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BR026-j

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Tribunal de Justiça de São Paul, Apelação Cível 1010396-44.2014.8.26.0223, Relator (a): Costa Netto, julgado em 11 dezembro 2018

br026-jpt

 

Registro: 2018.0001011572

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1010396-44.2014.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que é apelante/apelado MICROSOFT CORPORATION, é apelado/apelante GUARASEG INDÚSTRIA E SERVIÇOS LTDA..

 

ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso e negaram provimento ao recurso adesivo. v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

 

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores COSTA NETTO (Presidente), EDSON LUIZ DE QUEIROZ E ANGELA LOPES.

 

São Paulo, 11 de dezembro de 2018.

 

COSTA NETTO RELATOR
Assinatura Eletrônica

 

Apelação nº 1010396-44.2014.8.26.0223

 

Apelante/Apelado: MICROSOFT CORPORATION Apelado/Apelante: GUARASEG INDÚSTRIA E SERVIÇOS LTDA.
Comarca: Guarujá
Juiz:
Gustavo Gonçalves Alvarez
Voto nº 6130
Juiz:
Gustavo Gonçalves Alvarez

 

Direito Autoral. Responsabilidade Civil. Utilização indevida de softwares. Violação de direito autoral. Procedência. Ação precedida de cautelar de antecipação de provas. Constatação de utilização indevida de programas de computador sem licença dos titulares de direito autoral. Perícia devidamente realizada. Ato ilícito configurado. Discussão acerca da reciprocidade em relação à proteção ao direito autoral de software a estrangeiros. Proteção que decorre da Convenção de Berna, bem como dos regimes legais decorrentes da Lei 9.609/98 e da Lei 9.610/98. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Cerceamento de defesa não configurado. Preliminares afastadas. Indenização devida. Interposição de recurso pela autora pleiteando a majoração do valor indenizatório. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Entendimento no sentido de que em casos de utilização indevida de programas de computador, a indenização deve ser fixada em favor do titular dos direitos autorais no equivalente ao décuplo do valor de mercado de cada programa utilizado sem a devida licença. Inteligência do art. 102 da Lei 9.610/98. Caráter punitivo e pedagógico da indenização. Sucumbência integral. Recurso principal provido, desprovido o recurso adesivo.

 

Trata-se de recursos de apelação contra sentença, proferida nos autos da ação de indenização proposta por Microsoft Corporation em fase de Guaraseg Indústria e Serviços Ltda, que julgou parcialmente procedente a ação condenando a empresa ré ao pagamento da quantia de R$ 17.340,08 (dezessete mil, trezentos e quarenta reais e oito centavos), corrigido monetariamente a partir da distribuição da ação, com acréscimo de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, contados a partir da citação, determinando o rateio das custas processuais e compensação dos honorários advocatícios.

 

Recorrem as partes, sendo adesivo o recurso do réu.

 

Alega a autora, Microsoft Corporation, necessidade de reformar o julgado quanto ao valor indenizatório error in judicando, bem como quanto à verba sucumbencial. Discorre sobre o caráter punitivo da indenização. Assevera que a limitação da condenação ao pagamento do valor de mercado dos programas não protege os interesses do autor, ao contrário, subtrai da norma sua função protetiva e contraria o art. 102 da Lei 9.610/98. Informa que a responsabilidade civil prevista no art. 102 da lei autoral não pode ser interpretada como fator limitador para aplicação de indenização punitiva. Argumenta que o aludido dispositivo tem evidente caráter sancionatório. Sugere, para tal fim, que o montante indenizatório seja fixado em 10 (dez) vezes o valor dos produtos irregulares. Quanto aos juros, pleiteia a aplicação do termo inicial a partir do evento danoso, Súmula 54 do STJ, ou seja, no dia em que foi cumprido o mandado de vistoria, busca e apreensão. Requer a condenação integral da apelada ao pagamento da verba honorária, nos termos do art. 20 do CPC.

 

Recorre adesivamente a ré. Pleiteia a reforma do julgado para que lhe seja afastada a condenação, reduzida ou, ao menos, compensados os valores destinados à compra de novos e modernos softwares. Inicialmente, requer o acolhimento das preliminares afastadas pela r. sentença. Invoca carência da ação. Discorre sobre: a ausência de reciprocidade do direito invocado entre legislação brasileira e americana (art.2º, §4º, da Lei 9.609/98) alertando sobre a falta de documentos indispensáveis à propositura da ação; ausência de prova da titularidade dos programas de softwares - item 32 (68/69) impugnando os valores; ausência de prova do valor real dos programas; ausência de prova pericial conclusiva, homologada judicialmente; ausência de documentos traduzidos por tradutor juramentado (art. 157, CPC). Postula a aplicação dos artigos 14 da Lei 9.609/98 e 102 da Lei 9.610/98. Defende o cerceamento de defesa, por não ter participado da prova pericial. Informa ter adquirido todos os programas de última geração desembolsando o valor de R$12.288,80 e R$2.668,44, fls. 322/324, pleiteando o abatimento de tais valores em eventual condenação. Questiona a condenação alegando punição excessiva, alertando que os softwares eram obsoletos, sem nenhum valor. Requer, assim, sejam acolhidas as preliminares para que seja anulada a sentença para reabertura de nova instrução ou, no mérito, que seja julgada improcedente a ação, ou, que seja reduzida proporcionalmente a condenação e que seja proceda a compensação dos valores desembolsados e o prequestionamento dos arts.157 e 332 do CPC, arts. 187 e 212 do Código Civil e art. 5º LV da CF.

 

Às fls. 427/436 e 440/451, vieram contrarrazões recursais.

 

É o relatório.

 

Inicialmente, insta consignar que a presente ação de indenização foi antecedida de ação cautelar de produção antecipada de provas, questão prejudicial à analise do mérito da ação principal, a qual foi julgada procedente, homologando a prova pericial realizada. Dessa sentença a ré, Guaraseg, interpôs recurso de apelação (processo nr. 0013630-22.2012.8.26.0223), o qual foi desprovido por meio do acórdão julgado em 07.03.2017, de relatoria do Desembargador José Aparício Coelho Prado Neto. Na sequência, diante da inadmissibilidade do Recurso Especial interposto pela ré, sobreveio o Agravo da referida decisão (Agravo em Recurso Especial nº 1.363.460-SP), o qual não foi conhecido por decisão proferida em 02.10.2018 pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro João Otávio de Noronha, cuja informação sobre o trânsito em julgado ocorreu em 13/11/2018, conforme consta do andamento processual. Sendo a cautelar questão prejudicial antecedente à analise do mérito da presente ação, aguardou-se o seu desfecho, para a análise da presente ação, como agora passa a ser feito.

 

Feitas essas considerações, passa-se a análise de ambos os recursos.

 

Das preliminares arguidas no recurso adesivo interposto pela ré.

 

Por proemio, afastam-se as preliminares arguidas. Não há que se falar em carência de ação.

 

A dialética processual demonstra que a ação foi suficientemente instruída de forma a possibilitar o exercício do direito de defesa da ré, o qual, diga-se, foi amplamente exercido, conforme se infere dos autos.

 

A presente ação indenizatória foi precedida de ação cautelar preparatória de produção antecipada de provas, para fins de se constatar por meio de laudo pericial (fls.98/190) a situação denunciada de utilização irregular de programas de computador sem a necessária licença de uso.

 

Ao contrário do alegado pela ré-apelante, a prova pericial produzida em sede cautelar foi devidamente homologada (fls.199/201), surtindo os regulares efeitos legais para os fins almejados. Naqueles autos, a requerida foi citada e ofertou contestação pertinente (fls.199).

 

Diversamente do alegado pela ré, a farta documentação carreada aos autos (cautelar e ação principan( �/span> foi suficiente para a intelecção do pedido e da causa de pedir, tanto assim que atingiu a sua finalidade proporcionando, inclusive, à ré o exercício do direito de defesa.

 

Nesse contexto, de acordo com o princípio do aproveitamento dos atos processuais ou pas nullité sans grief, não se constata mácula ou irregularidades no ato que atingiu a sua finalidade.

 

Consigne-se também que o destinatário das provas é o magistrado de maneira que, em atenção ao princípio do livre convencimento ou persuasão racional, dando-se por satisfeito, poderá o magistrado, chamar o feito a julgamento, conforme preconiza a lei.

 

Neste sentido, anota Theotônio Negrão:

 

"Constantes dos autos elementos de prova documental suficientes para formar o convencimento do julgador, inocorre cerceamento de defesa se julgada antecipadamente a controvérsia" 1.

 

Com efeito, cumpre destacar que as aludidas preliminares já foram objeto de decisão no acórdão proferido na apelação nº 0013630-22.2012.8.26.0223, interposta pela ré Guaraseg Indústria e Serviços Ltda, em face da Microsoft Corporation e outra, contra sentença proferida na ação cautelar de produção de provas ajuizada pela Microsoft Corporation. Ao afastar a preliminar de cerceamento de defesa e de nulidade da prova pericial, aludida pela ré Guaraseg, consignou o insigne relator Desembargador José Aparício Coelho Prado Neto:

 

"No caso em tela, as provas eram eminentemente documentais, de modo que deveriam ter sido apresentadas com a inicial ou contestação, nos termos do art. 434 do Novo Código de Processo Civil. A Ré deveria ter trazido aos autos, portanto, os contratos de licença para uso dos mencionados "softwares", mas não o fez, com o que não há que se falar em violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

 

(...)

 

Também não prospera a alegada nulidade do laudo pericial, pois a prova pericial realizada, que comprovou a utilização indevida, por parte da empresa ré de 19 (dezenove) programas de computador (softwares) sem a devida autorização, foi acompanhada pelo funcionário da ré, Oswaldo Martins Neves Junior, pelos peritos e também pelo oficial de justiça (cfr. Fls.638), não se vislumbrando, portanto, qualquer lesão ou prejuízo à apelante, não havendo que se falar em nulidade da prova produzida de forma antecipada."

 

Registre-se também que a prova pericial foi conclusiva, devidamente homologada pela sentença que julgou procedente a ação de antecipação de provas, confirmada em sede recursal, não sendo admitido o Recurso Especial, conforme já exposto.

 

Portanto, não há que se falar em carência de ação e tampouco cerceamento de defesa, afastando-se as preliminares arguidas.

 

Quanto ao mérito: Do recurso adesivo:

 

No que tange à alegada inexistência de reciprocidade, as alegações da ré Guaraseg não se sustentam.

 

A Convenção de Berna, em 1886, consagrou de forma ampla e definitiva os direitos de autor em todo o mundo.

 

Em vigência desde 5/12/1887 até hoje, foi objeto de dois aditamentos e cinco revisões: Aditamentos: (a) em 4/5/1896, em Paris; e (b) em 20/3/1914, em Berna. Revisões: (a) em 13/11/1908, em Berlim; (b) em 2/6/1928, em Roma; (c) em 26/6/1948, em Bruxelas; (d) em 14/7/1967, em Estocolmo; e (e) em 24/6/1971, em Paris.

 

Dessa forma, naturalmente, o texto da Convenção de Berna em vigor nos dias atuais é o correspondente à sua última revisão (1971), com as modificações inseridas em 28/9/1979. É certo que, apesar desses aperfeiçoamentos periódicos, os Estados Unidos e a União Soviética não haviam, originariamente, integrado a denominada União de Berna e, em iniciativa de estabelecer regras internacionais mais adequadas ao regime anglo-americano de copyright, vieram a se juntar aos demais países na Convenção Universal, realizada em 1952, em Genebra, revista na mesma época da revisão de 1971 da Convenção de Berna, em Paris.

 

Portanto, no campo dos direitos de autor, duas convenções regulam internacionalmente a matéria: a de Berna e a Universal, embora, com amplo domínio da primeira, e o atendimento integrado por 184 países.

 

Assim, a partir de 1886, as legislações internas dos países que aderiram à Convenção de Berna, que incluiu o Brasil, foram se aproximando umas das outras no caminho da orientação jurídica francesa, com a agilidade necessária ao adequado acompanhamento do desenvolvimento da tecnologia e, especialmente, dos meios de comunicação.

 

Registre-se que o Brasil, de forma precursora, aderiu originalmente à Convenção de Berna em 9/2/1922, seis anos antes do Canadá, que aderiu em 1928, e mais de quatro décadas antes dos demais países do continente americano; Argentina, Uruguai e México somente aderiram em 1967, o Chile em 1970; seguindo-se os outros países do nosso continente. Os Estados Unidos da América, mentores da Convenção Universal de 1952, somente aderiram à Convenção de Berna em 1/3/1989, 67 anos depois do Brasil.

 

Além disso, a questão da reciprocidade já foi afastada pelo Superior Tribunal de Justiça ao consignar ser "desnecessária a comprovação da reciprocidade em relação à proteção ao direito autoral de software a estrangeiros, pois o Brasil e os Estados Unidos, na condição de subscritores da Convenção de Berna, respectivamente, pelo Decreto n. 75.699, de 6.5.19752, e Ato de implementação de 1988, de 31.10.1988, adotam o regime de proteção a programas de computador", entendimento sedimentado no REsp 913008/RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Rel. p/ Acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 25/08/2009, DJe 19/10/2009.

 

A respeito, dispõe o artigo 2º, § 4º, da Lei nº 9.609/98:

 

"Os direitos atribuídos por esta Lei ficam assegurados aos estrangeiros domiciliados no exterior, desde que o país de origem do programa conceda, aos brasileiros e estrangeiros domiciliados no Brasil, direitos equivalentes."

 

Prestigiando esse entendimento, esclareceu o eminente Min. João Otávio de Noronha:

 

"tendo o Brasil e os Estados Unidos, na condição de subscritores da Convenção de Berna, respectivamente, pelo Decreto n. 75.699, de 6.5.1975, e Ato de Implementação de 1988, de 31.10.1988, adotado o regime de proteção a programas de computador, estes guindados à condição de obras literárias, posta-se salvo de dúvidas a corporificação da reciprocidade, o que torna desnecessária a comprovação, na espécie, de proteção ao direito autoral de software a estrangeiros instituída no ordenamento jurídico norte-americano.

 

Vale aduzir que, mesmo antes da edição das Leis ns. 9.609/98 e 9.610/98, a diretriz jurisprudencial, no Brasil, já vinha se posicionando em plena sintonia com a proteção conferida aos programas de computador pelos Estados Unidos da América, fundada, obviamente, na aplicação do princípio da reciprocidade."(REsp nº 913.008 RJ)

 

Ademais, na trilha da orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, o regime de proteção dos programas de computador, regido pelas Leis nº 9.609/98 e 9.610/98, é o mesmo conferido à proteção das obras literárias. Nesse sentido: REsp nº 768.783-RS, relator Ministro Humberto Gomes de Barros; Resp nº 443.119-RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi.

 

Ao contrário do alegado pela Ré, as provas acostadas são suficientemente claras a apontar a existência de ato ilícito comprovado pela utilização de programas de computador sem a respectiva licença de uso.

 

Segundo apontado no laudo, e após os devidos esclarecimentos prestados pelos peritos, a ré reproduziu e utilizou 19 (dezenove) programas de computador de titularidade da Microsoft Corporation sem a devida autorização.

 

A relação dos programas de computador de titularidade da Microsoft, copiados e instalados nos computadores da ré de forma irregular constaram na seguinte listagem laudo pericial, fls.194:

 

"A requerida não apresentou qualquer tipo de licença, assumindo total responsabilidade pelos softwares da empresa.

 

Ao final da perícia as licenças não foram apresentadas, conformando o uso irregular dos softwares da autora na empresa da ré.

 

(b) Os softwares da autora encontrados sem a licença apresentada, ou seja, usados de forma irregular pela ré estão listados abaixo:

 

01 (um) sistema operacional (programa) Microsoft Windows Server 2003 Standard Edition Service Pack 1 (buld 3790)

 

4 (quatro) sistemas operacionais (programas) Microsoft Winsows XP Professional Service Pack 3 (buid 2600)

 

4 (quatro) sistemas operacionais (programas) Microsoft Winsows 7 Ultimate (buid 7600)

 

1 (um) sistema operacional (programa) Microsoft Windows 7 Home (x64 buid 7601)

 

9 (nove) aplicativos (programas) Microsoft Office Enterprise 2007"

 

A reprodução desautorizada do software, por si só, implica em violação aos direitos de seu titular, evidenciando-se os prejuízos pela utilização indevida.

 

Além disso, a empresa ré reconhece o ilícito ao afirmar ter atualizado os programas de computador comprando novos softwares, pleiteando, inclusive abatimento no valor da condenação. Nesse aspecto, observou o MM. Juiz a quo: "a empresa ré alega utilizar em seus computadores versão mais simples do que a alegada pela parte autora, tornando incontrovertido nos autos a alegação de que a empresa ré, de fato, não possui a licença para a utilização do software de titularidade da empresa autora. Sem prejuízo, mesmo que os softwares mais simples sejam oferecidos de forma gratuita, não desincumbe aquele que o utiliza a possuir a respectiva licença para o seu uso." (fls.359)

 

Portanto, caracterizado o ato ilícito, devida é a indenização pelos danos decorrentes, cuja quantificação passará a ser analisada juntamente com o recurso da apelante Microsoft.

 

Quanto ao mérito do recurso da Microsoft Corporation

 

Insurge-se a recorrente, pleiteando, em síntese, a majoração do valor indenizatório, alegando error in judicando, bem como quanto à verba sucumbencial.

 

A sentença recorrida fixou indenização no valor de R$17.340,08, valor bruto de cada licença (fls.360).

 

Contudo, tal valor não encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que, em casos semelhantes, é firme no entendimento de que o valor indenizatório deve ser suficiente a possibilitar o ressarcimento ao titular dos direitos autorais, conforme se depreende do seguinte aresto:

 

"(...) o pagamento tão-somente do valor dos programas de computador que foram contrafaceados não indeniza, necessariamente, todos os prejuízos suportados pela vítima, tais como, dano material, dano moral e lucros cessantes. (...) A condenação no valor equivalente ao número de programas de computador contrafaceados não tem condições matemáticas de corresponder à expressão da lei art. 102 'sem prejuízo de indenização cabível'." (REsp nº 1.403.865/SP, 3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, 22.10.2007 - destacado)

 

Nesse sentido, insta consignar que a reparação de danos autorais, confrontando-a com a teoria tradicional da responsabilidade civil, apesar da convivência de fundamentos comuns, especialmente no plano da eqüidade, para fazer frente aos malefícios da violação aos direitos de autor, além do ressarcimento do ofendido medido pela extensão do dano impõe o efeito pedagógico trazido com a punição do ofensor.

 

Na discussão sobre a natureza jurídica dessa penalização, a avaliação doutrinária de alguns institutos, especialmente da "pena civil", dos "danos punitivos", do "valor do desestímulo" e do "enriquecimento ilícito", em suas variadas vertentes de entendimento e aplicação, demonstra que independentemente da denominação que tem recebido, a composição condenatória integrada pelo ressarcimento do ofendido, combinado com a punição pedagógica do infrator, no âmbito dos danos autorais- a tônica da nossa jurisprudência nas últimas décadas, tem se pautado judiciosamente pela assimilação da diretriz sancionatória expressa em nosso direito positivo (especialmente os artigos 102 a 110 da Lei 9.610/98, que regula os direitos autorais em nosso país) no sentido da ampla reparação do dano autoral sofrido pelo autor ou titular, conjuntamente com a penalização de natureza pecuniária civil exemplar do infrator 3 (devendo, inclusive, o "quantum" indenizatório ser adequado à capacidade econômica do ofensor para que a punição seja, efetivamente, sentida por este) a título de desestímulo à prática de novas violações aos direitos autorais.

 

O benefício econômico do ofensor pelo ilícito praticado como parâmetro indenizatório e uma punição que seja realmente sentida pelo infrator é fundamental para o desestímulo da violação de direito de autor. A respeito da amplitude da fixação indenizatória, o grande autoralista português, José Oliveira Ascensão, em sua monumental obra "Direito Autoral" cita o jurista brasileiro Fábio Maria de Mattia ("Estudos de Direito de Autor", pag. 87) para observar, também, que "havendo um cúmulo de infrações, cada utilização ou execução deve originar uma indenização diferente, pois os ilícitos acrescem uns aos outros e as indenizações são cumulativas" 4.

 

Nesse passo, o princípio de se impor ao causador do dano uma punição exemplar, proporcional ao dolo ou culpa com que se houve, e proporcional ao seu patrimônio consiste, exatamente, no direito brasileiro, como um dos parâmetros orientadores de fixação indenizatória para reparação de danos morais e patrimoniais 5 nas ofensas relacionadas a direitos autorais.

 

Especificamente no caso de programas de computador, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme ao impor a reparação integral do dano.

 

Nesse sentido:

 

"RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PROPRIEDADE INTELECTUAL. CONTRAFAÇÃO. PROGRAMAS DE COMPUTADOR (SOFTWARE). CARÁTER PUNITIVO E PEDAGÓGICO. ARTIGOS ANALISADOS: ART. 102 DA LEI 9.610/98. Ação de indenização ajuizada em 14.03.2003. Recurso especial concluso ao Gabinete em 20.08.2013. 2. Discussão relativa à adequação dos critérios utilizados para fixar a indenização devida, em razão da utilização ilegítima de softwares desenvolvidos pela recorrente. 3. A exegese do art. 102 da Lei de Direitos Autorais evidencia o caráter punitivo da indenização, ou seja, a intenção do legislador de que seja primordialmente aplicado com o escopo de inibir novas práticas semelhantes. 4. A mera compensação financeira mostra-se não apenas conivente com a conduta ilícita, mas estimula sua prática, tornando preferível assumir o risco de utilizar ilegalmente os programas, pois, se flagrado e processado, o infrator se verá obrigado, quanto muito, a pagar ao titular valor correspondente às licenças respectivas. 5. A quantificação da sanção a ser fixada para as hipóteses de uso indevido (ausente a comercialização) de obra protegida por direitos autorais não se encontra disciplinada pela Lei 9.610/ 98, de modo que deve o julgador, diante do caso concreto, utilizar os critérios que melhor representem os princípios de equidade e justiça, igualmente considerando a potencialidade da ofensa e seus reflexos.6. É razoável a majoração da indenização ao equivalente a 10 vezes o valor dos programas apreendidos, considerando para tanto os próprios acórdãos paradigmas colacionados pela recorrente, como os precedentes deste Tribunal em casos semelhantes. 7. Recurso especial provido" (REsp 1.403.865/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 18/11/2013 -destacado).

 

EMENTA. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO AUTORAL. PROGRAMA DE COMPUTADOR. USO IRREGULAR. INDENIZAÇÃO. PARÂMETRO. EQUIDADE E JUSTIÇA. SÚMULA N° 568 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME PROBATÓRIO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. É firme a orientação deste Tribunal Superior no sentido de que a indenização decorrente do vilipêndio ao direito do autor de softwares deve ser realizada mediante critérios que atendam aos princípios de equidade e justiça, bem como à potencialidade da ofensa e seus reflexos. Precedentes. 3. Na hipótese, os magistrados da instância ordinária entenderam que a violação reconhecida no caso concreto exigia reparação no patamar de 10 (dez) vezes o valor do programa indevidamente utilizado. Rever tal parâmetro implica o vedado reexame de provas. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 1206866/SP- Agravo Interno no Agravo em Recurso especial nº 2017/0282972-0, Terceira turma, relator Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j.24.04.2018)

 

Nesse quadro, a sentença violou o art.102 da Lei 9.610/98 ao limitar a reparação dos danos singelamente ao valor de cada licença do software, merecendo reparo para que haja indenização prestigiando os critérios supra mencionados, ou seja, o caráter punitivo e dissuasório de forma a prevenir a prática de novas violações, tudo em consonância com o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. Não se pode conceder ao infrator o mesmo tratamento daquele que, legitimamente, adquire e utiliza a obra intelectual alheia.

 

Nem se alegue, como tenta a ré, desconto pela aquisição de programas novos. Pagar o preço pela aquisição de programa original é dever do adquirente não podendo servir de meio para abatimento do valor indenizatório.

 

Nesse senda, a quantificação dos danos, no presente caso, deve levar em consideração a prática ilícita da ré em ter utilizado indevidamente os softwares, sem a obtenção e pagamento das respectivas licenças.

 

Por conseguinte, na esteira dos precedentes invocados pelo Superior Tribunal de Justiça, a indenização deve ser majorada para 10 vezes o valor de mercado de cada programa indevidamente utilizado sem a necessária licença.

 

A correção monetária incidirá a partir desta data (Súmula 362 do STJ). Os juros de mora incidem da data da vistoria para a averiguação da contrafação, data do ilícito, nos termos da consolidada Súmula 54 do STJ. Nesse sentido, confira-se REsp nº 1.207.090-SP, Relator Ministro Vasco Della Giustina, j.03.03.2011.

 

Tendo em vista que a ré decaiu integralmente do pedido, deverá ser condenada nas custas, despesas processuais e honorários advocatíciosarbitrados em 20% sobre o valor atualizado da condenação.

 

Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso principal para majorar o valor da indenização, com os consectários legais, nos termos expostos e nega-se provimento ao recurso adesivo.

 

JOSÉ CARLOS COSTA NETTO
Relator

 


1 Código de Processo Civil Anotado. Theotônio Negrão e José Roberto F. Gouvêa 39ª Edição, 2007. Nota 2b ao art. 330, p. 467.

2 "A última revisão da Convenção de Berna, que é administrada pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual, entrou em vigor por meio do Decreto n.75.699, de 6 de maio de 1975, razão pela qual faz parte do Direito interno brasileiro". Chinellato. Silmara Juny de Abreu. Direito de Autor e Direitos da Personalidade: Reflexões à Luz do Código Civil. Tese para concurso de Professor Titular de Direito Civil da faculdade de Direitos da Universidade de São Paulo. São Paulo. 2008, p.149

3 Neste sentido destacamos, na lei autoral brasileira vigente, os dispositivos que estabelecem - direta ou indiretamente diretriz indenizatória para violações de direitos patrimoniais de autor entre dez e vinte vezes o valor que o autor ou titular lesado receberia se a utilização de sua obra tivesse sido regular: (a) a reversão, para o autor, do produto da violação ao seu direito (a perda- pelo infrator em benefício do autor dos exemplares ilícitos apreendidos, além do pagamento ao autor do preço dos exemplares vendidos), sendo que, não se conhecendo esse número, "pagará o transgressor o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos (art. 103 e seu parágrafo único); (b) multa diária e "demais indenizações cabíveis", independentemente das sanções penais aplicáveis, além do aumento, em caso de reincidência, até o dobro do valor da multa (para as hipóteses de transmissão e retransmissão e comunicação ao público de obras artísticas literárias e científicas de interpretação e de fonogramas realizados com violação de direito autoral (art. 105), e (c) multa equivalente a vinte vezes o valor que deveria ser originariamente pago pela execução pública de obras musicais, interpretações, fonogramas e obras audiovisuais, se realizada sem autorização dos titulares(art. 109). Acrescente-se que, por estarem estes dispositivos inseridos em legislação especial, prevalecem em relação às regras reparatórias de natureza geral do Código Civil. Nessa orientação, inclusive, o acórdão de 25.09.2007 do Superior Tribunal de Justiça proferido no Recurso Especial nº 768.783/RS, por votação unânime de sua Terceira Turma, relator o Ministro Humberto Gomes de Barros DJ 22.10.2007.

4 Ascensão, José de Oliveira, obra citada, p. 542.

5 A respeito da apuração dos danos patrimoniais em hipóteses de violação a direito de autor, José de Oliveira Ascensão pondera: "o autor deveria ter recebido um pagamento, em conseqüência da utilização da obra por terceiro, e não o recebeu; este dano está sem dúvida presente quando se trata da violação de direito patrimonial de autor. Mas devem concorrer outros danos, senão tudo se resumiria ao pagamento pelo utente, após a utilização, do que deveria ter sido, na normalidade dos casos, prestado espontaneamente antes dessa utilização. Esses danos parecem consistir no que o autor deixou de ganhar em conseqüência da ilícita intromissão de terceiro. Assim, o disco contrafeito tirou o interesse ao disco autêntico, a edição ilícita esgotou mercado para a edição lícita, ou até o plágio diminuiu o prestígio do autor plagiado, reduzindo assim a sua capacidade de ganhos futuros. Temos em todos os casos uma diminuição de uma capacidade de lucro do autor, em conseqüência da ilícita intromissão. A diminuição terá de ser calculada por si, para ser indenizada pelo infrator. Parece assim que esses outros danos entram na categorização dos lucros cessantes."(Ascensão, José de Oliveira. Direito Autoral. 2. ed. ref. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 546).