RECURSO
ESPECIAL Nº 1.145.637 - RJ (2009/0130146-2)
RELATOR : MINISTRO
VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS)
RECORRENTE
: NOVARTIS AG
ADVOGADO
: JOAQUIM EUGENIO GOMES DA SILVA GOULART PEREIRA E OUTRO(S)
RECORRIDO
: INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL INPI
PROCURADOR
: MARIA APARECIDA MONSORES RODRIGUES E OUTRO(S)
EMENTA
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MANDADO
DE SEGURANÇA. PATENTE PIPELINE. PRAZO
DE VALIDADE. CONTAGEM. TERMO INICIAL. PRIMEIRO DEPÓSITO NO EXTERIOR. OCORRÊNCIA
DE DESISTÊNCIA DO PEDIDO. IRRELEVÂNCIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA E SISTEMÁTICA
DE NORMAS. TRATADOS INTERNACIONAIS (TRIPS E CUP). PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA
DAS PATENTES. APLICAÇÃO DA LEI. OBSERVÂNCIA DA FINALIDADE SOCIAL.
1.
O
regime de patente pipeline, ou de
importação, ou equivalente é uma criação excepcional, de caráter temporário,
que permite a revalidação, em território nacional, observadas certas condições,
de patente concedida ou depositada em outro país.
2.
Para
a concessão da patente pipeline, o
princípio da novidade é mitigado, bem como não são examinados os requisitos
usuais de patenteabilidade. Destarte, é um sistema de exceção, não previsto em
tratados internacionais, que deve ser interpretado restritivamente, seja por
contrapor ao sistema comum de patentes, seja por restringir a concorrência e a
livre iniciativa.
3.
Quando
se tratar da vigência da patente pipeline,
o termo inicial de contagem do prazo remanescente à correspondente estrangeira,
a incidir a partir da data do pedido de revalidação no Brasil, é o dia em que
foi realizado o depósito no sistema de concessão original, ou seja, o primeiro
depósito no exterior, ainda que abandonado, visto que a partir de tal fato já
surgiu proteção ao invento (v.g.: prioridade
unionista). Interpretação sistemática dos arts. 40 e 230, § 4º, da Lei
9.279/96, 33 do TRIPS e 4º bis da
CUP.
4.
Nem
sempre a data da entrada em domínio público da patente pipeline no Brasil vai ser a mesma da correspondente no exterior.
Incidência do princípio da independência das patentes, que se aplica, de modo
absoluto, tanto do ponto de vista das causas de nulidade e de caducidade
patentárias como do ponto de vista da duração normal.
5.
Consoante
o art. 5º, XXIX, da CF, os direitos de propriedade industrial devem ter como
norte, além do desenvolvimento tecnológico e econômico do país, o interesse
social. Outrossim, na aplicação da lei, o juiz deverá atender aos fins sociais
a que ela se dirige e às exigências do bem comum (art. 5º da LICC).
6.
Recurso
especial a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos
estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo Furtado (Desembargador
convocado do TJ/BA), Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com
o Sr. Ministro Relator.
Dr(a). MARCELO HENRIQUES RIBEIRO
DE OLIVEIRA, pela parte RECORRENTE: NOVARTIS AG
Dr(a). INDIRA ERNESTO SILVA
QUARESMA(Procurador Federal), pela parte RECORRIDA: INSTITUTO NACIONAL DE
PROPRIEDADE INDUSTRIAL INPI
Brasília (DF), 15 de dezembro de
2009(Data do Julgamento)
MINISTRO
VASCO DELLA GIUSTINA
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO
TJ/RS)
Relator
RECURSO
ESPECIAL Nº 1.145.637 - RJ (2009/0130146-2)
RELATOR : MINISTRO
VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS)
RECORRENTE
: NOVARTIS AG
ADVOGADO
: JOAQUIM EUGENIO GOMES DA SILVA GOULART PEREIRA E OUTRO(S)
RECORRIDO
: INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL INPI
PROCURADOR
: MARIA APARECIDA MONSORES RODRIGUES E OUTRO(S)
RELATÓRIO
O
EXMO. SR. MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA
(DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/RS) (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pela NOVARTIS AG,
com arrimo no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da
Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal
da 2ª Região.
Noticiam os autos que NOVARTIS
AG impetrou mandado de segurança contra ato imputado à Diretora de Patentes do
INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL - INPI, objetivando a extensão do
prazo de validade da patente PI 1100014-7, até 12 de fevereiro de 2011, ou
seja, pelo prazo remanescente da sua correspondente européia.
O juízo de primeiro grau denegou
a segurança (fls. 589-593). Inconformada, a impetrante manejou recurso de
apelação (fls. 600-607).
A Primeira Turma Especializada
do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por maioria, negou provimento ao
recurso, em aresto que restou assim ementado:
ADMINISTRATIVO – INSTITUTO NACIONAL DE
PROPRIEDADE INDUSTRIAL – PATENTES – ARTS. 230 E 40 DA LEI Nº 9.279/96 – PIPELINES – CONTAGEM DE PRAZO.
-
A
patente pipeline está sujeita a uma
interpretação literal que garante ao produto patenteado um prazo de proteção
idêntico ao remanescente no país em que foi depositado em primeiro lugar,
estando este prazo limitado ao máximo de 20 (vinte) anos. Artigos 230 e parágrafos
e 40, caput, ambos da LPI.
-
In casu o pedido pipeline formulado indicou como data do primeiro depósito
19.02.1990, correspondente ao pedido nº CH 518/90, do que decorre que a fixação
da respectiva data de expiração em 19.02.2010, o que se deu em perfeito
atendimento do que gravado no § 4º do art. 230 da LPI.
-
Apelação
a que se nega provimento. Sentença confirmada (fl. 732).
Daí a interposição do presente
recurso especial, invocando violação do art. 230, §4º, da Lei 9.279/1996, bem
como dissídio jurisprudencial. Sustenta, em síntese, que: (i) "a lei não dispõe em nenhum momento que o
primeiro depósito no exterior será o marco inicial para contagem de prazo
estabelecido no artigo 40 da LPI" (fls. 754-755); (ii) "a intenção clara do legislador foi que o
prazo da patente pipeline seja sempre o mesmo prazo da sua correspondente no
exterior, para que caiam em domínio público no mesmo dia" (fl. 757);
(iii) "o prazo de validade da
patente de revalidação brasileira é aquele remanescente de proteção no país
onde foi depositado o primeiro pedido, contado a partir do depósito no Brasil"
(fl. 758); (iv) a solução adotada pelo Tribunal de origem é contrária a
precedente do Superior Tribunal de Justiça (REsp 445.712/RJ).
Com as contrarrazões e admitido
o recurso na origem, subiram os autos a esta colenda Corte.
O Ministério Público Federal
opinou pelo provimento do recurso especial (fls. 939-945).
É o relatório.
RECURSO
ESPECIAL Nº 1.145.637 - RJ (2009/0130146-2)
RELATOR : MINISTRO
VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS)
RECORRENTE
: NOVARTIS AG
ADVOGADO
: JOAQUIM EUGENIO GOMES DA SILVA GOULART PEREIRA E OUTRO(S)
RECORRIDO
: INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL INPI
PROCURADOR
: MARIA APARECIDA MONSORES RODRIGUES E OUTRO(S)
VOTO
O
EXMO. SR. MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA
(DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/RS) (Relator): Prequestionado o dispositivo legal apontado pela recorrente
como malferido, demonstrado o dissídio jurisprudencial suscitado e preenchidos
os demais pressupostos de admissibilidade recursal, impõe-se o conhecimento do
especial.
A controvérsia gira em torno da
determinação do prazo de validade da patente PI 1100014-7, relativa à invenção
intitulada "Composto de Acila", concedida pelo INPI, sob o regime
denominado "pipeline", com
base no art. 230 da Lei 9.279/1996, que apresenta a seguinte redação:
Art. 230. Poderá
ser depositado pedido de patente relativo às substâncias, matérias ou produtos
obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou
produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer
espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, por quem
tenha proteção garantida em tratado ou convenção em vigor no Brasil, ficando
assegurada a data do primeiro depósito no exterior, desde que seu objeto
não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular
ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros,
no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido
ou da patente.
§
1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da
publicação desta Lei, e deverá indicar a data do primeiro depósito no exterior.
§
2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será automaticamente
publicado, sendo facultado a qualquer interessado manifestar-se, no prazo de 90
(noventa) dias, quanto ao atendimento do disposto no caput deste artigo.
§
3º Respeitados os arts. 10 e 18 desta Lei, e uma vez atendidas as condições estabelecidas
neste artigo e comprovada a concessão da patente no país onde foi depositado o
primeiro pedido, será concedida a patente no Brasil, tal como concedida no país
de origem.
§ 4º Fica
assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente
de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, contado da
data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no art. 40, não
se aplicando o disposto no seu parágrafo único.
§
5º O depositante que tiver pedido de patente em andamento, relativo às substâncias,
matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias,
matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e
medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção
ou modificação, poderá apresentar novo pedido, no prazo e condições
estabelecidos neste artigo, juntando prova de desistência do pedido em
andamento.
§
6º Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, ao pedido depositado e à
patente concedida com base neste artigo.
O art. 40 da mesma Lei está
assim disposto:
Art. 40. A
patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de
utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito.
Parágrafo
único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de
invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da
data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder
ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo
de força maior.
Compulsando os autos, extraem-se
os seguintes dados:
(a)
Em
19.02.1990, foi efetuado o primeiro depósito do pedido de patente no exterior
(Suíça - CH 518/90), cujo pedido foi abandonado (fls. 28 e 31);
(b)
Em
12.02.1991, foi formulado novo pedido, junto à União Européia, concedido, em
28.02.1996 (Patente Européia nº 0.443.983), com prazo de validade até
12.02.2011 (vinte anos a partir da data de depósito do pedido - art. 63 da
Convenção de Patente Européia - EPC) (fls. 539-542);
(c)
Em
27.06.1996, foi realizado requerimento de revalidação no Brasil (PI 1100014-7),
concedido em 11.08.1998, com prazo de vigência até 19.02.2010 (fls. 28 e 31).
Na concessão do pedido de revalidação, o INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE
INDUSTRIAL - INPI fixou o prazo de validade da patente em 19.02.2010, considerando
o prazo de 20 (vinte) anos, contado da data do primeiro depósito no exterior
(19.02.1990) (fls. 28 e 31).
Em primeira instância, o juízo
singular corroborou o entendimento adotado pelo INPI, reputando correto o termo
inicial eleito para o cômputo do período remanescente de validade da referida
patente (19.02.90 - data do primeiro depósito no exterior).
O Tribunal de origem manteve a
sentença de primeiro grau, compartilhando do mesmo posicionamento, como se
colhe das razões do voto condutor da maioria:
Compulsando
os autos verifico que a Impetrante ao formular o pedido pipeline, nos termos do art. 230 da LPI, indicou como sendo a data do
primeiro depósito 19 de fevereiro de 1990, correspondente ao pedido nº CH
518/90, conforme faz claro o documento de fl. 301.
Desta
forma, compartilho o posicionamento adotado pelo INPI ao esclarecer, em suas
razões que:
“A
patente apresentada pela impetrante, em obediência ao que provê o § 3o do art.
230 da LPI, foi a patente européia nº EP 0443983 B1, válida também para a
Suíça, correspondente ao pedido nº EP 91810098.3, depositado com reivindicação
de prioridade do pedido indicado por ela como primeiro depósito no exterior, o
citado CH 518/90, e que foi, este último, abandonado.
Considerando
que a patente européia concedida é válida também para a Suíça (país designado
quando do pedido de indigitada patente européia), admitiu o INPI a concessão de
dita patente para fins de cumprimento do prescrito no art. 230, § 3o da LPI.
Permito-me
observar, ao ensejo, que se houvesse a primeira obtido patente na Suíça com
base naquele primeiro depósito efetuado, o já várias vezes mencionado primeiro
depósito feito no exterior, a patente correspondente lá concedida teria como
prazo de vigência os mesmos vinte anos previstos na legislação brasileira.
Como
o acordo regional da Comunidade Européia permite a concessão de patente
regional com base em pedido europeu reivindicando prioridade unionista, e sendo
a patente européia válida na Suíça, como visto, a impetrante teve o prazo de
vigência da patente, com o conteúdo do pedido original, estendido em um ano.
Na
hipótese vertente, nada há que ilida, como é curial, a aplicação da regra
prescrita no § 4o do art. 230 da LPI, no que diz respeito ao prazo de duração
da patente pipeline concedida nos termos da lei brasileira.
Deveras,
no que tange ao prazo de vigência das patentes pipeline, a regra instituída no
§ 4o do art. 230 da LPI é que será assegurado o prazo remanescente de proteção
no país onde foi depositado o primeiro pedido, mas – e isto é de primordial
importância para o adequado desate da questão aqui versada – limitado ao prazo
previsto no art. 40 da LPI.
(...)
Tal
data foi 19.02.90, do que decorre que a fixação da respectiva data de expiração
em 19.02.2010 se deu em perfeito atendimento do que gravado no § 4o do art. 230
da LPI.
Observo,
ao ensejo, que, não fora assim, a vigência das patentes pipeline ficaria
condicionada tão-somente à vigência das patentes concedidas no país de origem,
deixando-se, destarte, de atender expressamente ao contido no já várias vezes
mencionado art. 230, § 4o da LPI, que, repito ainda uma outra vez, limita o
prazo de vigência de tais patentes àquele previsto no caput do art. 40 da LPI.
Sintetizando
a questão, a regra, se assim o posso, seria basicamente a seguinte: se o prazo
de duração da patente no país de origem for inferior ao da lei brasileira,
prevalecerá aquele prazo; se, contudo, for superior ao que dispõe o art. 40 da
LPI, haverá este último, obrigatoriamente, de prevalecer – o que reflete, e
creio que insofismavelmente, o exato cumprimento da Lei.”
Desta
forma, entendo que a regra estabelecida pelo art. 230 da Lei nº 9.279/96 foi
aplicada corretamente, não estando a merecer reparos a r. sentença recorrida
(fls. 704-705).
A meu sentir, tal posicionamento
não merece reforma.
De início, cumpre ressaltar que
a patente é uma das espécies do direito de propriedade industrial, podendo ser
de invenção ou de modelo de utilidade.
Outrossim, para se obter a
patente sobre a invenção, o autor deve comprovar os requisitos da novidade,
atividade inventiva e aplicação industrial, além de o invento não figurar entre
aqueles insuscetíveis de serem patenteados.
O regime de patente pipeline, ou de importação, ou
equivalente é uma criação excepcional, de caráter temporário, que permite a
revalidação, em território nacional, observadas certas condições, de patente
concedida ou depositada em outro país (Clèmerson Merlin Clève. "A repercussão, no regime da patente
pipeline, da declaração de nulidade do privilégio originário". In:
Revista da ABPI, n. 66, set./out., 2003, p. 12).
Para a concessão da patente pipeline, o princípio da novidade é
mitigado, bem como não são examinados os requisitos usuais de patenteabilidade.
Destarte, é um sistema de exceção, não previsto em tratados internacionais, que
deve ser interpretado restritivamente, seja por contrapor ao sistema comum de
patentes, seja por restringir a concorrência e a livre iniciativa.
Sobre o tema sob exame,
conquanto a Terceira Turma desta Corte Superior, em votação majoritária, tenha
assentado, quando do julgamento do REsp 445.712/RJ, que a proteção oferecida
pelo Direito Pátrio às patentes estrangeiras revalidadas seria pelo prazo
remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, calculado
segundo a lei interna desse estado estrangeiro, limitado ao período
máximo de proteção concedido pela legislação nacional (20 anos), a incidir a
partir da data do depósito do pedido de revalidação no Brasil, o melhor entendimento é aquele expendido
pelos votos vencidos proferidos pelos eminentes Ministros PÁDUA RIBEIRO e NANCY
ANDRIGHI.
Conforme os aludidos votos
minoritários, o prazo de proteção da patente pipeline deve ser o remanescente que a patente originária tem no
exterior, contado, ao revés, a partir da data do primeiro depósito do
pedido de proteção patentária, o qual incidiria a partir da data do
depósito no Brasil, limitado tal período, entretanto, a 20 anos.
Essa
exegese, na vertente de que o termo inicial de contagem do prazo remanescente é
a data do primeiro depósito realizado no exterior, é a que melhor se coaduna
com os princípios que regem a Propriedade Intelectual e o sistema de patentes.
Assim, as normas da Lei de
Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) devem ser interpretadas sistematicamente
com o TRIPS (Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual
Relacionados ao Comércio), incorporado pelo Decreto 1.355/94, e com a CUP
(Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, revista em
Estocolmo a 14 de julho de 1967), internalizada pelo Decreto 635/92.
O acordo TRIPS visou, entre
outros objetivos, a estabelecer padrões e princípios adequados relativos à
existência, abrangência e exercício de direitos de propriedade intelectual
relacionados ao comércio, tendo uniformizado, no art. 33, o sistema de contagem
e vigência de patentes:
ARTIGO
33
Vigência
A
vigência da patente não será inferior a um prazo de 20 anos, contados a partir
da data do depósito.
Ademais, consta em nota de
rodapé ao referido artigo que "aqueles Membros que não dispõem de um
sistema de concessão original podem dispor que o termo de proteção será contado
a partir da data do depósito no sistema de concessão original".
O Brasil, antes da edição da Lei
9.279/96, não possuía um sistema de concessão original para a proteção
intelectual de substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios,
químico-farmacêuticos e medicamentos, de qualquer espécie, bem como os
respectivos processos de obtenção ou modificação, mesmo porque eles não eram
privilegiáveis (art. 9º, "c", da revogada Lei 5.772/71 - antigo
Código de Propriedade Industrial).
Com
a superveniência da nova legislação sobre a propriedade industrial, os aludidos
inventos passaram a ser patenteáveis através do sistema de revalidação,
conforme o disposto no art. 230, § 4º, da LPI, que, interpretado de forma
harmônica com o art. 33 do TRIPS e respectiva nota de rodapé, leva à conclusão
de que o termo de proteção das patentes pipeline
será contado a partir da data do depósito no sistema de concessão original.
Nesse passo, cabe fazer algumas
digressões acerca da convenção CUP, que instituiu uma União para a proteção da
propriedade industrial, na qual se insere a patente de invenção.
Consoante o art. 4º desse
tratado, o depósito do pedido de patente em um dos membros da União garante o
direito de prioridade a pedidos feitos em outros países. Para as patentes de
invenção, a prioridade unionista perdura por 12 meses. Além disso,
durante esse interregno, o depositante possui certas garantias, como a
preservação da característica de novidade ao invento e a impossibilidade de
terceiros fazerem uso dele ou o patentearem nos demais países membros da União.
Vale
ressaltar que tais prerrogativas emanadas do direito de prioridade para os
pedidos de patente subsequentes persistem ainda que haja desistência ou
abandono do pedido de patente anterior.
Cotejando,
desse modo, o art. 230, § 4º, da Lei 9.279/96, que, como dito alhures, deve
receber interpretação restritiva, com o TRIPS e a CUP, depreende-se que o
cálculo do prazo remanescente das patentes pipeline
- o qual incidirá a partir da data do depósito do pedido de revalidação no
Brasil - deve levar em conta a data do depósito no sistema de concessão
original, ou seja, o primeiro depósito no exterior, ainda que abandonado, visto
que a partir de tal fato já surgiu proteção ao invento.
Desta feita, constata-se que nem
sempre a data da queda em domínio público da patente pipeline no Brasil vai ser a mesma da correspondente no exterior, o
que traz à evidência, essa falta de vinculação, o princípio da independência
das patentes, inscrito no art. 4º bis
da CUP, que se aplica, de modo absoluto, tanto do ponto de vista das causas
de nulidade e de caducidade como do ponto de vista da duração normal. A
respeito:
Art. 4 bis
(1)
As
patentes requeridas nos diferentes países da União por nacionais de países da
União serão independentes das patentes obtidas para a mesma invenção nos
outros países, membros ou não da União.
(2)
Esta disposição deve
entender-se de modo absoluto particularmente no sentido de que as patentes
pedidas durante o prazo de prioridade são independentes, tanto do ponto de
vista das causas de nulidade e de caducidade como do ponto de vista da duração
normal.
(3)
Aplica-se
a todas as patentes existentes à data da sua entrada em vigor.
(4)
O
mesmo sucederá, no caso de acessão de novos países, às patentes existentes em
ambas as partes, à data de acessão.
(5)
As
patentes obtidas com o benefício da prioridade gozarão, nos diferentes países
da União, de duração igual àquela de que gozariam se fossem pedidas ou
concedidas sem o benefício da prioridade.
De mais a mais, segundo o art.
5º, XXIX, da CF, os direitos de propriedade industrial devem ter como
norte, além do desenvolvimento tecnológico e econômico do país, o interesse
social. Vale assinalar, outrossim, que, na aplicação da lei, o juiz deverá
atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (art.
5º da LICC). Sob esse prisma, a seguinte lição de Márcia Maria Nunes de
Barros, que teceu comentários acerca das patentes pipeline, o interesse público e o direito fundamental à saúde:
Além
disso, tal pretensão atenta frontalmente contra o interesse público e a
soberania nacional, na medida em que não pode o prazo de uma patente brasileira
ficar ao sabor de decisões administrativas de outros países, cujos interesses
nem sempre são consentâneos com os nacionais.
(...)
Imperioso
consignar que, se por um lado a Constituição Federal conferir proteção às
criações industriais, por outro, cuidou de atrelá-la ao interesse social, nos
termos do seu art. 5º, XXIX. Por conseguinte, não se pode deixar de ter em
mente que as necessidades sociais em matéria de saúde pública devem ser sempre
levadas em consideração quando da interpretação da lei no que se refere a
patentes de medicamentos, até porque os direitos de propriedade intelectual têm
sua legitimidade mitigada pelo interesse social e pelo desenvolvimento
tecnológico e econômico do país, conforme expressa determinação constitucional
(art. 5º, XXIII, CF/88).
(...)
Ora,
a saúde é um direito social garantido a todos (arts. 6º e 196, CF/88), cuja
relevância pública encontra-se expressamente prevista no art. 197, sendo dever
do Estado sua promoção. Daí, porque a Lei nº 9.787/99 instituiu no País os
genéricos, que surgem como alternativa terapêutica para a população, pois são
cópias de medicamentos inovadores (ou de referência) cujas patentes já
expiraram e são lançados com preços, no mínimo, 35% inferiores aos dos
medicamentos de referência correspondentes, nos termos das normas que regem a
matéria. A eficácia desses medicamentos é garantida através de estudos de
equivalência farmacêutica e bioequivalência (estes com seres humanos), de modo
que tenham a mesma ação do medicamento de referência, ou seja, são
intercambiáveis.
Ora,
é inegável que a partir do momento em que a patente caia em domínio público e
passe a ser explorada pela indústria dos genéricos, a população será
beneficiada com maior oferta de medicamentos, a preços muito mais acessíveis,
traduzindo concretização maior e efetiva dos direitos constitucionais à saúde e
da integridade da pessoa humana, princípios fundamentais de uma ordem social
justa.
Também
o País, entidade estatal que tem dever de garantir a saúde da população, será
beneficiado com a maior oferta do produto, podendo vir a economizar nas compras
públicas e oferecer mais medicamentos à sociedade. Por fim, saliento que o mais
festejado autor brasileiro em matéria de propriedade industrial, JOÃO DA GAMA
CERQUEIRA, comentando o art. 40 do CPI de 1945, o qual previa a possibilidade
de prorrogação de patentes quando convenientes aos interesses nacionais,
brasileiro sobre a Propriedade Industrial, já advertia:
A
prorrogação do prazo de duração do privilégio é medida que não encontra nenhuma
justificativa e que só poderá dar lugar a abusos e injustiças. Dir-se-á que a
prorrogação só terá lugar excepcionalmente e quando convier aos interesses
nacionais. Mas a segunda condição destrói a primeira, pois, sempre que os
interesses nacionais o exigirem, a prorrogação poderá ser concedida e a medida
pouco a pouco perderá o seu caráter de exceção. Além disso, esta condição
reveste-se da fórmula do interesse
nacional, conceito vago, impreciso, flutuante, que comporta as mais
variadas aplicações e as mais arbitrárias interpretações. Por outro lado, falar
em prorrogação do prazo dos privilégios de invenção por interesse nacional é
verdadeiro contra-senso. O interesse nacional, que constitui fundamento para a
desapropriação de patente (Código, art. 64), não pode servir de fundamento para
prorrogar o prazo do privilégio em benefício do seu concessionário, cujos
interesses particulares se contrapõem aos nacionais. A coletividade, por sua
vez, está interessada não na prorrogação do privilégio, mas na sua extinção e
na vulgarização das invenções, para que o uso e a exploração destas se tornem
livres (Constituição, art. 141, § 17). Portanto, se por interesses nacionais, se entenderem os interesses da coletividade,
o contra-senso da lei ainda é maior. Não receamos errar afirmando que os
interesses nacionais e interesses da coletividade não se conciliam nunca com a
prorrogação do prazo dos privilégios, exigindo, ao contrário, a sua extinção no
prazo normal. De fato, como pode a Nação ou a coletividade ter interesse na
permanência de um privilégio que cerceia a liberdade de todos e cuja exploração
exclusiva só ao seu concessionário traz benefício? Aliás, a incoerência da lei
mais se patenteia quando faz depender a prorrogação do prazo de “pedido
devidamente comprovado”, pois esse pedido somente poderá ser feito pelo único
interessado no prolongamento do privilégio, isto é, pelo concessionário, o qual
representa seus interesses pessoais e não os interesses nacionais ou os da
coletividade. ("Propriedade Intelectual - Pipeline - Princípio da Independência das Patentes". In: R.
SJRJ, Rio de Janeiro, n. 20, p. 149-171, 2007).
No caso dos autos, a patente
européia foi obtida em 28.02.1996, por um prazo de 20 anos. Já o primeiro
depósito do pedido de patente no exterior foi realizado em 19.02.1990, devendo
ser computado, ainda que tenha havido desistência. Em 27.06.1996, foi formulado
o requerimento de revalidação no Brasil (sistema pipeline). De 19.02.1990 a 27.06.1996 transcorreram 6 anos, 4 meses
e 7 dias. O prazo remanescente passa, então, a ser 13 anos, 7 meses e 23 dias,
que posposto à data do depósito no Brasil chega à data de 19.02.2010.
Por
fim, impende asseverar que a própria recorrente indicou, como primeiro depósito
no exterior, o pedido CH 518/90, formulado em 19.02.1990 na Suíça (fls.
28/31-STJ).
Ante o exposto, nego provimento
ao recurso especial. É como voto.
CERTIDÃO
DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA
Número
Registro: 2009/0130146-2 REsp 1145637 /
RJ
Números Origem: 199902010589871
9800316876
PAUTA:
15/12/2009 JULGADO: 15/12/2009
Relator
Exmo. Sr. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/RS)
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JUAREZ ESTEVAM
XAVIER TAVARES
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO
DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
: NOVARTIS AG
ADVOGADO
: JOAQUIM EUGENIO GOMES DA SILVA GOULART PEREIRA E OUTRO(S) RECORRIDO :
INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL INPI PROCURADOR : MARIA APARECIDA
MONSORES RODRIGUES E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO
E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Atos
Administrativos - Registro de
Marcas, Patentes ou Invenções
SUSTENTAÇÃO
ORAL
Dr(a).
MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, pela parte RECORRENTE: NOVARTIS AG
Dr(a). INDIRA ERNESTO SILVA
QUARESMA(Procurador Federan( �br style='mso-special-character:line-break'>
, pela parte RECORRIDA:
INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL INPI
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA
TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu
a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, negou
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os
Srs. Ministros Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA), Nancy
Andrighi, Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 15 de dezembro de 2009
MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA
ROCHA
Secretária
RECURSO
ESPECIAL Nº 1.145.637 - RJ (2009/0130146-2)
RELATOR : MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/RS)
RECORRENTE : NOVARTIS AG
ADVOGADO : JOAQUIM EUGENIO GOMES DA
SILVA GOULART PEREIRA E OUTRO(S)
RECORRIDO : INSTITUTO NACIONAL DE
PROPRIEDADE INDUSTRIAL INPI PROCURADOR : MARIA APARECIDA MONSORES RODRIGUES E
OUTRO(S)
VOTO-VOGAL
EXMO.
SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:
Sr.
Presidente, eminentes Ministros, ontem à tarde tive a oportunidade de receber
em meu gabinete os advogados de ambas as partes e tive a oportunidade também de
fazer um prévio contraditório, porque ambos expuseram detalhadamente os seus
posicionamentos.
Eu
estava aguardando a leitura do voto do eminente Ministro Vasco Della Giustina e
concordo integralmente com S. Exa. no sentido de negar provimento ao recurso
especial.
Ministro
MASSAMI UYEDA