RECURSO ESPECIAL Nº 1.166.498 - RJ
(2009/0224319-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : UNILEVER BRASIL LTDA
E OUTRO ADVOGADOS : PATRICIA GUIMARÃES HERNANDEZ
LUIZ
CARLOS GALVÃO JOÃO VIEIRA DA CUNHA
RECORRIDO : COMÉRCIO DE COSMÉTICOS GUANZA
LTDA ADVOGADO : LUIS ANTONIO NASCIMENTO CURI E OUTRO(S)
EMENTA
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE
NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA COMERCIAL. MARCA FRACA OU EVOCATIVA.
POSSIBILIDADE DE CONVIVÊNCIA COM OUTRAS MARCAS. IMPOSSIBILIDADE DE CONFERIR
EXCLUSIVIDADE À UTILIZAÇÃO DE EXPRESSÃO DE POUCA ORIGINALIDADE OU FRACO
POTENCIAL CRIATIVO.
1.
Marcas
fracas ou evocativas, que constituem expressão de uso comum, de pouca originalidade
ou forte atividade criativa, podem coexistir harmonicamente. É descabida, portanto,
qualquer alegação de notoriedade ou anterioridade de registro, com o intuito de
assegurar o uso exclusivo da expressão de menor vigor inventivo.
2.
Marcas
de convivência possível não podem se tornar oligopolizadas, patrimônios exclusivos
de um restrito grupo empresarial, devendo o Judiciário reprimir a utilização
indevida da exclusividade conferida ao registro quando esse privilégio implicar
na intimidação da concorrência, de modo a impedi-la de exercer suas atividades industriais
e explorar o mesmo segmento mercadológico. Aplicação da doutrina do patent misuse.
RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.
ACÓRDÃO
Vistos,
relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes
dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro
Massami Uyeda, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos
do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei
Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Vasco Della Giustina votaram com a Sra. Ministra
Relatora.
Brasília
(DF), 15 de março de 2011(Data do Julgamento)
MINISTRA
NANCY ANDRIGHI
Relatora
RECURSO ESPECIAL Nº 1.166.498 - RJ
(2009/0224319-0)
RECORRENTE : UNILEVER BRASIL LTDA E OUTRO
ADVOGADOS : PATRICIA GUIMARÃES HERNANDEZ
LUIZ
CARLOS GALVÃO JOÃO VIEIRA DA CUNHA
RECORRIDO : COMÉRCIO DE COSMÉTICOS GUANZA
LTDA ADVOGADO : LUIS ANTONIO NASCIMENTO CURI E OUTRO(S)
RELATÓRIO
A
EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Trata-se
de recurso especial interposto por UNILEVER BRASIL LTDA. e UNILEVER N.V., com fundamento
nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em face de acórdão exarado pelo
Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF 2ª Região).
Ação: ordinária
de nulidade de registro de marca, com pedido de liminar específica da Lei 9.279/96,
proposta por UNILEVER BRASIL LTDA. e UNILEVER N. V. em face de COMÉRCIO DE COSMÉTICOS
GUANZA LTDA. e INSTITUTO NACIONAL DA
PROPRIEDADE
INDUSTRIAL – INPI. Na inicial, as autoras relatam que há aproximadamente 22 anos
são as titulares do registro da marca nominativa “EBONY”, utilizada pela linha de
desodorantes “REXONA”, de sua fabricação. Contudo, em meados de 2004 a ré COMÉRCIO
DE COSMÉTICOS GUANZA LTDA obteve o registro da marca “ÉBANO & MARFIM” junto
ao INPI, circunstância que caracterizaria a utilização indevida da marca “EBONY”,
de titularidade das autoras. Nesse sentido, “ao se deparar com um produto de higiene
pessoal identificado pela marca ÉBANO & MARFIM, o consumidor, automaticamente,
fará uma associação direta com a marca da 2ª Autora, pensando se tratar de produtos
da mesma origem.” Requerem, por fim, a concessão de liminar para a imediata suspensão
dos efeitos do registro do termo “ÉBANO & MARFIM”, bem como a posterior declaração
de sua nulidade (fls. 4/18 e-STJ).
Ambos
os réus ofereceram contestação. O INPI reconheceu a procedência do pedido formulado
pelas autoras, pois a marca “ÉBANO & MARFIM” realmente não estaria dotada da
necessária distintividade em relação a “EBONY” (fls. 249/297 e 386/389).
Sentença: julgou
procedente a pretensão das autoras, aduzindo que “a marca registrada a favor da
segunda Ré ÉBANO & MARFIM é nula por infração ao artigo 124, XIX da LPI e deve
ser desconstituída sob pena de concorrência desleal” (fls. 519/524 e-STJ).
Acórdão: a
ré COMERCIAL DE COSMÉTICOS GUANZA LTDA.
interpôs
recurso de apelação (fls. 530/534 e-STJ), ao qual o TRF da 2ª Região deu provimento,
por maioria de votos. A decisão colegiada recebeu a seguinte ementa (fls. 567/578
e-STJ):
APELAÇÃO – PROPRIEDADE
INDUSTRIAL – MARCA – COLIDÊNCIA - EXPRESSÕES DE USO CORRENTE – RECURSO PROVIDO
I
–
O uso generalizado das expressões “ÉBANO” (português) e “EBONY” (inglês) culminou
por engendrar culturalmente mais uma forma de cor, a cor de ébano, associada hoje
no imaginário popular à raça negra.
II
–
De forma que não se pode conferir o uso exclusivo de tal expressão no mercado, à
semelhança do que ocorre com os vocábulos, branco, negro, amarelo, pardo, ruivo,
alvo, mulato e tantos outros, por serem de uso corrente em nossa língua, não podendo
o INPI, com base em anterioridade impeditiva, indeferir novas solicitações de terceiros,
igualmente interessados, impondo-se, destarte, o ônus da convivência pacífica.
III
–
Apelação e Remessa Necessária providas.
Embargos
infringentes: interpostos pelas autoras (fls.
583/596), foram rejeitados, conforme atesta a ementa abaixo transcrita (fls.
671/676 e-STJ):
PROPRIEDADE INDUSTRIAL.
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE NULIDADE DE REGISTRO MARCÁRIO.
EBONY E ÉBANO. EXPRESSÕES RELACIONADAS AOS AFRODESCENDENTES.
A expressão ÉBANO, em português
ou EBONY, em inglês, é frequentemente empregada para identificar os
afrodescendentes, invocando, pois, no caso concreto, uma qualidade especial de um
produto, merecendo, portanto, receber proteção de marca fraca, ou seja, ter de suportar
o ônus da convivência pacífica.
Embargos Infringentes conhecidos
e improvidos.
Recurso especial: interposto
pelas sociedades UNILEVER BRASIL LTDA. e UNILEVER N. V. com fundamento nas alíneas
“a” e “c” do permissivo constitucional. As autoras sustentam a necessidade de reforma
do acórdão proferido pelo TRF da 2ª Região pelas razões a seguir, dentre outras
(fls. 679/695 e-STJ):
I.
O
termo “EBONY” não pode ser considerado de uso comum para o segmento de mercado no
qual é utilizado pelas recorrentes. Assim, para que “seja considerada irregistrável
com base no artigo 124, VI, da LPI, a marca deve ter relação direta e imediata com
o produto ou serviço que deseja assinalar, o que, definitivamente, não é o caso
dos autos, já que o termo EBONY (ou ÉBANO, em português) é uma palavra que não tem
qualquer relação com produtos de higiene pessoal” (fl. 690 e-STJ);
II.
O
registro da marca “ÉBANO & MARFIM” é absolutamente nulo em razão da preexistência
do registro do termo “EBONY”, nos termos do art. 124, XIX, da Lei 9.279/96;
III.
O
entendimento defendido pelo acórdão recorrido vai de encontro ao adotado em
diversos julgados paradigmas proferidos por esta Corte, em flagrante divergência
aos padrões e critérios já estabelecidos pelo STJ para o exame de situações idênticas
à presente.
Juízo
Prévio de Admissibilidade: o
TRF da 2ª Região admitiu o recurso especial, determinando a remessa dos autos
ao STJ (fls. 785/786 e-STJ).
É
o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.166.498 - RJ
(2009/0224319-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : UNILEVER BRASIL LTDA
E OUTRO ADVOGADOS : PATRICIA GUIMARÃES HERNANDEZ
LUIZ
CARLOS GALVÃO JOÃO VIEIRA DA CUNHA
RECORRIDO : COMÉRCIO DE COSMÉTICOS GUANZA
LTDA ADVOGADO : LUIS ANTONIO NASCIMENTO CURI E OUTRO(S)
VOTO
A
EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cinge-se
a lide a determinar se o registro da marca “ÉBANO & MARFIM” ocorreu em desacordo
com os dispositivos da Lei 9.279/96, em especial porque a expressão “EBONY” já havia
sido anteriormente registrada pelas recorrentes junto ao INPI.
I
– Violação do art. 124,
VI, da Lei 9.279/96
A
partir da análise das expressões controvertidas (“EBONY” e “ÉBANO & MARFIM”),
o TRF da 2ª Região chegou à conclusão de que o termo “EBONY” não pode ser considerado
de uso exclusivo das recorrentes, pois é um adjetivo comum e integrado à linguagem
corrente, desprovido de proteção. Nesse sentido, “a expressão 'ÉBANO' é atualmente
empregada para identificar os afrodescendentes, tanto que as marcas das empresas
autoras e ré destinam-se ao referido público” (fl. 671 e-STJ). Assim, a recorrente
pretenderia “se beneficiar apenas pela precedência do registro de sua marca,
quando se trata, de fato, de expressão ou nome inapropriável, que não pode ser monopolizado,
ou seja, gozar de exclusividade” (fl. 673 e-STJ).
De
fato, o art. 124, VI, da Lei 9.279/96 não autoriza o registro como marca de sinais
com caráter genérico ou comum, normalmente empregados para designar uma característica
do produto ou serviço quanto à sua natureza, nacionalidade, peso, qualidade etc.
Determinadas
marcas, no entanto, são perfeitamente registráveis, embora não contem com um alto
grau de criatividade: são as chamadas marcas fracas ou evocativas. O exame de colidência
desses sinais é menos rigoroso do que o normalmente efetuado na análise de marcas
dotadas de mais engenhosidade. Nesse sentido é a lição de DENIS BORGES BARBOSA:
Reservadas em muitos países a um
registro secundário, certas marcas sem maior distintividade são aceitas, embora
tenham relação com o produto ou serviço a ser designado. Tal relação não pode ser
direta (denotativa), por exemplo, 'impressora' para impressoras, mas indireta ou
conotativa, como por exemplo, as que evoquem o elemento marcado. A jurisprudência
tem sido bastante variada neste contexto, tanto aqui como no exterior, e quase qualquer
resultado pode ser obtido numa discussão nesta área. De outro lado. a marca
fraca é muito mais sujeita à presença de competidores e menos defensável num caso
de contrafação, exceto nas hipóteses em que, por longo uso, o signo tenha conseguido
uma “significação secundária”. Este fenômeno, notado pela legislação ou jurisprudência
em vários países, com amparo na CUP. art. 6 quinquies, é o contrário da vulgarização
- uma marca essencialmente fraca se desvulgariza, se tal expressão é possível, pelo
emprego contínuo e enfático por parte de um certo produtor ou prestador de serviços.
(Barbosa, Denis Borges. Uma Introdução
à Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 817)
O
critério de análise das marcas fracas exige menos rigidez do que o dos sinais considerados
criativos e fortes. Não cabe, portanto, qualquer alegação de notoriedade ou anterioridade
de registro, com o intuito de assegurar o uso exclusivo da expressão de menor vigor
inventivo.
A
partir da análise dos diversos significados da palavra “ébano”, o acórdão recorrido
deduziu que o termo “EBONY” não é passível de uso exclusivo pelas recorrente, pois
se trata de expressão de uso comum, evocativa, de pouca originalidade ou forte atividade
criativa. Esses atributos, em especial o fato de que “a expressão 'ÉBANO' (...)
é muito empregada em ambas as línguas (inglês e português) para identificar os afro-descendentes”
(fl. 672 e-STJ), concedem à marca “EBONY” proteção limitada e restrita, sendo possível
admitir sua convivência harmônica com outros sinais igualmente registráveis, que
utilizam o mesmo vocábulo.
Embora
a expressão “ÉBANO & MARFIM” possa ser considerada uma marca fraca ou evocativa,
isso não significa que exista qualquer impeditivo legal ao seu registro. Isso porque
o signo distintivo registrado pela recorrida relaciona-se apenas indiretamente com
a linha de maquiagem que produz, ao contrário da notória representação da linha
de desodorantes “REXONA”, de titularidade da recorrente, criada arbitrariamente
e sem qualquer relação com os produtos ou artigos manufaturados pela recorrida.
Verifica-se,
portanto, que o Tribunal de origem decretou a improcedência da pretensão da recorrente
com base na possibilidade de coexistência harmônica das marcas “EBONY” E “ÉBANO
& MARFIM”, sendo descabida a afirmação de que “o acórdão recorrido viola o art.
124, VI, da LPI, ao conferir-lhe interpretação mais ampla [frise-se, ilegal] que
a pretendida pelo legislador” (fl. 692 e-STJ). A decisão recorrida apenas salientou
que “marcas que invocam uma qualidade especial de um produto, devem receber
proteção de marca fraca” (fl. 671 e-STJ).
II
– Negativa de vigência
ao art. 124, XIX, da Lei 9.279/96
Em
suas razões de recurso especial, sustentam as recorrentes a nulidade do registro
da marca “ÉBANO & MARFIM”, principalmente “em razão da preexistência do registro
da marca EBONY” (fl. 693 e-STJ). A semelhança fonética entre os termos e o fato
de que ambos designam produtos do mesmo segmento de mercado (produtos de higiene
pessoal), além do mais, favoreceriam a concorrência desleal e a induziriam o consumidor
a erro. Assim, quando recusou a exclusividade da recorrente para o uso da expressão
“EBONY”, o acórdão recorrido teria negado vigência ao art. 124, XIX, da Lei 9.279/96,
que assenta a impossibilidade de “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda
que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto
ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação
com marca alheia.”
A
partir do exame dos documentos acostados aos autos e da análise semiológica da palavra
“ébano”, o TRF da 2ª Região concluiu que a marca “EBONY” deve tolerar certa margem
de proximidade com a expressão “ÉBANO & MARFIM”, pois é individualmente incapaz
de obter a proteção conferida pelo registro às ditas marcas fortes e criativas.
Em outras palavras, a recorrente não conseguiu comprovar que as semelhanças entre
as marcas registradas são notáveis a ponto de justificar a intervenção judicial
no ato de registro efetuado pelo INPI.
A
questão proposta encontra-se bem solucionada. A decisão recorrida asseverou ainda
que “não se pode conferir uso exclusivo de tal expressão [“EBONY”], à semelhança
do que ocorre com os vocábulos branco, negro, amarelo, pardo, ruivo, alvo, mulato
e tantos outros, por serem de uso corrente em nossa língua (...). O consumidor é
levado a preferir os produtos por sua própria qualidade, não sendo guiado apenas
por uma sub-marca ou marca secundária (no caso REXONA Ebony), como é o caso dos
autos” (fl. 673 e-STJ).
De
fato, não vejo como o uso concomitante das marcas possa induzir o consumidor a erro
ou confusão, principalmente porque todos os produtos da recorrente trazem com destaque
sua principal marca - “REXONA” - esta sim, de notoriedade e criatividade indiscutíveis.
Também os produtos manufaturados pelas partes são distintos: enquanto a recorrente
utiliza o termo “EBONY” para designar uma linha de desodorantes destinada aos consumidores
afrodescendentes, a recorrida emprega a expressão “ÉBANO & MARFIM” para nomear
uma linha de maquiagem voltada ao público de pele negra.
Nos
termos do acórdão recorrido, a convivência entre a marca registrada pela recorrente
e aquela de titularidade da recorrida não é somente possível, mas também inevitável,
pois “não é possível ao Judiciário reconhecer a uma sociedade empresarial a indicação
mercadológica de todo um segmento econômico – aliás, até então marcado pela
desconsideração e desprestígio – ao permitir que surja o objeto de um monopólio,
agora que emerge uma classe média negra no Brasil. Afigura-se abuso do direito de
propriedade intelectual e atitude de puro oportunismo a iniciativa de obter monopólio
de uma marca que identifica metade do público consumidor do Brasil. (...) Não é
para isso a que se destina o tão desenvolvido e evoluído direito marcário em nosso
país” (fl. 672 e-STJ).
Portanto,
também por esse fundamento deve ser afastada a pretensão da recorrente. Marcas de
convivência possível não podem se tornar oligopolizadas, patrimônios exclusivos
de um restrito grupo empresarial. Trata-se da conhecida doutrina do patent misuse, derivada do Direito norte-americano,
segundo a qual deve o Judiciário reprimir a utilização indevida da exclusividade
conferida ao registro quando esse privilégio implicar na intimidação da concorrência,
de modo a impedi-la de exercer suas atividades industriais e explorar o mesmo segmento
mercadológico. Assim, “tudo que restringir a concorrência mais além do estritamente
necessário para estimular a invenção, excede ao fim imediato da patente – é abuso”
(BARBOSA, DENIS BORGES. Proteção das marcas: uma perspectiva semiológica. Rio de
Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2008, p. 275).
III
– Divergência Jurisprudencial
A
divergência jurisprudencial alegada pelas recorrentes para justificar a reforma
do acórdão proferido pelo TRF da 2ª Região fundamenta-se em decisões proferidas
no julgamento dos Recursos Especiais autuados sob n.º 60.090/SP e 325.128/SP, este
último de minha relatoria.
O
primeiro acórdão, contudo, não apresenta a similitude fática que autoriza o provimento
do recurso especial com base no art. 105, “c”, da CF/88. Isso porque nele não
se encontram as peculiaridades fáticas da hipótese em exame. Tanto é assim que o
i. Min. Eduardo Ribeiro, em seu voto, consignou que “a infração, pelo uso de expressão
semelhante, vincula-se à possibilidade de confusão, circunstância que diz com os
fatos e que foi negada nas instâncias ordinárias.” Esse julgamento, além disso,
teve por base legal a Lei 5.772/71, já revogada.
O
segundo acórdão colacionado pela recorrente, por sua vez, diz respeito à validade
da declaração incidental de nulidade do registro realizado junto ao INPI.
Em meu voto, ressaltei que “a apropriação dessas marcas, com exclusividade, favoreceria
a detenção e exercício do comércio de forma única, com prejuízo à concorrência empresarial,
impedidos que estariam os demais industriais do ramo em divulgar a fabricação de
produtos similares através de expressões de conhecimento comum, obrigadas à busca
de nomes alternativos estranhos ao domínio público.” Fiz questão, além do mais,
de salientar que na hipótese analisada estava “ausente no caso dos autos qualquer
particularidade capaz de excepcionar essa orientação.” Tem-se, portanto, que a base
fática desse precedente é diferente da que foi utilizada no julgamento do presente
recurso especial.
Nesse
contexto, o TRF da 2ª Região, ao confirmar a tese de que não é possível
conferir exclusividade ao titular de registro de marca fraca ou evocativa, não discrepa
da jurisprudência desta Corte sobre a matéria, valendo ressaltar que o reconhecimento
de violação a literal disposição de lei somente se dá quando dela se extrai interpretação
desarrazoada, o que, como visto, não é o caso dos autos.
Forte
nestas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
CERTIDÃO
DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA
Número
Registro: 2009/0224319-0 PROCESSO
ELETRÔNICO REsp 1.166.498 / RJ
Número Origem: 200451015131078
PAUTA:
21/10/2010 JULGADO: 21/10/2010
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO DE PAULA
CARDOSO
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO
DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
: UNILEVER BRASIL LTDA E OUTRO ADVOGADOS : PATRICIA GUIMARÃES HERNANDEZ
LUIZ CARLOS GALVÃO JOÃO VIEIRA
DA CUNHA
RECORRIDO
: COMÉRCIO DE COSMÉTICOS GUANZA LTDA ADVOGADO : LUIS ANTONIO NASCIMENTO CURI E
OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas
- Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca
SUSTENTAÇÃO
ORAL
Dr(a). JOÃO VIEIRA DA CUNHA,
pela parte RECORRENTE: UNILEVER BRASIL LTDA
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA
TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu
a seguinte decisão:
Após o voto da Sra. Ministra
Nancy Andrighi, negando provimento ao recurso especial, pediu vista o Sr.
Ministro Massami Uyeda. Aguardam os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de
Tarso Sanseverino e Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS).
Brasília, 21 de outubro de 2010
MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA
ROCHA
Secretária
RECURSO
ESPECIAL Nº 1.166.498 - RJ (2009/0224319-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : UNILEVER BRASIL LTDA
E OUTRO ADVOGADOS : PATRICIA GUIMARÃES HERNANDEZ
LUIZ CARLOS GALVÃO JOÃO VIEIRA DA
CUNHA
RECORRIDO
: COMÉRCIO DE COSMÉTICOS GUANZA LTDA ADVOGADO : LUIS ANTONIO NASCIMENTO CURI E OUTRO(S)
VOTO-VISTA
O
EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:
Inicialmente, anota-se que o feito
foi levado a julgamento pela egrégia Terceira Turma em 21/10/2010, ocasião em que,
após a prolação do voto da ilustre Ministra-Relatora, negando provimento ao
recurso especial, pediu-se vista para melhor análise dos autos.
Compulsando-se os autos,
verifica-se que os recorrentes UNILEVER BRASIL LTDA E OUTRO (ora denominados UNILEVER
E OUTRO) ajuizaram ação de nulidade de registro de marca, com pedido de liminar,
em face da recorrida COMÉRCIO DE COSMÉTICOS GUANZA LTDA (ora denominada GUANZA),
e do INPI, alegando serem titulares da marca de desodorantes "EBONY",
destinada ao público afro-descendente.
Aduziram, outrossim, que a
recorrida GUANZA, que também atua no comércio de produtos de higiene pessoal, teria
registrado perante o INPI a marca "ÉBANO & MARFIM", o que,
segundo os autores/recorrentes, poderia levar os consumidores a erro, no sentido
de pensarem tratar-se de produtos da mesma origem.
Requereram, pois, a concessão da
liminar, para o fim de determinar-se a imediata suspensão dos efeitos do registro
da marca "ÉBANO & MARFIM", e, ao final, a declaração de nulidade do
registro (inicial de fls. 4/18, e-STJ).
Apresentada contestação pela recorrente
GUANZA e manifestando-se o INPI no sentido do reconhecimento da procedência do pedido
(fls. 249/297 e 386/289), o r. Juízo Federal julgou procedente a ação, para reconhecer
a nulidade do registro da marca "ÉBANO & MARFIM" perante o INPI (fls.
519/524).
Interposto recurso de apelação pela
GUANZA, o e. Tribunal Regional Federal da 2ª Região conferiu provimento ao apelo,
por maioria de votos, sob o fundamento, em suma, de que não se pode conferir o
uso exclusivo da expressão "ÉBANO" (português) ou "EBONY" (inglês)
no mercado, à semelhança do que ocorre com outros vocábulos, tais como "branco",
"negro", "amarelo", "pardo", "ruivo", "mulato"
e outros, por serem de uso corrente na língua portuguesa, não podendo o INPI, com
base em anterioridade impeditiva, indeferir novas solicitações de terceiros, igualmente
interessados (fls. 567/578).
Opostos embargos infringentes
por UNILEVER E OUTRO, foram eles rejeitados (fls. 671/676).
No presente recurso especial, interposto
por UNILEVER E OUTRO, fundamentado no art. 105, III, "a" e
"c", da Constituição Federal de 1988, alega-se negativa de vigência dos
arts. 124, VI e XIX, da Lei n. 9279/96, além de dissídio jurisprudencial.
Buscam os recorrentes a reforma do
r. decisum , sustentando, em síntese,
que o termo "EBONY" não pode ser considerado de uso comum na língua portuguesa
para o seguimento de mercado relacionado a produtos de higiene pessoal, não se tratando,
pois, de marca não-registrável. Asseveram, outrossim, que o registro da marca "EBONY
& MARFIM" é nulo, tendo em vista o anterior registro do termo "EBONY"
pelas recorrentes para o mesmo seguimento de mercado (higiene pessoal). Por fim,
alegam a existência de dissídio jurisprudencial sobre os temas (fls. 679/695).
O e. Tribunal a quo conferiu juízo positivo de admissibilidade
ao recurso especial (fls. 785/786).
De fato, o desfecho conferido pela
eminente Relatora, Ministra Nancy Andrighi, revela-se irretorquível.
De início, cumpre analisar a
alegação dos recorrentes de ofensa ao art.
124, VI, da Lei n. 9279/96.
Nos termos do referido
dispositivo legal, in verbis :
"Art.
124: Não são registráveis como marca: (...) VI - sinal de caráter genérico,
necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o
produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma
característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor,
qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos
de suficiente forma distintiva".
Na realidade, nos termos da lei,
para que um sinal de caráter comum, vulgar ou genérico possa ser considerado
como adjetivo não registrável, é necessário que faça referência, ao menos
reflexamente, a algum produto em especial, seja natureza, nacionalidade, peso, valor,
entre outros.
In
casu , não se vislumbra
qualquer óbice ao registro da marca EBONY, porquanto, embora seja uma expressão
considerada comum tanto no Brasil quanto no estrangeiro, não faz, nem mesmo reflexamente,
alusão a algum produto em específico, tampouco produtos de higiene pessoal,
como na espécie.
Assim, o fato de a marca ser de uso
comum, não impede, só por isso, o registro no INPI, sendo apenas afastada a exclusividade.
Tomando-se por base as premissas
assentadas acima, é certo que o acórdão recorrido não violou o art. 124, VI, da
Lei n. 9279/96, uma vez que não criou impeditivo ao registro da marca "EBONY",
de titularidade das recorrentes, mas simplesmente entendeu que a referida marca
poderia coexistir de forma harmônica com a marca "ÉBANO & MARFIM",
de titularidade da recorrida.
Passa-se, a seguir, à apreciação
da alegada ofensa ao art. 124, XIX, da Lei n. 9279/96. Na espécie, dispõe o referido
dispositivo de lei:
"Art.
124. Não são registráveis como marca: (...) XIX - reprodução ou imitação, no todo
ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para
distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível
de causar confusão ou associação com marca alheia" .
Nesse contexto, veja-se que é
correto o entendimento do acórdão no sentido de ser possível a convivência
entre as marcas registradas pelas recorrentes e pela recorrida, pois, embora
parcialmente semelhantes, não são capazes de levar o consumidor a erro ao ponto
de confundir a origem dos produtos, mormente considerando-se o fato de que,
conforme aferido pelas instâncias ordinárias:
i)
O
termo "EBONY" constitui, na realidade, uma sub-marca ou marca
acessória da marca principal "REXONA", também de titularidade das
recorrentes; e
ii)
Enquanto
o termo "EBONY" designa linha de desodorantes voltada ao público afro-descendente,
a recorrida utiliza a expressão "ÉBANO & MARFIM" para designar uma
linha de maquiagem destinada ao mesmo público.
Desse modo, não há falar em
ofensa ao art. 124, XIX, da Lei n. 9279/96.
Por fim, relativamente ao
alegado dissídio jurisprudencial, de fato, não restou demonstrada a perfeita
similitude fática entre o acórdão impugnado e os paradigmas colacionados.
Assim sendo, acompanha-se a
eminente Ministra Relatora, no sentido de negar provimento ao recurso especial.
É o voto.
MINISTRO MASSAMI UYEDA
CERTIDÃO
DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA
Número
Registro: 2009/0224319-0 PROCESSO
ELETRÔNICO REsp 1.166.498 / RJ
Número Origem: 200451015131078
PAUTA:
15/03/2011 JULGADO: 15/03/2011
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FRANCISCO DIAS
TEIXEIRA
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO
DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
: UNILEVER BRASIL LTDA E OUTRO ADVOGADOS : PATRICIA GUIMARÃES HERNANDEZ
LUIZ CARLOS GALVÃO JOÃO VIEIRA
DA CUNHA
RECORRIDO
: COMÉRCIO DE COSMÉTICOS GUANZA LTDA ADVOGADO : LUIS ANTONIO NASCIMENTO CURI E
OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas
- Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA
TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data,
proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após
o voto-vista do Sr. Ministro Massami Uyeda, a Turma, por unanimidade, negou
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)
Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino
e Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) votaram com a Sra. Ministra
Relatora.