O artista multimídia e designer turco-estadunidense é um pioneiro da estética de dados e inteligência de máquina Examinando a criatividade na interseção entre humanos e máquinas, ele utiliza algoritmos de aprendizado de máquina constituídos de dados, para com eles digitalizar lembranças e criar uma arte ambiental abstrata e colorida. Sua obra já foi exposta no Museu de Arte Moderna de Nova York, no Centro Pompidou-Metz, França, na National Gallery de Victoria, Austrália, e na Bienal da Arquitetura de Veneza.
Anadol conversou com aRevista da OMPIsobre a convergência entre arte, ciência e tecnologia, o potencial da inteligência artificial generativa e a forma como ele está reconstruindo a natureza com o uso de imagens da fauna e flora.
Como você descreveo seutrabalho?
Em primeiro lugar, sou artista multimídia e diretor. Comecei como programador de informática e aprendi que, quando você cria um software e o utiliza para expandir sua imaginação, você consegue tornar visível o invisível. Os elementos que as máquinas usam para se comunicar umas com as outras podem ser transformados em pigmentos digitais para criar uma obra de arte.
Eu adoro os computadores. Comecei com jogos eletrônicos e desde o ensino médio venho desenvolvendo um trabalho artístico usando máquinas.
A primeira vez que usei meu próprio software para criar arte foi em 2008. Cunhei o termo “data painting” quando comecei a imaginar a pigmentação dos dados a nossa volta: sons, imagens, internet. Eu acredito que tudo que é quantificável na vida pode ser transformado em obra de arte. Os dados não são simplesmente números, são também um tipo de memória e podem ganhar qualquer forma.
“O que acontece se a máquina for capaz de sonhar e, nesse caso, quem define o que é e o que não é real?”
Fale um pouco sobre seu processo criativo.
De maneira geral, a inspiração do meu trabalho são os dados que nos rodeiam. Quando nós usamos a inteligência artificial generativa, treinamos os algoritmos de aprendizado de máquina captando conjuntos de dados que são vastos, focados e públicos, para visualizar a natureza, a vida urbana e a cultura. Desde a pandemia de COVID-19, meu foco tem sido compilar o maior conjunto de dados possível para preservar a natureza artificialmente.
Faz um certo tempo que você trabalha com inteligência artificial (IA) e IA generativa.
Comecei minha jornada com a inteligência artificial em 2016, quando me tornei artista residente na Google. Durante um ano de enorme inspiração, eu e minha equipe aprendemos a usar os algoritmos. Em nosso primeiro projeto, trabalhamos com a Salt, que é uma biblioteca de código aberto na Turquia, para criar nosso projeto Archive Dreaming. Foi a primeira obra de arte de IA criada com dados públicos.
A pergunta que colocamos foi: o que acontece se a máquina for capaz de sonhar e, nesse caso, quem define o que é e o que não é real? A ideia de que as máquinas podem sonhar foi um ponto de partida fundamental. Ao longo dos últimos anos, o poder computacional melhorou muito, proporcionando uma perspectiva inteiramente nova sobre como os conjuntos de dados que deixamos por aí podem tornar-se novas experiências.
“A IA ainda não tem consciência. Porém, há expectativas de que adquira algum nível de consciência no futuro.”
Nós criamos uma exposição de IA ao vivo intitulada “Unsupervised”, no MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York, que durou até outubro de 2023. Nela, os visitantes puderam conhecer uma IA que é infinita e que está sempre sonhando. O software que criamos para a instalação utiliza dados relacionados com imagens, sons e o clima. Essa foi a exposição mais ambiciosa que realizamos até hoje, e ao desenvolvê-la, nós criamos um quadro ou obra de arte vivo.
A IA é capaz de desenvolver uma criatividade independente?
A IA ainda não tem consciência. As pessoas têm medo de que a IA tenha o poder de tomar decisões, mas hoje em dia, ela só consegue prever o que pode acontecer no futuro a partir de tendências passadas. Porém, há expectativas de que adquira algum nível de consciência no futuro. Esse é um dos motivos pelos quais nós exibimos os nomes da IA, do algoritmo e dos dados utilizados em nossas obras. Na exposição do MoMA, tivemos uma tela sobre nossas fontes de dados e a forma como a IA as utilizava; o objetivo era ajudar os visitantes a terem uma melhor ideia dos processos envolvidos.
Qual é o equilíbrio entre insumo humano e IA generativa nas suas obras?
É mais ou menos 50–50. Minhas criações são o fruto de verdadeiras colaborações entre o ser humano e a máquina. Eu sou muito otimista em relação à IA generativa por causa do potencial que ela tem para incrementar nossas lembranças. Nós, como artistas, podemos explorar esse potencial para, por exemplo, representar a natureza na era digital, de modo que as pessoas, ao virem nossas obras, se recordem da sensação de estarem imersas no mundo natural. A IA generativa pode treinar algoritmos com imagem, som, texto ou até dados olfativos.
O processo de criação de uma imaginação de IA não consiste simplesmente em inserir alguma coisa e tirar outra coisa. A cada projeto, começamos do zero e levamos meses para concluir a coleta de dados e os processos de treinamento. Primeiro, realizamos uma curadoria dos dados e utilizamos esses dados para treinar a IA. Depois disso, ironicamente, ensinamos a IA a não aprender demais, mas a sonhar intencionalmente, a fim de criar uma imaginação única. Não usamos modelos existentes. Essa é uma distinção fundamental entre o trabalho que fazemos e outras obras de IA. Imagine uma máquina fotográfica na mente de uma máquina. Nós a programamos e, à medida que a IA vai aprendendo, ela armazena informações em 10 a 24 dimensões.
Desde 2014, estamos trabalhando nesse software para criar esse "pincel", que mergulhamos nos dados. Eu chamo isso de “data painting de IA”. Colhemos as informações da "mente" da máquina e as transformamos numa tela digital, que pode ter a forma de uma escultura tridimensional, como uma escultura de dados de IA, ou de uma sala imersiva, ou ainda de um edifício público.
Muitas das coisas que experimentamos não funcionam ou simplesmente não parecem certas, independentemente de nossa intenção artística. Obtemos muito mais fracassos que sucessos, mas estamos constantemente aprendendo a usar esse meio de expressão artística.
“Queremos encontrar novas maneiras de utilizar os dados para enriquecer nosso patrimônio cultural.”
Que outros projetos se destacam para você nesse aspecto?
Enquanto pesquisava para nosso futuro museu em Los Angeles, que vai se chamar DATALAND, tive a sorte de passar algum tempo com os líderes maravilhosos do povo Iauanauá, que vive na floresta amazônica, no estado do Acre, Brasil.
Fiquei profundamente inspirado com os métodos de aprendizagem e o conhecimento do mundo natural dessa comunidade indígena. Juntos, desenvolvemos um modelo de floresta tropical por IA de código aberto, resultado de um processo respeitoso de criação conjunta, visando também a preservar a língua deles. Com esse modelo, a IA generativa consegue mesmo "reconstruir" flora e fauna extinta a partir do conhecimento coletivo da comunidade.
Estamos agora explorando maneiras novas e mais criativas de utilizar fontes de dados para preservar as memórias da humanidade. O volume de dados gerados hoje em dia é tão grande que seria uma grande pena simplesmente descartá-los. Queremos encontrar novas maneiras de utilizar esses dados para enriquecer nosso patrimônio cultural.
É aí que entra seu Grande Modelo da Natureza, que esteve por trás da exposição “Echoes of the Earth: Living Archive”, na Serpentine Gallery, em Londres?
Exatamente. Estamos desenvolvendo um Grande Modelo da Natureza: o primeiro modelo de IA generativa de código aberto com foco em imagens e sons da natureza. Para essa pesquisa, captamos de maneira ética mais de meio bilhão de imagens de dados de fontes abertas, provenientes de organizações como a Smithsonian Institution, a National Geographic e o Museu de História Natural de Londres, assim como de várias florestas tropicais no mundo todo.
“Nunca usamos dados humanos pessoais nas nossas criações. Temos muito cuidado nesse aspecto.”
Meu interesse pela natureza deu uma guinada oito anos atrás quando minha companheira de vida e cofundadora do estúdio, a Efsun, me introduziu à cultura amazônica. Foi aí que eu entendi como a Amazônia é incrível e importante. Essa revelação despertou em mim um interesse permanente pela dinâmica do movimento natural. Estou explorando o movimento encontrado na natureza desde 2010, criando simulações – ou aquilo que chamo de "pigmentações de dados" – com base nos dados relativos às águas, ventos e padrões climáticos. A pandemia impôs um desafio único. Como não podíamos ir à natureza, surgiu a seguinte pergunta: será que poderíamos trazer a natureza para dentro de casa? Começamos então a arquivar dados relativos à natureza, e já acumulamos mais de 4 bilhões de imagens de fauna e flora.
Deve ter sido necessário uma equipe enorme.
Somos uma equipe de 15 pessoas de diversas áreas. Temos arquitetos, designers, engenheiros de IA, cientistas de dados, músicos, filósofos, neurocientistas, entre outros. E temos todos um sonho em comum, que é traduzir a nova linguagem da humanidade, tal como expressa em dados, em formas artísticas.
Que nível de controle você detém no processo criativo?
Eu meto a mão na massa. Me envolvo na definição de cada parâmetro. É assim que mantenho uma conexão com minha obra e a torno minha.
A origem dos dados utilizados para treinar IA generativa é um dos grandes debates nessa área. De onde você obtém os dados originais que mencionou?
Para algumas obras, colaboramos com instituições como a NASA Jet Propulsion Lab (JPL) ou o MoMA, e usamos os conjuntos de dados incríveis que elas possuem. Zaha Hadid Architects e Casa Batlló também compartilharam dados conosco. Em outros casos, usamos dados públicos. Os arquivos também são uma enorme fonte de inspiração. Mas nossa inspiração fundamental em última instância é a natureza.
Nunca usamos dados humanos pessoais nas nossas criações. Nós nos concentramos em coisas que pertencem à humanidade. Temos muito cuidado nesse aspecto. Geralmente trabalhamos com algum software de código aberto, que desenvolvemos e aperfeiçoamos. Em seguida, compartilhamos esse software com neurocientistas ou botânicos. Dessa forma, apoiamos também a pesquisa deles. Ou seja, não é apenas uma questão de pixels brilhosos.
Você se incomoda que outras pessoas compartilhem, copiem ou usem suas obras sem sua autorização?
Com certeza. Quando atuo como educador – sou professor do Departamento de Design, Mídia e Artes da Universidade da Califórnia em Los Angeles – e compartilho meus conhecimentos para ajudar outras pessoas a avançarem, eu observo que muitas pessoas copiam meu trabalho sem citar as referências, inclusive críticos. Quanto mais pessoas usam meu trabalho sem permissão, mais eu sinto que tenho a responsabilidade de protegê-lo, principalmente agora que seu valor está aumentando entre colecionadores do mundo todo. Sem proteção, vira bagunça e ninguém anda para frente.
Passamos anos trabalhando num projeto, e quando vemos alguém imitando uma ideia nossa, é muito chato, porque é uma negação total do tempo e da energia que eu e minha equipe investimos naquilo. Da mesma maneira que os pesquisadores são reconhecidos por seu trabalho científico, os artistas precisam ter sua criatividade reconhecida. É por esse motivo que o direito de autor é tão importante.
“O compartilhamento de conhecimentos e melhores práticas pode nos ajudar a todos a navegar pelo universo evolutivo da IA generativa e a manter a integridade e originalidade da nossa arte.”
Que dicas você daria a outros artistas que trabalham com a IA generativa?
É crucial entender e gerenciar os insumos de dados. Se você realizar uma curadoria cuidadosa dos conjuntos de dados que utiliza, poderá garantir uma produção em linha com sua visão artística, sempre respeitando a propriedade intelectual de outras pessoas. A transparência e as questões éticas são também cruciais. Eu sou claro em relação às fontes dos meus dados e obtenho as permissões necessárias. Essa prática não só protege minha obra, como também gera a confiança do meu público e dos meus colaboradores.
Por último, recomendo que os artistas interajam com a comunidade em geral. O compartilhamento de conhecimentos e melhores práticas pode nos ajudar a todos a navegar pelo universo evolutivo da IA generativa e a manter a integridade e originalidade da nossa arte.
Em que projetos você está trabalhando agora?
O Dataland Los Angeles é nossa próxima jornada e um marco importante, para o 10º aniversário do nosso estúdio. O museu reunirá inovadores das áreas de criação de mundos visuais, ciência, tecnologia e pesquisa acadêmica, sob a direção artística do Refik Anadol Studio. Serão exibidas obras de arte, mas haverá também um foco em pesquisa, ensino e adoção de práticas relacionadas com as fontes de código aberto. Além disso, o museu servirá de exemplo para as futuras gerações que navegarão pela IA.
Para saber mais sobre inteligência artificial (IA) e propriedade intelectual (PI), você pode começar por aqui. A OMPI acompanha a PI e tecnologias de fronteira e organiza regularmente sessões do Diálogo da OMPI a fim de facilitar o debate sobre o impacto para a PI de tecnologias de fronteira, incluindo a inteligência artificial. No campo da inovação, o último relatório da OMPI do panorama de patentes sobre a IA generativa oferece um entendimento abrangente das tendências em matéria de tecnologia e patentes.