variedade de planta por cultivar exclui a proteção do mesmo objeto por patente” (Tratado de Propriedade
Industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, vol. IV, p. 234, sem
destaque no original).
A lei proíbe, portanto, que a variedade
vegetal – ou seja, “o mesmo objeto” – seja protegido também pela concessão de
carta-patente.
Ocorre que, ao
contrário do que defendem os recorrentes, o âmbito de proteção a que está
submetida a tecnologia desenvolvida pelas recorridas não se confunde com o objeto
da proteção prevista na Lei de Cultivares: as patentes não protegem a variedade
vegetal, mas o processo de inserção e o próprio gene por elas inoculado na
semente de soja.
DENIS BARBOSA elucida o ponto:
Veja-se que a tecnologia em
questão não afeta a semente em si (salvo o aspecto de resistência ao
glifosato), e muito menos a colheita. A patente não cobre a semente como um
todo. Não existe [...] nenhuma patente de semente da Monsanto no tocante à
tecnologia RR1. Salvo pelo produto (elemento transgênico) patenteado pela
Monsanto, toda semente está em domínio público. (Dois estudos sobre os
aspectos jurídicos do patenteamento da tecnologia Roundup Ready no
Brasil. PIDCC, Aracaju, Ano III, Edição 7/2014, Out/2014, p. 437).
Ou, em outros termos, a proteção da
propriedade intelectual na forma de cultivares (LPC) abrange o material de
reprodução ou multiplicação vegetativa da planta inteira, enquanto o sistema da
LPI protege, especificamente, o processo inventivo ou o material geneticamente
modificado, sendo certo que “processos de produção de plantas geneticamente
modificadas são considerados patenteáveis, uma vez que não há restrição na LPI”
(PLAZA, Charlene Maria C. De Ávila. Exclusões de patentes do material
genético – análises entre as Leis Nacional/Regional de Propriedade
Intelectual. Revista Internacional de Direito Ambiental, Caxias do Sul
(RS), v. 1, n. 2, p. 35-62, maio/ago. 2012).
Quanto ao ponto, parece oportuno
esclarecer os conceitos de cultivar e de microrganismo transgênico, cada qual
protegido por um estatuto jurídico distinto:
Cultivares
O Glossário de biotecnologia vegetal do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento define cultivar como uma “variedade
cultivada de planta, a qual se distingue por características fenotípica e que,
quando multiplicada por via sexual ou assexual, mantém suas características
distintivas” (Torres, Antonio Carlos et
al. Brasília: Embrapa Hortaliças, 2000).
De acordo com o conceito trazido pela
Lei 9.456/97, cultivares podem ser consideradas espécies de plantas sobre as
quais foi realizada alguma melhoria, por meio da ação humana, que tenha
resultado da alteração de alguma de suas características ou da introdução de características
novas capazes de torná-las distintas de outras variedades da mesma espécie.
Além de distintividade, devem apresentar homogeneidade e estabilidade.
O conceito técnico está previsto no art.
3º, IV, da LPC:
Art. 3º Considera-se, para os
efeitos desta Lei:
[...]
IV
-
cultivar: a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que seja
claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margem mínima de
descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea e estável quanto
aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie passível de
uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicação especializada
disponível e acessível ao público, bem como a linhagem componente de híbridos;
Microrganismos
transgênicos
A LPI os conceitua como organismos (à
exceção do todo ou parte de plantas e animais) que, mediante intervenção humana
direta em sua composição genética, expressem características normalmente não
alcançáveis pela espécie em condições naturais. Eis a definição legal:
Art. 18. [...]
[...]
Parágrafo único. Para os fins
desta Lei, microorganismos transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte
de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em
sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela
espécie em condições naturais.
Na medida em que a lei veda o
patenteamento do “todo ou parte de seres vivos” (art. 18, III, parte inicial,
da LPI), tem-se que microrganismos transgênicos constituem os “únicos elementos
constitutivos de seres vivos que, pela lei brasileira, serão objeto de patente
contendo reivindicação de produto” (BARBOSA, Pedro M. N. e BARBOSA, Denis
Borges. O Código da Propriedade Industrial conforme os Tribunais.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, vol. I, p. 259).
Ou, nos termos informados em material
publicado pelo próprio INPI, “a Lei 9.279, pelos comandos citados, estabelece
um marco divisório nítido: nem plantas nem animais superiores são patenteáveis
no Brasil; as tecnologias, porém, relacionadas à manipulação genética
envolvendo microorganismos tornaram-se inequivocamente passíveis de
patenteamento” (e-STJ fl. 2699).
Definido, portanto, o objeto da proteção
contida em cada diploma normativo, passa-se ao exame da pretensão dos recorrentes
– não pagamento de royalties às
recorridas nas hipóteses de reserva de sementes para replantio e
comercialização como alimento ou matéria-prima e possibilidade de, tratando-se
de pequenos agricultores, doar ou trocar sementes entre si – a partir das limitações
legais previstas no art. 18, III, 42, II, e 43, VI, da LPI.
6.
PRINCÍPIO DA EXAUSTÃO.
REPRODUÇÃO DE SEMENTES QUE CONTÊM GENE E/OU PROCESSO PATENTEADO.
Uma vez concedida a patente, a LPI, em
seu art. 42, garante ao titular o direito de impedir que terceiros façam uso do
produto (inc. I) ou do “processo ou produto obtido diretamente por processo
patenteado” (inc. II).
Quanto à
proteção conferida ao processo patenteado,
DENIS BORGES BARBOSA enfatiza que, “como em todos demais sistemas nacionais sob
a regra de TRIPs, a patente de processo protege o produto resultante do
processo; e não há qualquer vedação de
patentes de processo de plantas ou animais” (in Proposta para regular a intercessão patente/cultivar. Sem
destaque no original. Disponível em www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/economia/patente_cultivar.pdf).
A lição de CHARLENE PLAZA merece
destaque:
A violação da patente depende da
natureza dos bens jurídicos. Se, de fato, a propriedade legal do titular das
sementes é a transgenia, ou, no máximo, apenas a composição do genoma da planta
e da transgenia, então logo que a semente germina, a patente é violada. Isso
porque cada célula da planta terá uma cópia do objeto da propriedade legal de
que o titular poderá impedir terceiros de fabricar e utilizar sem o seu
consentimento.
(PLAZA, Charlene Maria C. De
Ávila. Exclusões de patentes do material genético – análises entre as
Leis Nacional/Regional de Propriedade Intelectual. Revista
Internacional de Direito Ambiental, Caxias do Sul (RS), v. 1, n. 2, p. 35-62,
maio/ago. 2012)
Por outro lado, o art. 43 do mesmo
diploma normativo estabelece diversos limites ao exercício dos direitos do
titular. As limitações listadas em seus incisos consistem em verdadeira
autorização para que terceiros utilizem o objeto da patente, independentemente
de autorização, sem que se possa impedi-lo ou dele exigir qualquer
contraprestação pecuniária.
No que interessa à hipótese, verifica-se
que o inciso VI desse dispositivo afasta do espectro protetivo da lei, quando
se tratar de “patentes relacionadas com matéria viva” – hipótese dos autos –, o
uso de produto patenteado “que haja sido introduzido licitamente no comércio” por
seu próprio detentor ou por seu licenciado.
É a positivação do que se convencionou
chamar de “princípio da exaustão”:
É a doutrina segundo a qual uma
vez que o titular tenha auferido o benefício econômico da exclusividade (“posto
no comércio”), através, por exemplo, da venda do produto patenteado, cessam os
direitos do titular da patente sobre ele. Resta-lhe, apenas, a exclusividade de
reprodução. (BARBOSA, Pedro M. N. e BARBOSA, Denis Borges. O Código da
Propriedade Industrial conforme os Tribunais. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2017, vol. I, p. 598).
Assim, em regra, uma vez que o
adquirente tenha obtido o produto colocado licitamente no mercado, com o
consentimento do titular, esgota-se o direito de patente sobre aquele produto
específico e, via de consequência, não mais poderão ser opostas, dali em
diante, a quem quer que seja, as vedações do art. 42 da LPI na futura
exploração comercial do bem.
Todavia, e aqui reside
ponto fundamental da presente controvérsia, a parte final do inc. VI do art. 43
da LPI expressamente prevê que não haverá exaustão na hipótese de o produto
patenteado ser
“utilizado para multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em
causa”.
A
toda evidência, a opção legislativa foi a de deixar claro que a exaustão, quando
se cuida de patentes relacionadas à matéria viva, atinge apenas a circulação daqueles
produtos que possam ser enquadrados na categoria de matéria viva não reprodutível,
circunstância que não coincide com o objeto da pretensão dos recorrentes.
O exemplo utilizado por BARBOSA e
BARBOSA é esclarecedor:
Quem compra a espiga de milho,
protegida por processo de reprodução, pode comer, vender, fazer pipoca ou
enfeite de sala de jantar. Pode até mesmo plantar o milho num potinho na
varanda. Mas não pode tornar-se competidor do titular da patente, reproduzindo
milho para fins comerciais. (op. cit.,
p. 611).
NUNO PIRES DE CARVALHO ilustra a
situação comentando julgado da Suprema Corte dos Estados Unidos:
O Tribunal entendeu que o
agricultor não era protegido pela exaustão no caso de guardar sementes de uma
colheita e replantá-las em seguida, posto que a exaustão não serve de argumento
para permitir que o comprador produza os bens protegidos a partir daqueles que
adquiriu. Na verdade, ao “replantar”, o agricultor não está plantando os
artigos que comprou, mas sim plantando – pela primeira (e única) vez – os
artigos que ele produziu a partir dos artigos que comprou. A exaustão só se dá
quanto aos artigos que ele comprou, e não quanto aos que ele produziu. Assim,
por meio de contrato, o titular (no caso, de uma patente) pode negar ao
agricultor a exceção da UPOV, e este não pode alegar a exaustão em seu favor. (Acordo
TRIPS Comentado. 2ª edição. Versão para Kindle, p. 603).
Acerca do tema, vale também a leitura da
exposição detalhada por CHARLENE PLAZA:
No Brasil não há aplicação da
exaustão de direitos quando o produto patenteado seja utilizado para
multiplicação ou propagação da matéria viva em causa.
Tal norma possibilita que
terceiros, no caso de patentes relacionadas com matéria viva, utilizem, ponham
em circulação ou comercializem um produto patenteado que haja sido introduzido
licitamente no comércio (interno ou externo) pelo detentor da patente ou por
detentor de licença, desde que o produto patenteado não seja utilizado para
multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em causa.
(PLAZA, Charlene Maria C. de
Ávila. Das patentes aos royalties – o caso da soja transgênica da
Monsanto. In Revista de
propriedade intelectual: direito contemporâneo e constituição. Aracaju, 2012,
n. 1, p. 9)
DENIS BARBOSA é categórico ao afirmar
que “a exaustão não se aplica, no Brasil, quando o produto patenteado seja
utilizado para multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em causa”
(Dois estudos sobre os aspectos jurídicos do patenteamento da tecnologia
Roundup Ready no Brasil. PIDCC, Aracaju, Ano III, Edição 7/2014, Out/2014, p.
425).
Nessa linha intelectiva, entender que os
agricultores representados pelos recorrentes possuem o direito de reservar o
produto da soja RR (que contém tecnologia patenteada pelas recorridas) para
replantio e posterior comercialização, bem como o de doar ou trocar essas
sementes, equivale a esvaziar o conteúdo normativo do dispositivo em questão,
tornando-o letra morta, o que se revela inadmissível do ponto de vista
técnico-jurídico.
7.
CONCLUSÕES: PROTEÇÃO
DOS DIREITOS DO INVENTOR EM FUNÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DE PROCESSO OU PRODUTO
RELACIONADO À TRANSGENIA.
De tudo o que foi até aqui exposto, é
possível extrair-se algumas
conclusões.
Como as patentes em questão foram
concedidas em razão da inserção
de um gene que conferiu à planta uma
função distinta da que naturalmente possuía, os direitos do titular do
privilégio vão incidir sobre o atributo inoculado (que confere resistência ao
glifosato) e, via de consequência, tendo a planta sido reproduzida e a nova
geração conservado tal atributo, sobre ele também devem se projetar os direitos
de exclusiva.
Os possíveis desdobramentos do alcance
da proteção são esmiuçados por BRUCH, VIEIRA E DEWES:
Se o inventor inserir um novo
atributo em uma planta existente, tal como um novo gene com nova função, seu
direito de propriedade industrial se restringe ao atributo inserido nesta e não
se expande para toda a planta modificada. As outras plantas da mesma espécie
que não receberam este novo atributo também continuarão não pertencentes a ele.
Deste direito surgem três situações [...]:
1)
Se
esta planta com o novo atributo se replica, conservando nas plantas-filhas o
atributo inserido originalmente, sobre este atributo tem o titular do DPI sua
titularidade. Se esta planta replicada for utilizada por causa do atributo
protegido, é lógico que este atributo dá ao seu titular o direito de cobrar
pelo seu uso.
2)
Contudo,
se esta planta com o novo atributo for cultivada e o atributo inserido nela não
permanecer na planta ou não for utilizado pelo usuário da planta, pode-se
concluir que não cabe ao inventor do atributo reivindicar a cobrança de
royalties pelo uso do novo atributo protegido.
3)
Ademais,
se esta planta com o novo atributo ou os produtos derivados dela forem
utilizados, sendo que neste uso é irrelevante o novo atributo, não cabe ao
inventor do atributo direito de cobrar sobre o seu uso.
[...]
Contudo, deve-se deixar claro
que, em existindo o atributo protegido em uma planta, mesmo que esta planta em
si seja protegida por terceiro, a existência desse atributo confere ao seu
titular o direito de cobrar royalties pelo
seu uso, bem como ao titular da proteção da cultivar.
(BRUCH, Kelly Lissandra; VIEIRA,
Adriana Carvalho Pinto e DEWES, Homero. A propriedade industrial: dupla
proteção ou proteções coexistentes sobre uma mesma planta. In Propriedade intelectual e inovações
na agricultura. Org.: Antônio Márcio Buainain, Maria Beatriz Machado Bonacelli,
Cássia Isabel Costa Mendes. Brasília; Rio de Janeiro: CNPq, FAPERJ, INCT/PPED,
IdeiaD; 2015, p. 314).
Ou, na lição de PLAZA e CARRARO, “pela
regra do art. 42, inciso II, da Lei nº 9.279/96, tem-se que um titular de
patente de invenção, cuja proteção abarca novo atributo de uma planta, tal como
um gene com nova função, tem o direito de explorar com exclusividade essa
planta no Brasil ou vedar que terceiros
a utilizem comercialmente, sem sua
autorização” (PLAZA, Charlene Maria C. de Ávila e CARRARO, Fábio. Propriedade
Intelectual – patentes e cultivares. In
Propriedade intelectual na agricultura. Coord.: PLAZA, DEL NERO, TARREGA e
SANTOS. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 131).
Sobreleva consignar que o afastamento
dos direitos conferidos aos titulares de patentes devidamente concedidas – como
objetivam os recorrentes – teria aptidão para, além de malferir as disposições
de direito interno consubstanciadas na LPI, frustrar compromissos assumidos
pelo Brasil no âmbito da Organização Mundial do Comércio, pois resultaria em
descumprimento do quanto estabelecido no art. 28, 1, do Acordo TRIPs, que
estipula as garantias asseguradas ao inventor.
O “privilégio do
agricultor” previsto na LPC, portanto, não é oponível ao titular de patentes de
produto e/ou processo na hipótese de ser utilizada a matéria viva a elas
relacionada para fins de multiplicação ou propagação comercial, pois não se
trata de limitação estabelecida aos direitos tutelados pelo regime jurídico
sobre o qual está assentado o sistema de patentes adotado pelo Brasil.
A tese defendida pelos recorrentes parte
de um pressuposto manifestamente equivocado: o de querer fazer incidir às
recorridas, titulares de direitos garantidos por cartas-patentes, as limitações
previstas, exclusivamente, a detentores de certificados de proteção de
cultivares.
De se referir, outrossim – o que
corrobora a ausência de previsão no ordenamento jurídico vigente acerca das
limitações postuladas pelas recorrentes sobre os direitos de propriedade
intelectual das recorridas –, a existência de estudos, elaborados por
doutrinadores especialistas na área, por meio dos quais se propõe, justamente,
que a LPI seja modificada para que se faça nela constar normas restritivas que
deem suporte a reivindicações como as aqui deduzidas.
É o caso dos seguintes artigos,
de lavra, respectivamente, do Professor DENIS BORGES BARBOSA e da Professora
CARLA EUGENIA CALDA BARROS: Proposta para
regular a intercessão patente/cultivar (disponível em www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/economia/patente_cultivar.pdf)
e A sobreposição dos direitos de
propriedade intelectual em biotecnologia: patentes e cultivares. Modificações
dos artigos 43 e 70 da Lei 9.279, de 14 de maio de 1996 (In Proteção Jurídica para as Ciências
da Vida: Propriedade Intelectual e Biotecnologia. IBPI, 2012, pp.
81/172).
A pretensão dos recorrentes, portanto,
exigiria inovações normativas
de
lege ferenda.
A título de consideração final, impõe-se
assentar que, muito embora a adoção em larga escala do cultivo de plantas
modificadas por meio de transgenia venha acompanhada de uma série de
questionamentos de natureza econômica, social, ambiental, alimentar e
político-ideológica, o Poder Judiciário – sobretudo em sede de recurso de
fundamentação vinculada, versando sobre questões restritas ao âmbito de
sistemas protetivos de direitos de propriedade intelectual – não constitui a
arena adequada para o enfrentamento dessas questões, não podendo elas servirem
como condicionantes das razões de decidir do julgador.
No que concerne à alegação usualmente
feita de que os direitos de propriedade intelectual criam monopólios, ainda que
temporários, é importante lembrar que existem sensíveis diferenças entre seus
efeitos e o funcionamento da proteção à propriedade intelectual (quanto à
matéria, confira-se o estudo conduzido por ROBERT M. SHERWOOD, in Propriedade intelectual e desenvolvimento
econômico. São Paulo: EDUSP, 1992).
Segundo SHERWOOD (op. cit., pp. 60/62), a propriedade intelectual, como explanado no
decorrer deste voto em relação às patentes, cria, tão somente, o direito de
impedir/excluir terceiros do uso de um produto
ou processo específico. O
monopólio, por outro lado, se relaciona à capacidade de excluir qualquer
produto ou processo de um determinado mercado,
sendo notório que, no caso dos autos, a soja com a tecnologia patenteada pelas
recorridas não se trata de produto que equivalha à totalidade do mercado
brasileiro desse grão. De um lado, o Registro Nacional de Cultivares do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (RNC) aponta, em 11/4/2019,
mais de duas mil ocorrências para cultivares de soja; de outro, DENIS BARBOSA
informa que “haveria pelo menos 75 cultivares com características de serem
resistentes ao glifosato, mas este número compreende variedades que não são da
Monsanto” (Dois estudos sobre os aspectos jurídicos do patenteamento
da tecnologia Roundup Ready no Brasil. PIDCC, Aracaju, Ano III, Edição
7/2014, Out/2014, p. 431).
Ainda que se assuma como premissa que um
novo mercado possa surgir como mera consequência de um único invento protegido,
o que sucede é que o acesso a ele não estaria vedado senão em razão de
deficiências técnicas, atribuíveis aos próprios potenciais competidores, em
desenvolver produtos dotados de capacidade concorrencial. As barreiras à
entrada nesse mercado não decorreriam, substancialmente, da proteção à
propriedade intelectual.
Caso se tratasse, ao contrário, de um
verdadeiro monopólio, mesmo que fossem envidados esforços de pesquisa e
desenvolvimento que resultassem na criação de um produto ou processo
competitivo, seria, por definição, impossível inseri-los no mercado,
independentemente da proteção a direitos de propriedade intelectual.
Novamente, a doutrina de SHERWOOD é
esclarecedora:
A propriedade intelectual pode
oferecer uma vantagem importante, mas não é um monopólio. Num monopólio,
especialmente quando for criado por iniciativa governamental, como é frequente
em muitos países comunistas e em desenvolvimento, a empresa, na verdade, não
fracassa porque ela é protegida. A propriedade intelectual protege a idéia, a
invenção, a expressão criativa, mas não a empresa. No caso da propriedade
intelectual, o produto da mente pode fracassar ou ser suplantado no mercado. No
caso de um monopólio, é a própria empresa o objeto de proteção. (SHERWOOD,
1992, p. 61)
Não se pode, outrossim, cogitar da
utilização, pelo Judiciário, do regime legal de proteção à propriedade
intelectual para, por via indireta, corrigir eventuais imperfeições
concernentes ao funcionamento do mercado. Resultados nesse sentido devem ser
buscados na esfera própria destinada à defesa da concorrência e da ordem
econômica, sob pena de se impor ao sistema de patentes uma função que não lhe
cabe.
De se consignar, pode derradeiro, que,
conforme destacado no acórdão recorrido, nada impedia que os agricultores
representados pelos recorrentes empregassem a soja convencional em seus
plantios, sem o custo relacionado a royalties
ou taxa tecnológica; mas, a partir do momento em que optaram pelo cultivo
de sementes modificadas por meio de invenção patenteada, inafastável o dever de
contraprestação pela tecnologia utilizada. Se escolheram fazer uso desta
variedade específica, é porque lhes pareceu economicamente vantajoso, devendo
arcar com as consequências dessa opção.
8.
TESE FIRMADA PARA
EFEITO DO ART. 947 DO CPC/15
A tese a ser firmada, portanto, para
efeito do art. 947 do CPC/15, é a seguinte:
as limitações ao direito de propriedade intelectual constantes do art. 10 da
Lei 9.456/97 – aplicáveis tão somente aos titulares de Certificados de Proteção
de Cultivares – não são oponíveis aos detentores de patentes de produto e/ou
processo relacionados à transgenia cuja tecnologia esteja presente no material
reprodutivo de variedades vegetais.
9.
CONCLUSÃO DA HIPÓTESE CONCRETA
Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
CERTIDÃO
DE JULGAMENTO SEGUNDA SEÇÃO
Número
Registro: 2016/0171099-9 PROCESSO
ELETRÔNICO REsp 1.610.728 / RS
Números Origem:
01056613620158217000 02513164420128217000 03985116220148217000
03998338320158217000 10901069152
70064202831 70068334473
PAUTA:
12/06/2019 JULGADO: 12/06/2019
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE
TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA
BRACKS
Secretária
Bela. ANA ELISA DE ALMEIDA
KIRJNER
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
: SINDICATO RURAL DE SERTÃO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SANTIAGO RECORRENTE
: SINDICATO RURAL DE PASSO FUNDO
RECORRENTE
: FEDERACAO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA NO RIO GRANDE DO SUL
ADVOGADOS
: DENIS BORGES BARBOSA E OUTRO(S) - RJ023865
NERI PERIN E OUTRO(S) - RS025883
JANE LÚCIA WILHELM BERWANGER -
RS046917 RAUL MURAD RIBEIRO DE CASTRO - RJ162384 LIVIA BARBOZA MAIA E OUTRO(S)
- RJ182505 FERNANDA FERNANDES DA SILVA - RJ195640
RECORRIDO
: MONSANTO CO
ADVOGADOS
: GOMERCINDO LINS COITINHO E OUTRO(S) - RS002743
ROBERTO FERREIRA ROSAS E
OUTRO(S) - DF000848 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ
HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759
RECORRIDO
: MONSANTO DO BRASIL LTDA
ADVOGADOS
: ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848
MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E
OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759 CARINE PIGATTO
TERMIGNONI - RS048110
IVO GABRIEL CORRÊA DA CUNHA E
OUTRO(S) - RS003999 RAMIRO CORRÊA DA CUNHA - RS062264
BIBIANA DA SILVA OLIVEIRA BOTTIN
CAYE - RS078887
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE GIRUÁ
ADVOGADO
: NERI PERIN - RS025883
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE ARVOREZINHA ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE JATAÍ
ADVOGADO
: JOÃO RAFAEL DAL MOLIM E OUTRO(S) - RS050489 INTERES. : ASSOCIAÇÃO DOS
AGRICULTORES DE DOM PEDRITO ADVOGADO : ANDERSON RICARDO LEVANDOWSKI BELLOLI -
RS081110
INTERES.
: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS - ABRASEM ADVOGADOS : DANIEL
USTÁRROZ E OUTRO(S) - RS051548
ANTONIO JANYR DALL AGNOL JUNIOR
E OUTRO(S) - RS005693 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - DF022224
INTERES.
: AGROBIO - ASSOCIAÇÃO DE EMP BIOTECNOLOGIA AGRICULTURA AGROINDÚSTRIA
ADVOGADOS
: ADMA PEDRO DIAMENTI - SP329928
PATRICIA FUKUMA JANNINI E
OUTRO(S) - SP107635 FLAVIA DANIELA TOLEDO ANTONANZAS - SP273821
INTERES.
: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MUTUÁRIOS E CONSUMIDORES - ABMC ADVOGADO : ROBERTO
SOLIGO - MS002464
INTERES.
: INSTITUTO BRASILEIRO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL ADVOGADOS : NEWTON SILVEIRA E
OUTRO(S) - SP015842
WILSON SILVEIRA E OUTRO(S) -
SP024798
INTERES.
: ABPI ASSOCIACAO BRASILEIRA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL - "AMICUS
CURIAE"
ADVOGADOS
: LUIZ EDGARD MONTAURY PIMENTA - RJ046214
RODRIGO
AFFONSO DE OURO PRETO SANTOS - RJ079659 INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas
- Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial
SUSTENTAÇÃO
ORAL
Sustentaram oralmente:
1
-
Dr. NERI PERIN, pelo RECORRENTE SINDICATO RURAL DE SERTÃO e Outros;
2
-
Dr. PEDRO MARCOS NUNES BARBOSA, pelo RECORRENTE SINDICATO RURAL DE
SERTÃO e
Outros;
3
-
Dra. ANNA CHRISTINA SILVEIRA BERNARDI, pelo AMICUS CURIAE IBPI - Instituto
Brasileiro
de Propriedade Intelectual;
4
-
Dr. LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL, pela RECORRIDA MONSANTO DO BRASIL LTDA; e
5
-
Dra. PATRICIA FUKUMA JANNINI, pelo AMICUS CURIAE AGROBIO - ASSOCIAÇÃO DE EMP
BIOTECNOLOGIA AGRICULTURA AGROINDÚSTRIA.
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA
SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data,
proferiu a seguinte decisão:
Após o voto da Sra. Ministra
Nancy Andrighi, Relatora, negando provimento ao recurso especial e fixando tese
para os fins do incidente de assunção de competência, pediu VISTA
antecipadamente o Sr. Ministro Marco Buzzi.
Aguardam os Srs. Ministros Luis
Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira,
Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.
Presidiu o julgamento o Sr.
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
CERTIDÃO
DE JULGAMENTO SEGUNDA SEÇÃO
Número
Registro: 2016/0171099-9 PROCESSO
ELETRÔNICO REsp 1.610.728 / RS
Números Origem:
01056613620158217000 02513164420128217000 03985116220148217000
03998338320158217000 10901069152
70064202831 70068334473
PAUTA:
09/10/2019 JULGADO: 09/10/2019
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE
TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA
BRACKS
Secretária
Bela. ANA ELISA DE ALMEIDA
KIRJNER
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
: SINDICATO RURAL DE SERTÃO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SANTIAGO RECORRENTE
: SINDICATO RURAL DE PASSO FUNDO
RECORRENTE
: FEDERACAO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA NO RIO GRANDE DO SUL
ADVOGADOS
: DENIS BORGES BARBOSA E OUTRO(S) - RJ023865
NERI PERIN E OUTRO(S) - RS025883
JANE LÚCIA WILHELM BERWANGER -
RS046917 RAUL MURAD RIBEIRO DE CASTRO - RJ162384 LIVIA BARBOZA MAIA E OUTRO(S)
- RJ182505 FERNANDA FERNANDES DA SILVA - RJ195640
RECORRIDO
: MONSANTO CO
ADVOGADOS
: GOMERCINDO LINS COITINHO E OUTRO(S) - RS002743
ROBERTO FERREIRA ROSAS E
OUTRO(S) - DF000848 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ
HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759
RECORRIDO
: MONSANTO DO BRASIL LTDA
ADVOGADOS
: ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848
MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E
OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759 CARINE PIGATTO
TERMIGNONI - RS048110
IVO GABRIEL CORRÊA DA CUNHA E
OUTRO(S) - RS003999 RAMIRO CORRÊA DA CUNHA - RS062264
BIBIANA DA SILVA OLIVEIRA BOTTIN
CAYE - RS078887
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE GIRUÁ
ADVOGADO
: NERI PERIN - RS025883
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE ARVOREZINHA ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE JATAÍ
ADVOGADO
: JOÃO RAFAEL DAL MOLIM E OUTRO(S) - RS050489 INTERES. : ASSOCIAÇÃO DOS
AGRICULTORES DE DOM PEDRITO ADVOGADO : ANDERSON RICARDO LEVANDOWSKI BELLOLI -
RS081110
INTERES.
: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS - ABRASEM ADVOGADOS : DANIEL
USTÁRROZ E OUTRO(S) - RS051548
ANTONIO JANYR DALL AGNOL JUNIOR
E OUTRO(S) - RS005693 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - DF022224
INTERES.
: AGROBIO - ASSOCIAÇÃO DE EMP BIOTECNOLOGIA AGRICULTURA AGROINDÚSTRIA
ADVOGADOS
: ADMA PEDRO DIAMENTI - SP329928
PATRICIA FUKUMA JANNINI E
OUTRO(S) - SP107635 FLAVIA DANIELA TOLEDO ANTONANZAS - SP273821
INTERES.
: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MUTUÁRIOS E CONSUMIDORES - ABMC ADVOGADO : ROBERTO
SOLIGO - MS002464
INTERES.
: INSTITUTO BRASILEIRO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL ADVOGADOS : NEWTON SILVEIRA E
OUTRO(S) - SP015842
WILSON SILVEIRA E OUTRO(S) -
SP024798
INTERES.
: ABPI ASSOCIACAO BRASILEIRA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL - "AMICUS
CURIAE"
ADVOGADOS
: LUIZ EDGARD MONTAURY PIMENTA - RJ046214
RODRIGO
AFFONSO DE OURO PRETO SANTOS - RJ079659 INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas
- Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA
SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data,
proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo o julgamento, após
o voto-vista antecipado do Sr. Ministro Marco Buzzi acompanhando a Sra.
Ministra Relatora, a Seção, por unanimidade, negou provimento ao recurso
especial , nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Para os efeitos do art. 947 do
CPC/15, foi firmada a seguinte tese: as limitações ao direito de propriedade intelectual
constantes do art. 10 da Lei 9.456/97 – aplicáveis tão somente aos titulares de
Certificados de Proteção de Cultivares – não são oponíveis aos detentores de
patentes de produto e/ou processo relacionados à transgenia cuja tecnologia
esteja presente no material reprodutivo de variedades vegetais.
Os Srs. Ministros Marco Buzzi
(voto-vista), Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio
Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro
votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Presidiu o julgamento o Sr.
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.610.728 - RS
(2016/0171099-9) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SERTÃO
RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE SANTIAGO RECORRENTE : SINDICATO RURAL DE PASSO
FUNDO
RECORRENTE
: FEDERACAO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA NO RIO GRANDE DO SUL
ADVOGADOS
: DENIS BORGES BARBOSA E OUTRO(S) - RJ023865 NERI PERIN E OUTRO(S) - RS025883
JANE LÚCIA WILHELM BERWANGER -
RS046917 RAUL MURAD RIBEIRO DE CASTRO - RJ162384 LIVIA BARBOZA MAIA E OUTRO(S)
- RJ182505 FERNANDA FERNANDES DA SILVA - RJ195640
RECORRIDO
: MONSANTO CO
ADVOGADOS
: GOMERCINDO LINS COITINHO E OUTRO(S) - RS002743 ROBERTO FERREIRA ROSAS E
OUTRO(S) - DF000848 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ
HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759
RECORRIDO
: MONSANTO DO BRASIL LTDA
ADVOGADOS
: ROBERTO FERREIRA ROSAS E OUTRO(S) - DF000848 MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E
OUTRO(S) - RJ061424 LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA DO AMARAL - RJ052759 CARINE PIGATTO
TERMIGNONI - RS048110
IVO GABRIEL CORRÊA DA CUNHA E
OUTRO(S) - RS003999 RAMIRO CORRÊA DA CUNHA - RS062264
BIBIANA
DA SILVA OLIVEIRA BOTTIN CAYE - RS078887 INTERES. : SINDICATO RURAL DE GIRUÁ
ADVOGADO
: NERI PERIN - RS025883
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE ARVOREZINHA ADVOGADO : NERI PERIN - RS025883
INTERES.
: SINDICATO RURAL DE JATAÍ
ADVOGADO
: JOÃO RAFAEL DAL MOLIM E OUTRO(S) - RS050489 INTERES. : ASSOCIAÇÃO DOS
AGRICULTORES DE DOM PEDRITO ADVOGADO : ANDERSON RICARDO LEVANDOWSKI BELLOLI -
RS081110
INTERES. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DE SEMENTES E MUDAS - ABRASEM
ADVOGADOS
: DANIEL USTÁRROZ E OUTRO(S) - RS051548
ANTONIO
JANYR DALL AGNOL JUNIOR E OUTRO(S) - RS005693
MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S) -
DF022224 INTERES. : AGROBIO - ASSOCIAÇÃO DE EMP BIOTECNOLOGIA
AGRICULTURA
AGROINDÚSTRIA ADVOGADOS : ADMA PEDRO DIAMENTI - SP329928
PATRICIA FUKUMA JANNINI E
OUTRO(S) - SP107635 FLAVIA DANIELA TOLEDO ANTONANZAS - SP273821
INTERES. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MUTUÁRIOS
E CONSUMIDORES - ABMC
ADVOGADO
: ROBERTO SOLIGO - MS002464
INTERES.
: INSTITUTO BRASILEIRO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL
ADVOGADOS
: NEWTON SILVEIRA E OUTRO(S) - SP015842
WILSON SILVEIRA E OUTRO(S) -
SP024798
INTERES. : ABPI ASSOCIACAO BRASILEIRA DA PROPRIEDADE
INTELECTUAL - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADOS
: LUIZ EDGARD MONTAURY PIMENTA - RJ046214
RODRIGO
AFFONSO DE OURO PRETO SANTOS - RJ079659 INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL
VOTO-VISTA
O
EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI:
O presente apelo nobre
descortina controvérsia acerca da possibilidade de produtores rurais de soja -
sem discussão acerca de violação de direitos de propriedade intelectual das
recorridas - reservarem de maneira livre o produto da soja transgênica
denominada Roundup Ready (soja RR)
para fins de replantio e/ou venda da produção desse cultivo como alimento ou
matéria-prima.
Verifica-se que o pedido
inicial, movido em sede de ação coletiva (fls. 1/31), foi parcialmente acolhido
em primeiro grau de jurisdição. O dispositivo ficou assim redigido, no que
interessa: "(...) a) declarar o
direito dos pequenos, médios e grandes
sogicultores brasileiros, de reservar o produto cultivares de soja
transgênica, para replantio em seus campos de cultivo e o direito de vender
essa produção como alimento ou matéria-prima, sem nada mais pagar a título de royalties, taxa tecnológica ou
indenização, nos termos do art. 10, incisos I e II da Lei n.º 9.456/97, a
contar do dia 01.09.2010; b) declarar o direito dos pequenos, médios e grandes sogicultores brasileiros que cultivam
soja transgênica, de doar ou trocar sementes reservadas a outros pequenos
produtores rurais, nos termos do art. 10, inciso IV, §3º e incisos, da Lei n.º
9.456/97, a contar do dia 01.09.2010; c) determinar que as requeridas se
abstenham de cobrar royalties, taxa tecnológica ou indenização, sobre a
comercialização da produção da soja transgênica produzida no Brasil, a contar
da safra 2003/2004; d) condenar as requeridas devolvam (sic) os valores
cobrados sobre a produção da soja transgênica a partir da safra 2003/2004,
corrigida pelo IGPM e acrescida de juros de 1% ao mês, a contar da safra
2003/2004, tudo a ser apurado em liquidação de sentença; e) conceder de ofício,
a liminar para determinar a imediata suspensão na cobrança de royalties, taxa
tecnológica ou indenização, sobre a comercialização da produção da soja
transgênica produzida no Brasil, sob pena de multa diária no valor de
1.000.000,00 (um milhão de reais); f) condenar as requeridas ao pagamento
integral das custas e honorários advocatícios que fixo em R$ 500.000,00 (quinhentos
mil reais), corrigido pelo IGPM a contar desta data (art. 21, § único, do
CPC)" (fls. 3367/3416)
Portanto, o r. juízo a quo acolheu em parte o pedido inicial
e garantiu aos pequenos, médios e grandes sogicultores brasileiros a
possibilidade de reservar, replantar e/ou trocar sem recolhimento de royalties em favor das ora recorridas, titulares
das patentes objeto da presente controvérsia, ao argumento de que, em resumo "(...) as requeridas podem cobrar
royalties, taxa tecnológica ou indenização, por ocasião do licenciamento da tecnologia
Roundup Ready para que terceiros desenvolvam cultivares de soja com a
tecnologia, e até em relação às sementes geneticamente modificadas (RR),
conforme art. 10 da Lei de Cultivares, mas jamais sobre o produto vivo
(soja)." (fl. 3391)
Em sede de apelação (fls.
3449/3535), por maioria de votos, o eg. Tribunal de origem reformou a sentença
de modo a julgar improcedentes os
pedidos, invertendo os ônus sucumbenciais. (fls. 4554/4568) Opostos embargos
infringentes (fls.4598/4645), esses foram rejeitados, por maioria de votos.
(fls. 5150/5282) Embargos de declaração foram acolhidos apenas para afastar a
condenação em honorários advocatícios.
Daí a interposição de recurso especial, apresentado pelo
SINDICATO RURAL DE PASSO FUNDO/RS e OUTROS, que, além de dissídio
jurisprudencial, alegam violação dos artigos 2º, 7º e 10 da Lei 9.456/97 (Lei
Proteção de Cultivares); do art. 2.1 da UPOV/78 (União para a Proteção das Obtenções
Vegetais), promulgado pelo Decreto 3.109/99; dos arts. 18, III, parágrafo
único, e 42 da Lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial). Aduzem, em resumo,
que: i) "(...) o acórdão dos
Embargos Infringentes teve por entender que a cobrança de royalties, de
condutas perfeitamente excepcionadas pelo ordenamento, seria admitida, uma vez
que as Recorridas seriam titulares de uma patente, afeita ao processo de
inserção de um gene (transgenia) na semente, então, protegível (e protegida)
por cultivar." Dizem, outrossim,
que "(...) Embora o acórdão
reconhecesse a existência da Lei de Proteção de Cultivares e de toda a sua
sistemática, entendeu-se que haveria eventual omissão inexistente entre os
Sistemas Patentário e de Cultivares, tendo sido, desse modo, desconsiderada
regra expressa da Lei de Proteção de Cultivares (artigo 2º), comando normativo
obrigatório de Tratado Internacional ratificado (...) e também toda a ratio
pertinente à construção deste arcabouço jurídico." Citam, nesse contexto, que "(...) o TJRS a quo (reformando a sentença de
primeiro grau) - na crença de que o direito à propriedade industrial seria absoluto
e na assunção de uma (inexistente) omissão regulatória entre os sistemas -
entendeu, como ressaltado, pela prevalência da patente e de todas as regras que
lhe são pertinentes - violando, assim, a sistemática expressa e cogente
relaltiva à LPC." Argumentam,
finalmente, que "(...) Apesar de ser
permitido patenteamento de um processo de criação de um ser vivo transgênico, a
Lei de Propriedade Industrial apresenta expressa vedação para patenteamento de
produtos vivos, em seu artigo 18,
III.
Na hipótese, todo ou parte de
seres vivos não são patenteáveis. A esta regra fogem apenas os 'microorganismos
transgênicos", os quais a própria Lei conceitua como 'organismos, exceto o
todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção
humana direta em sua composição genética, uma característica normalmente não
alcançável pela espécie em condições naturais." Indicam, em favor de sua tese recursal,
dissídio jurisprudencial com julgados do TJ/MT e TJ/BA, corroborado com decisão
da Corte Argentina. (fls. 5308/5335)
Admitido o processamento do
apelo nobre (fls. 5503/5515), os autos ascenderam ao STJ sendo distribuídos à
Relatoria deste signatário que, consoante a regra do art. 71, §1º, do RISTJ,
determinou a redistribuição do feito a um dos integrantes da eg. Terceira
Turma.
Após redistribuição, a Segunda
Seção, em voto conduzido pela e. Relatora, Min. Nancy Andrighi, por
unanimidade, afetou o julgamento do presente recurso especial como incidente de
assunção de competência, destacando o seguinte tema a ser objeto de
deliberação: "(...) definir se é
possível conferir proteção simultânea - pelos institutos da patente de invenção
(Lei 9.279/96) e da proteção de cultivares (Lei 9.456/97) - a sementes de soja
Roundup Ready, obtidas mediante a técnica da transgenia, e, como corolário, se
é ou não facultado aos produtores rurais o direito de reservar o produto de seu
cultivo para replantio e comercialização como alimento ou matéria prima, bem
como o direito de pequenos agricultores de doar ou trocar sementes reservadas
no contexto de programas oficiais específicos" (fls. 5900/5918).
O Ministério Público Federal
ofertou parecer opinando pelo provimento do recurso especial. (fls. 6.005/6016)
Apregoado o feito na assentada
do dia 12/06/2019, a e. Relatora, Min. Nancy Andrighi votou no sentido de negar provimento ao apelo recursal e,
para efeito do art. 947 do CPC/15, formulou a tese repetitiva.
Dentre seus fundamentos, é possível
destacar, em resumo:
i)
"(...)
Patentes e proteção de cultivares são diferentes espécies de direitos de
propriedade intelectual, que objetivam proteger bens intangíveis distintos. Não
há incompatibilidade entre os estatutos legais que os disciplinam, tampouco
prevalência de um sobre o outro, pois se trata de regimes jurídicos diversos e
complementares, em cujos sistemas normativos inexistem proposições
contraditórias a qualificar uma mesma conduta";
ii)
"(...)
A marcante distinção existente entre o
regime da LPI e o da LPC compreende, dentre outros, o objeto protegido, o
alcance da proteção, as exceções e limitações oponíveis aos titulares dos
respectivos direitos, os requisitos necessários à outorga da tutela jurídica, o
órgão responsável pela análise e emissão do título protetivo e o prazo de
duração do privilégio.";
iii)
"(...)
O âmbito de proteção a que está submetida
a tecnologia desenvolvida pelas recorridas não se confunde com o objeto da
proteção prevista na Lei de Cultivares: as patentes não protegem a variedade
vegetal, mas o processo de inserção e o próprio gene por elas inoculado nas
sementes de soja RR. A proteção da propriedade intelectual na forma de
cultivares abrange o material de reprodução ou multiplicação vegetativa da planta
inteira, enquanto o sistema de patentes protege, especificamente, o processo
inventivo ou o material geneticamente modificado.";
Ao
final, para efeito do art. 947 do CPC/15, sua Excelência propôs a seguinte
tese:
"as limitações ao direito de propriedade intelectual constantes do art.
10 da Lei 9.456/97 - aplicáveis tão somente aos titulares de Certificados de
Proteção de Cultivares - não são oponíveis aos detentores de patentes de
produto e/ou processo relacionados à transgenia cuja tecnologia esteja presente
no material reprodutivo de variedades vegetais."
exame.
Iniciado o debate, este
signatário solicitou vista dos autos para melhor
É
o relatório.
Acompanha-se
a e. Relatora.
1 -
Os métodos mais adequados de solução de conflitos e a alta capacidade litigiosa
das partes. Direitos disponíveis.
Inicialmente, a fim de dar
cumprimento à ideia de que compete a todos que participam da relação processual
estimular a realização das práticas voltadas à resolução de conflitos por
métodos alternativos à jurisdição tradicional, expediente que se tornou
impositivo no novel Código de Processo Civil, a teor do art. 3º, § 3º, do CPC/2015,
calha registrar e lamentar que, perante as instâncias ordinárias, foram tímidas
as tentativas de utilização de tais instrumentos jurídicos vocacionados a
conferir pacificação social, mormente considerando-se que, apesar de controvertida
e complexa, a contenda ora em liça versa sobre direito disponível, passível,
dessa forma, de acordo entre os ora litigantes.
É necessária, portanto, a
mudança de mentalidade quanto aos métodos de solução de conflitos, tanto por
parte dos jurisdicionados, quanto dos operadores do Direito.
2 -
Agronegócio Brasileiro - Breve Panorama. Relevante Importância Econômica e
Social.
Antes de adentrar no mérito da
controvérsia, reputa-se relevante destacar o panorama econômico e social da
atividade do agronegócio brasileiro. Conquanto divulgada sua importância para
composição do PIB (Produto Interno Bruto), quando há querelas de repercussão econômica,
como esta ora em debate, impõe-se examinar determinados e específicos dados
estatísticos acerca do agronegócio, sejam eles oficiais - oriundos do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - ou de entidades que
representam o setor - Confederação Nacional da Agricultura - os quais
confirmam, de maneira objetiva e escorreita, a representatividade e relevância
social do agronegócio na economia do país, porquanto os números, de fato, são
superlativos.
Segundo referenciais fornecidos
pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, no ano de 2016, a soma de
bens e serviços gerados pelo agronegócio chegou a R$ 1,3 trilhão, equivalente a
23,6% do PIB brasileiro, valendo frisar, por oportuno, a participação, cada vez
maior em tais números, da produção e exportação de grãos de soja, cujo valor
bruto de produção (VBP) alcançou o importe, em 2018, de R$ 127,7 bilhões de reais.
Confira-se: "cnabrasil.org.br/cna/panorama-do-agro." (acesso em
24/09/2019)
Além disso, informações
publicadas na página oficial do Ministério da Agricultura e Abastecimento
indicam que, na safra de 2017/2018, a área total de plantações no Brasil
alcançou o patamar de 61,7 milhões de hectares, resultando em colheita de grãos
de 227,8 milhões de toneladas. Para o ano de 2019, espera-se o aumento da
produtividade, de modo a resultar em 234,1 milhões de toneladas colhidas, em
espaço territorial plantado de 62,6 milhões de hectares.
"agricultura.gov.br/assuntos/politica-agricola/agropecuaria-brasileira-em-numeros."
Ou seja, é previsto o aumento na colheita de grãos, com pequeno incremento
da área plantada, demonstrando-se, uma vez mais, a altíssima capacidade
produtiva do agronegócio, resultado, sem dúvida, da excelente qualidade dos
agricultores brasileiros, aliada às
inovações tecnológicas existentes nos insumos por estes utilizados (máquinas,
implementos agrícolas), bem como, destacadamente, a eficiência produtiva das sementes que, na hipótese dos autos, foram, de maneira incontroversa (fls.
2170/2216), desenvolvidas pelas ora recorridas e são capazes de resistir, com
maior eficácia, aos efeitos dos defensivos agrícolas, em especial, o glifosato,
propiciando, assim, melhor produtividade da lavoura sem, contudo, aumentar o
espaço territorial cultivado.
É
importante ressaltar
essa perspectiva: a parceria existente
entre o homem do campo, com sua expertise,
seu labor e dedicação e o acesso a insumos agrícolas de alta capacidade
produtiva releva-se absolutamente exitosa,
sustentando, em grande parte, a composição do PIB Nacional, especialmente
nos últimos anos em que, cediço, a economia do país enfrentou e ainda enfrenta
dificuldades de recuperação. (cf. Lenta
recuperacao da economia brasileira reflete problemas estruturais. Disponível
em: https://www.poder360.com.br; PIB do Brasil
só recuperou 30% do que foi perdido
na crise econômica. Disponível
em:https://exame.abril.com.br/economia/pib-do-brasil-so-recuperou-30-do-que-foi-perdi
do-na-crise-economica. Acesso em 25/09/2019; Ipea prevê recuperação econômica gradativa a partir de 2020. Disponível
em:
https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/06/27/ipea-preve-recuperacao-economica-g
radativa-a-partir-de-2020.ghtml. Acesso em 25/09/2019; Economia brasileira mostra ritmo fraco
de crescimento neste 3º trimestre. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/economia-brasileira-mostra-ritmo-fraco-de-crescimento-neste-3o-trimestre.shtml.
Acesso em 25/09/2019).
Nesse contexto, vale destacar
que, atualmente, o agronegócio emprega 1 em cada 3 trabalhadores brasileiros,
segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios - PNAD, elaborado
pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Vide: "https://www.cnabrasil.org.br/cna/panorama-do-agro"
(Acesso em 25/09/2019).
Evidentemente,
aliada à
questão econômica - e sua representatividade na composição do PIB Nacional -, e
social - fundamentada na existência de postos de trabalhos -, encontra-se a
necessidade de se observar a sustentabilidade ambiental, esta traduzida na
exigência, prevista nos artigos 3º, II, e 12, ambos do Novo Código Florestal
(Lei n.º 12.561/12), os quais, respectivamente, contêm previsão de manutenção,
tanto de áreas de preservação permanentes, bem como de reservas legais, de modo
a reafirmar a importância da função estratégica do agronegócio, aliado ao
necessário respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a teor da
exigência constitucional (art. 225, da CF).
Essas circunstâncias, vistas em conjunto, traduzem,
inegavelmente, o sucesso da parceria entre os produtores rurais (pequenos,
médios e grandes) e o desenvolvimento tecnológico, aqui demonstrado, pela soja
transgênica denominada Roundup Ready (soja
RR), criada e patenteada pelas ora recorridas e disponibilizada aos
agricultores por meio do pagamento de royalties, cuja observância é medida que
se impõe, nos termos do voto proferido pela e. Relatora.
3.
Do mérito recursal - delimitação
normativa:
No que concerne à questão de
mérito alçada neste recurso, observa-se que a discussão cinge-se, basicamente,
em saber se a utilização de biotecnologia pelos produtores rurais,
consubstanciada no cultivo de soja geneticamente modificada por intermédio da
tecnologia conhecida como soja RR, submete-se à disciplina da Lei nº 9.279/96,
que trata da proteção industrial, ou à Lei nº 9.456/97, que estabelece as
diretrizes sobre a proteção de cultivares.
Definir a conformação legal
sobre o tema implicará no exame acerca da necessidade, ou não, de os produtores
terem que pagar uma denominada “taxa tecnológica”, consubstanciada em royalties, tanto sobre as sementes que
reservam para si após a colheita, quanto sobre aquelas destinadas ao
pós-plantio.
Daí o cerne da controvérsia
porquanto, de um lado, aos recorrentes parece correto sustentar que os
referidos royalties foram pagos
quando da aquisição das sementes, nada mais sendo devido pelos produtores, seja
quando reservam grãos, seja quando os utilizam para replantio, nos termos
preconizados na Lei de Proteção de Cultivares. De outro lado, a recorrida
expressa fundamento no sentido de que a utilização da Soja RR, pelos produtores
rurais, enseja o pagamento de royalties, tanto
na aquisição dos grãos, quanto na sua eventual reserva e no pós-plantio, nos
termos da Lei de Proteção Industrial.
Nesse contexto, é incontroverso
que a recorrida - MONSANTO - detém a patente de invenção (registrada no INPI
sob n.º PI 110008-82), cuja inovação biotecnológica introduz modificações
genéticas nas sementes de soja, tornando-a resistente a defensivos agrícolas,
em especial, o glifosato, aumentando, por conseguinte, a produtividade por
hectare plantado com esse insumo. Ou seja: introduziu-se, por técnica
inovadora, melhoramento na estrutura íntima da soja, cujo resultado foi o
aparecimento de uma variedade desse vegetal com melhor desenvolvimento,
sobretudo em relação ao enfrentamento de determinados agentes biológicos
artificiais (glifosato) e/ou naturais (pragas orgânicas).
Com efeito, cumpre gizar que o
art. 18, da Lei de Patentes estabelece in
verbis: Art. 18. Não são patenteáveis: (...) III - o todo ou parte dos seres
vivos, exceto os micro-organismos
transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade,
atividade inventiva e aplicação industrial, previsto no art. 8º e que não sejam
mera descoberta." (grifos nossos) O parágrafo único do referido
dispositivo, complementa essa disposição ao definir que microorganismos
transgênicos são aqueles "organismos
que expressam, mediante intervenção humana direta em sua composição genética,
uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições
naturais." (grifos nossos)
Daí a consequência lógica e
inexorável no sentido de que, se o processo inventivo biotecnológico subjacente
às sementes RR é patenteável - tanto que o próprio INPI concedeu o registro n.º
110008-82 - em razão da expressa exceção contida no dispositivo
supramencionado, não há como excluir dessa possibilidade os efeitos decorrentes
da proteção industrial, atinentes à defesa da patente, consoante dispõem os
artigos 209 e 210, da Lei n.º 9.279/1996, quais sejam, a autorização de uso,
bem como o pagamento de royalties.
A corroborar essa conclusão, a
doutrina especializa sustenta "(...)
Se uma patente é concedida, o titular do produto ou processo patenteado goza de
ampla gama de direitos exclusivos conferindo ao seu titular o direito de
impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda,
vender ou importar seu produto." (ut. OLIVEIRA
NETO, Geraldo Honório. Manual de
direito das patentes. São Paulo: Pilares, 2017, p. 171-173). Com outras
palavras, mantendo-se, contudo, a ideia central, veja-se: "(...) O registro torna certa a data da apropriação da patente e
fixa os seus elementos, além de fazer público o ato da apropriação. Mas o seu
efeito principal, como declara a lei, é assegurar ao seu titular o direito ao
uso exclusivo da patente e, como consequencia, o direito de impedir que outros
a empreguem para o mesmo fim.[...] Assegurando ao proprietário da patente o
direito ao seu uso exclusivo, o registro fixa, ao mesmo tempo, a extensão desse
direito. A lei protege tudo o que se acha compreendido no registro no que
respeita à composição da patente como no que se refere às suas
aplicações." (ut. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da
Propriedade Industrial. Vol. 2. Tomo
2. Parte 3. Rio de Janeiro: Revista Forense,1956, p. 76-77)
Na mesma linha, vale conferir os
estudos de: MANARA, Cecília. ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva; MORAES, Rodrigo
(Coords.). Propriedade intelectual em
perspectiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 10-11; BARBOSA, Denis
Borges. Tratado da propriedade
intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 516-518; BARBOSA, Denis
Borges. Sinais distintivos e tutela
judicial e administrativa: o direito constitucional dos signos distintivos.
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 10-11.
A propósito, precedentes da Casa
perfilham conclusões semelhantes, exaradas em casos análogos, consoante as
seguintes ementas:
RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE
INTELECTUAL. MEDICAMENTOS. PATENTE MAILBOX. SISTEMA TRANSITÓRIO. ACORDO TRIPS.
PRAZO DE VIGÊNCIA. REGRA ESPECÍFICA. 20 ANOS CONTADOS DA DATA DO DEPÓSITO.
INPI. DESRESPEITO AO PRAZO LEGAL DE ANÁLISE. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS. AUSÊNCIA
DE PREVISÃO LEGAL. IMPOSIÇÃO DOS ÔNUS DECORRENTES DA DEMORA À SOCIEDADE.
AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA. NÃO
OCORRÊNCIA. INTERPRETAÇÃO PASSÍVEL DE GERAR TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO A
SETORES TECNOLÓGICOS ESPECÍFICOS. TRATADO INTERNACIONAL E LEI INTERNA. PARIDADE
HIERÁRQUICA. PRECEDENTE DO STF.
(...)
10-
O
autor do invento possui tutela legal que lhe garante impedir o uso, por
terceiros, do produto ou processo referente ao requerimento depositado, além de
indenização por exploração indevida de seu objeto, a partir da data da
publicação do pedido (e não apenas a partir do momento em que a patente é
concedida).
Dessa
forma, apesar da expedição tardia da carta-patente pelo INPI, a invenção do
recorrente não esteve, em absoluto, desprovida de amparo jurídico durante esse
lapso temporal.
11-
Recurso
especial não provido.
REsp 1721711 / RJ, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe de 20/04/2018.
(grifos nossos)
AGRAVO INTERNO NO RECURSO
ESPECIAL. CIVIL E EMPRESARIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. USO INDEVIDO.
VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73. INEXISTÊNCIA. DANOS MORAIS. PRESUNÇÃO. AGRAVO
INTERNO NÃO PROVIDO.
[...] 3. A
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de
que, na hipótese de contrafação de marca, a procedência do pedido de condenação
do falsificador em danos materiais e morais deriva diretamente da prova que
revele a existência de contrafação.
4.
No
caso dos autos, a Corte de origem, analisando o acervo fático-probatório dos
autos, reconheceu o uso indevido de marca pela agravante, que adotou a expressão
de uso exclusivo da agravada, não especificando que se tratava de película
escurecedora, porém não produzida pela empresa autora, o que impõe o dever de
indenizar.
5.
Agravo
interno a que se nega provimento.
AgInt no REsp
1444464/SP, Rel. Ministro
RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado
em 28/11/2017, DJe 15/12/2017.
COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL.
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PATENTE. CONTRAFAÇÃO. INDENIZAÇÃO DEVIDA.
DESPROVIMENTO. I. "Na
hipótese de contrafação de marca, a procedência do pedido de condenação do
falsificador em danos materiais deriva diretamente da prova que revele a
existência de contrafação, independentemente de ter sido, o produto
falsificado, efetivamente comercializado ou não." (3ª Turma, REsp n.
466.761/RJ, Relatora Ministra Nancy Andrighi, unânime, DJU de 04.08.2003). II. Agravo
regimental desprovido.
AgRg no REsp 1097702/RS, Rel.
Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR,
QUARTA TURMA, julgado em
03/08/2010, DJe 30/08/2010
E
ainda: REsp
1327773/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 28/11/2017, DJe 15/02/2018; AgRg no REsp 1396962/BA,
Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 21/08/2014, DJe 01/09/2014; REsp 1281448/SP, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe 08/09/2014.
Por
sua vez, a
variedade vegetal denominada cultivar é assim definida pelo art. 3º, IV, da Lei
de Cultivares: "(...) Art. 3º.
Considera-se, para os efeitos desta lei: (...) IV - cultivar: a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal
superior que seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por
margem mínima de descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea e
estável quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie
passível de uso complexo agro-florestal, descrita em publicação especializada
disponível e acessível ao público, bem como a linhagem componente de
híbridos." (grifos nossos) Ademais,
o art. 2º, da referida lei estabelece que "(...) A proteção dos direitos relativos à propriedade intelectual referente a
cultivar se efetua mediante a concessão de Certificado de Proteção de Cultivar,
considerado bem móvel para todos os efeitos legais e a única forma de proteção
de cultivares e de direito que poderá obstar a livre utilização de plantas ou
de suas partes de reprodução ou de multiplicação vegetativa, no País." Finalmente, a redação do art. 8º, da Lei de
Cultivares preconiza que "(...)
A proteção da cultivar recairá sobre o material de reprodução ou de
multiplicação vegetativa da planta inteira." (grifos nossos)
Desse modo, é importante
registrar, em síntese, que a Lei n.º 9.456/97 objetiva amparar - por meio da concessão do Certificado de Proteção de
Cultivar - e estimular o agricultor
no desenvolvimento e melhoramento genético de plantas (cultivares) quando da
realização, por exemplo, do cruzamento de espécies distintas e/ou inserção de
elementos orgânicos novos, com o desiderato de melhor adaptá-las às variadas
condições de solo, clima e regiões do país, de modo a possibilitar o incremento
na produtividade da lavoura.
Nesse sentido, confiram-se
estudos da doutrina especializada: Vasconcelos Neto, Orlando. Lei de Proteção
de Cultivares. Melhoramento de Espécies
Cultivadas. Revista da Universidade Federal de Viçosa/MG, 2009, p. 769-777;
Galvão, Paulo André Martins. Direitos de
Propriedade intelectual em inovações vegetais arbóreas para plantios florestais
no Brasil. Ed. Colombo. Embrapa Florestas, 2001, p. 41.
Assim, é possível inferir que a
lei de cultivares busca proteger/fomentar
o desenvolvimento da planta por meio da atuação do agricultor melhorista,
consistente no aprimoramento de elementos vegetais de plantas já existentes na
natureza, levando-se em conta seus atributos, propriedades e qualidades
originárias para fins de "multiplicação vegetativa da planta
inteira", consoante dispõe a parte final do art. 8º da referida lei de
regência da matéria.
A seu turno, conforme já
destacado, o art. 18, III, parágrafo único, da Lei de Propriedade Industrial confere àquele que demonstrar, perante
o INPI, a criação biotecnológica - consubstanciada no desenvolvimento de "organismos que expressam, mediante
intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica
normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais " - a
concessão do registro de patente e, por conseguinte, de seus consectários
legais.
Em
outras palavras,
por um lado, enquanto a Lei n.º 9.456/97 aplica-se àquele que possui o
Certificado de Proteção Cultivar, obtido perante o Ministério da Agricultura,
com prazo de validade de 10 (dez) anos, a fim de fomentar a reprodução e/ou
desenvolvimento vegetativo da planta inteira e, por imperativo lógico, já existentes na natureza. Por outro
lado, na lei de propriedade industrial exige-se que a obtenção do registro deve
ser realizada pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI, após
demonstração de seus correlatos requisitos - novidade, atividade inventiva e
aplicação industrial - cuja validade varia de 10 a 20 anos, a teor do art. 40,
do referido normativo, e tem como objeto a proteção de microorganismos geneticamente modificados pela
atuação/intervenção humana "(...) não
alcancável pela espécie em condições naturais." Assim, os objetos de
proteção dos referidos instrumentos normativos - lei de cultivares e a lei de
propriedade industrial - de fato, são distintos.
Contudo, quando da aplicação dos
regramentos ora em tela, o intérprete deverá observar o caráter complementar existente entre os
referidos comandos normativos, conforme indicou o próprio Relator da matéria no
âmbito do Senado Federal
- Senador Jonas Pinheiro - ao
apresentar, perante a Comissão de Assuntos Econômicos, material legislativo com
a exposição dos objetivos da Lei de Cultivares - juntado às fls. 246/248 dos
presentes autos - preconizando orientação segundo a qual "(...) A Lei de Proteção de Cultivares se complementa à Lei de Propriedade
Industrial (Lei de Patentes), recentemente aprovada" (grifos nossos).
De rigor, portanto, que na
hipótese de atuação dos agricultores (melhoristas) no desenvolvimento de
cultivares, seu replantio, a reserva de sementes para utilização e/ou
comercialização futura, impõe-se, em tais condutas, seja observada e respeitada
a existência de patentes - como identificada na hipótese dos autos - e os
consectários daí decorrentes, como a autorização de uso de seu titular, bem
como o recolhimento de royalties e
eventual indenização por utilização indevida,
consoante dispõe a Lei de Patentes, em seus artigos 2º, 41, 42, 43 e 44.
Assim, sem deixar de estimular o
agricultor no desenvolvimento e melhoramento genético de plantas (cultivares),
com o objeto de melhor adaptá-las às variadas condições de solo, clima e
regiões do país, de modo a possibilitar o incremento na produtividade da
lavoura, de rigor a observância da eventual existência de patente de invenção,
devidamente registrada no INPI, a incidir sobre sementes utilizadas na
atividade do melhorista.
Portanto,
demonstrada
perante o INPI o exercício de uma atividade inventiva, esta compreendida no conceito
segundo o qual trata-se "(...) de
uma criação da inteligência humana, que se utiliza das forças naturais para a
solução efetiva de um problema novo e que visa à satisfação das necessidades
práticas ou de ordem técnica da humanidade." (ut. LOUREIRO, Luiz Guilherme. Patente e biotecnologia. Revista de
Direito Mercantil, São Paulo. n.º 216, p. 209), exige-se o respeito à Lei de
Patentes, especialmente, no caso dos autos em que, de maneira incontroversa, a patente das ora recorridas foi concedida
pelo INPI porque ficou demonstrado que as mesmas comprovaram o desenvolvimento
inventivo consistente em "um
conjunto de elementos genéticos organizados estruturalmente e ligados para
codificar uma proteína com ação enzimática que confira tolerância ao herbicida
glifosato.", consoante a carta de patentes juntadas às fls. 2170/2216.
Sendo
assim, na
hipótese de se constatar que, no exercício da atividade laboral do
melhorista/agricultor, no desenvolvimento de cultivares a fim de obter a
multiplicação vegetativa da planta inteira, a teor do art. 8º da Lei de
Cultivares, houve a utilização de elementos decorrentes de processo inventivo,
obtidos mediante o exercício de atividade inovadora, com aplicação industrial -
tal como na hipótese dos autos em relação à soja Roundup Ready (RR) - e devidamente patenteado pelo INPI, há que se
respeitar de maneira rigorosa e estrita a Lei de Propriedade Industrial e seus
consectários, impondo-se, por conseguinte, a concessão de autorização de uso de
seus respectivos titulares, bem como o pagamento de royalties, de modo a demonstrar, segundo escólio doutrinário, o
"(...) balanceamento equitativo de
direitos e obrigações, entre produtores e usuários de tecnologia, numa forma
que conduza ao bem estar econômico e social." (ut. BARBOSA, Denis Borges.
Propriedade Intelectual: a aplicação do acordo TRIPs. 2ª Edição. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 58/59.).
Na mesma linha, confira-se: LOUREIRO, Luiz Guilherme. Patente e
biotecnologia. Revista de Direito Mercantil, São Paulo. n.º 216, p. 23-24; FIGUEIREDO, Luciana. Patentes em
biotecnologia. Revista de Biotecnologia, Ciência e Desenvolvimento. n. 36, p.
34, 2016.
Sendo
assim,
exigindo-se do interessado ao registro de patente a efetiva demonstração de um
resultado criativo - e não simples descoberta de algo já existente na natureza
- que traga consigo a possibilidade de exploração industrial, é necessário,
portanto, superado esse procedimento administrativo, a devida proteção ao
inventor.
Com esse norte hermenêutico, é incontroverso, na hipótese dos autos
(fls. 3/5, 451/518, 5308/5335), a utilização
pelos ora recorrentes, no exercício da atividade de melhoramento de
sementes (cultivares), em suas varias formas (plantio, replantio, reserva,
cruzamento, etc), de elementos genéticos decorrentes de processo inventivo,
obtidos em favor das ora recorridas, mediante o exercício de atividade
inovadora e devidamente patenteado pelo INPI, sendo de rigor, consoante
destacado alhures, observância à Lei de Propriedade Industrial (Lei n.º
9.279/96), exigindo-se, por conseguinte, a autorização de uso de seus
respectivos titulares, bem como o pagamento de royalties.
4.
Do exposto,
acompanha-se o voto proferido pela e. Relatora, Min. Nancy
Andrighi.
É o voto.