TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL nº 0102850-18.2009.8.19.0001
APELANTE: IMS COMERCIAL E INDUSTRIAL LTDA E OUTRO APELADO: GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S.A. RELATORA: DES. LÚCIA MARIA MIGUEL DA SILVA LIMA
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL. INSTRUMENTO DE MANDATO ESPECÍFICO PARA AJUIZAR AÇÃO EM FACE DE DETERMINADO RÉU. IMPRESTABILIDADE PARA OUTROS DEMANDADOS. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL. DIREITO AUTORAL. TITULARIDADE. PROTEÇÃO À PROPRIEDADE INTELECTUAL. CIRCUNSTÂNCIAS QUE REFOGEM À SIMPLES IDÉIA DA OBRA. TITULARIDADE DA OBRA. DESNECESSIDADE DE REGISTRO. PESSOA JURÍDICA QUE NOTORIAMENTE DESENVOLVE PROGRAMA DE TELENOVELA. DANO MORAL. PRERROGATIVA DO AUTOR. DANO PATRIMONIAL COMPROVADO. A outorga de procuração com poderes da cláusula ad judicia, quando dela consta expressamente em face de quem deverá ser proposta a ação, não permite ao causídico alargar subjetivamente o objeto da lide, a teor do disposto do art. 37 do C.P.C. Os princípios norteadores da proteção à propriedade intelectual, seja ela atinente à propriedade industrial ou ao direito autoral, têm por escopo privilegiar os autores de inventos e criações artísticas, de modo a impedir a utilização da obra de forma indiscriminada, seja por alterar- lhe os padrões ou sua titularidade. A Lei 9.610/98, ao não proteger a idéia da obra, não o faz de forma absoluta, devendo ser analisada casuisticamente as situações que influenciam a sua reprodução, visto que outros elementos fazem com que haja a individualização da obra. Desta forma, deve-se analisar o conjunto de caracteres dos produtos envolvidos, seus traços primordiais, as referências que os individualizam para saber se houve ou não o uso indevido da criação. A titularidade da obra, diferentemente do que ocorre na propriedade industrial, independe do registro, bastando, para sua prova, a notoriedade de sua exploração. A ofensa patrimonial, decorrente da utilização indevida da obra, deve ser auferida utilizando-se os padrões estabelecidos no art. 210 da Lei 9.279/96, vez que possui a mesma razão. Dano moral que é exclusivo do autor da obra, não sendo transmitido à pessoa jurídica titular do direito à sua exploração. Conhecimento do recurso e seu parcial provimento.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0102850-18.2009.8.19.0001, em que figuram as partes acima nomeadas.
ACORDAM os Desembargadores que compõem a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por ________ de votos, em conhecer do recurso para dar-lhe parcial provimento, na conformidade do voto da Desembargadora Relatora.
Rio de Janeiro, ___ de ________ de 2011.
LÚCIA MARIA MIGUEL DA SILVA LIMA
Desembargadora
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL nº 0102850-18.2009.8.19.0001
APELANTE: IMS COMERCIAL E INDUSTRIAL LTDA E OUTRO APELADO: GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S.A. RELATORA: DES. LÚCIA MARIA MIGUEL DA SILVA LIMA
VOTO
Trata-se de ação visando à indenização por danos materiais e morais decorrentes de utilização indevida de marca e padrões referentes à obra Caminho das Índias, em especial as atinentes à sua personagem principal Maya.
Primeiramente, deve-se acolher a preliminar de falta de capacidade postulatória da autora, ora apelada, em face da ré IMS Comercial e Industrial Ltda., pois a procuração outorgada foi expressa em conferir os poderes da cláusula ad judicia exclusivamente para a propositura de demanda em face de INVESTLUC.
Desta forma, tendo sido o instrumento procuratório específico para o ajuizamento em face de uma pessoa, não há como estender a manifestação de vontade do outorgante, de modo a possibilitar a inclusão de outras pessoas no pólo passivo da relação, em especial por ter havido tempo suficiente para esta regularização.
Por esta razão, há de ser julgado extinto o processo em relação à ré IMS Comercial e Industrial Ltda., por falta de pressuposto processual, com base no art. 267, IV do C.P.C., condenando a apelada nas custas do processo e em honorários advocatícios que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais).
Quanto às demais preliminares, essas se confundem com o mérito, sendo analisadas doravante.
As criações intelectuais, como manifestações das atividades artísticas e culturais, há muito vêm sendo objeto de tutela jurídica, vez que se apresenta inegável o valor econômico que essas obras agregam ao patrimônio de seu autor.
No Brasil, a Lei 9.610/98 disciplina a questão autoral, trazendo em seu art. 7º e incisos os bens passíveis de tutela jurídica.
Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
Realmente, as obras artísticas, sejam elas na literatura, nas artes cênicas, na pintura ou em quaisquer outras áreas que necessitam do sentimento e sensibilidade do seu criador para alcançar o reconhecimento popular acerca de qualidade, são dotadas de expressão patrimonial, seja através de sua exploração direta, como o valor nominal da obra em si, ou de forma indireta, que é a decorrente da menção feita à obra e sua autoria.
Como consectário dos princípios que regem a propriedade industrial, em especial o da novidade e o da exclusividade de sua utilização, deve-se promover uma interpretação extensiva dos preceitos atinentes à garantia e à segurança da obra, de modo a permitir uma proteção ampla daqueles que desempenham a atividade intelectual com maestria e detém em seu nome uma carga de credibilidade perante o público.
Não restam dúvidas de que o criador goza de privilégios na exploração e divulgação de sua criação, como também a certeza de que não haverá modificações de seus conteúdos, salvo se por ele autorizado.
Esses dois caminhos do direito autoral, que são retratados pelos direitos patrimoniais e moral, devem ser analisados separadamente, pois o primeiro refere-se à exploração da obra propriamente dita e o segundo à forma de utilização da criação, cujo bem jurídico tutelado é a imagem do autor.
O viés patrimonial do direito autoral, por sua vez, cinge-se na exploração direta da obra, que é a venda, a reprodução ou outro meio de disseminação de seu conteúdo e na exploração do ambiente comercial que determinadas produções alcançam decorrente de sua divulgação na mídia.
É justamente a esse segundo aspecto da exploração patrimonial que o presente caso concreto amolda-se.
Como bem explanado pela autora, a novela Caminho das Índias, por todas as circunstâncias que foram criadas, como marketing, veículo de reprodução, horário de exibição, teve um alcance comercial bem elevado, de modo a ser considerado como um expoente à época de sua exibição. Não apenas influenciando no consumo, como também ditando tendência de produtos e serviços.
A lei 9.610/98 trouxe uma relação de criações que não são objetos de proteção, que para o presente são relevantes os dispostos nos incisos I e VI.
Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:
I - as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;
VI - os nomes e títulos isolados;
Diferentemente do sustentado pela apelante, a divulgação de produtos de beleza com características indianas não foi fruto do acaso ou de mera tendência mundial, mas sim de um aproveitamento da divulgação que a autora envidara para promover a sua novela, como se depreende do conjunto probatório trazido aos autos.
É certo que a lei exclui do âmbito de proteção a idéia e o nome de personagens, contudo, deve-se perquirir até que ponto essa utilização por terceiro é ocasional ou decorrente de má-fé, com o intuito de se prevalecer de um ambiente promocional criado para auferir proveitos econômicos decorrente da obra alheia.
Os indícios trazidos aos autos dão conta de que a apelante valeu-se da divulgação da novela da apelada para lançar o seu produto no mercado, prova disso foi a data em que pronunciou sua linha de cosméticos, que se deu uma semana após o início da programação.
Também não se pode olvidar que o padrão de beleza utilizada pela apelante é bem semelhante ao da atriz cujo nome batizara a coleção e não o padrão indiano legítimo, não se podendo dissociar o marketing promovido pela apelante dos personagens e do tema perpetrados pela apelada.
Destarte, ficou configurado que não foi a tendência mundial que incentivou a apelante a produzir e divulgar seus produtos naquele momento, mas sim de valer-se de toda a promoção e divulgação da beleza indiana que a apelada criou para estrear a sua novela.
A apelante defende, ainda, a tese de que foi ela quem registrou a marca Maya, sendo, por conseguinte, a titular dos direitos de sua exploração, não sendo possível creditar-se de concorrência desleal por falta de semelhança entre os produtos comercializados por ela e os veiculados pela apelada.
Verdade, não há como concorrer produtos de beleza com teledramaturgia, realmente, ninguém que vai comprar um shampoo na prateleira da farmácia o faz pensando que fora produzido pela Rede Globo, mas menos verdade não se apresenta o fato de que este empreendimento traz ramificações em vários seguimentos comerciais, como, por exemplo, a produção fonográfica, de bonecos, móveis e utensílios e, no caso em comento, de produtos de beleza.
É justamente neste último caso que reside o aproveitamento indireto da obra, pois a apelada, como ficou comprovado nos autos, explora contratos de utilização do nome de seus programas para atrelá-los a outros produtos e auferir receitas.
Pois bem, deixar de perceber que tais circunstâncias evidenciam mais que mero acaso é corroborar com a má-fé e prejudicar não apenas a apelada, mas também empresas que contratam com ela para ter o legítimo direito de exploração de imagem da obra, tendo em vista que este teve um custo operacional maior, que é a própria autorização.
Com estas premissas, apresenta-se como a mais correta forma de indenizar os danos materiais sofridos pela apelada a estabelecida no art. 210, III da Lei 9.279/96, mediante integração analógica da norma, já que a propriedade industrial é o outro ramo da propriedade intelectual, dotando-se da mesma razão que os direitos autorais.
Art. 210. Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado, dentre os seguintes:
III - a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem.
Quanto à proibição de venda dos produtos, com a retirada de todas as unidades do mercado, entendo que tal sansão não se justifica, porque, como asseverado anteriormente, não houve a sua falsificação ou adulteração, como também não se trata de concorrência desleal que implique em dúvida no consumidor a respeito de qual produto esteja consumindo.
Sem dúvidas que houve aproveitamento econômico por parte da apelante da situação criada pela apelada para divulgação de sua novela, mas este aproveitamento, por si só, não inviabiliza a comercialização de seu produto, que se refere a segmento distinto, o de cosmético, não se podendo estender o âmbito de proteção da norma de modo a impedir o exercício de atividade econômica lícita.
No que se refere aos danos morais, dispõem os art. 24 e 25 da Lei 9.610/98.
Art. 24. São direitos morais do autor:
I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
III - o de conservar a obra inédita;
IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;
V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;
VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.
§ 1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV.
§ 2º Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público.
§ 3º Nos casos dos incisos V e VI, ressalvam-se as prévias indenizações a terceiros, quando couberem.
Art. 25. Cabe exclusivamente ao diretor o exercício dos direitos morais sobre a obra audiovisual.
A propriedade intelectual, em especial o direito autoral, como manifestação da personalidade do indivíduo é resguardado de forma particular pelo micro sistema protetivo desse bem incorpóreo.
O dano moral, quando se refere a ofensa a direito autoral, é revestido de peculiaridades que não se restringem à violação da honra do indivíduo, mas também com relação à obra produzida e à correta indicação de sua autoria.
Neste ponto, é imprescindível para a configuração do dano moral o uso da obra de forma diversa daquela que foi criada ou a sua utilização sem a correta indicação de seu autor.
No presente caso, a apelante, embora tenha usufruído de forma indireta da obra Caminho das Índias para divulgar os seus produtos, em momento algum fez referência direta a ela ou a seus autores, apenas indicando que a beleza indiana seria retratada em horário nobre da televisão brasileira.
Embora seja o dano moral in re ipsa, há necessidade da prova de que a conduta seja ilícita, que para os casos de direito autoral implica na prova de utilização da obra de forma diversa daquela originalmente feita ou sem a correta indicação de seu autor, o que no caso não foi realizado.
Ademais, o dano moral pela má utilização da obra reveste-se de caráter personalíssimo, sendo inalienável e irrenunciável, assegurando ao criador da obra um direito de propriedade protegido de forma absoluta, vez que o que lhe é permitido transferir é apenas o direito de exploração econômica.
Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis.
Por tais razões, recebo o presente recurso e a ele dou parcial provimento para julgar improcedentes os pedidos de que a ré, ora apelante, se abstenha de utilizar os produtos da marca Maya e Maya Segredos de Beleza e de condenação por danos morais, mantendo, no mais, a sentença tal como proferida, subsistindo, portanto, o pagamento dos direitos previstos no art. 210, III da Lei 9.279/96.
É como voto.
Rio de Janeiro, ___ de ________ de 2011.
LÚCIA MARIA MIGUEL DA SILVA LIMA
DESEMBARGADORA RELATORA